O DESTACAMENTO Feminino foi criado por meninas “analfabetas” durante a luta armada de libertação nacional, com o intuito de aglutinar sinergias para libertar o povo da escravidão colonial.
Esta afirmação foi feita por Marina Pachinuapa, coronel na reserva, falando semana finda, no Maputo, no decurso do lançamento do programa comemorativo dos 45 anos da criação do Destacamento Feminino, cuja efeméride se assinala a 4 de Março.
São mulheres que não esperaram que fosse a então Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) a tomar tal iniciativa pois, cedo quanto antes, perceberam que precisavam de desenvolver várias outras actividades, fora das que já vinham desenvolvendo.
A antiga combatente da luta armada de libertação nacional sublinhou que o sonho da mulher guerrilheira está a ser concretizado, podendo constatar-se, a olho nu, o crescente número de mulheres formadas e a tomarem posições de destaque nos diferentes sectores de trabalho. A mulher assume fortes posições nas esferas de decisão: no Conselho de Ministros, na Assembleia da República, nos tribunais, nas empresas públicas e/ou privadas, na Saúde e na Educação, nas Obras Públicas e Habitação e, em suma, em todos os sectores de actividade.
Marina Pachinuapa defendeu que o sonho das mulheres que criaram o Destacamento Feminino se consubstancia hoje na Organização da Mulher Moçambicana (OMM), e na existência do Ministério da Mulher.
A coronel na reserva explicou que a 4 de Março de 1967, um grupo constituído por 25 meninas deu entrada no campo de preparação político-militar de Nachingwea, na Tanzânia, todas elas idas de Moçambique, num processo considerado, na altura, de “muito difícil”.
Segundo a coronel, a maior parte das referidas raparigas não sabia ler nem escrever, mas tomou aquele rumo de aventura por orientação do Dr. Eduardo Chivambo Mondlane que traçou uma linha clara logo nos primórdios da fundação da Frente de Libertação de Moçambique, segundo a qual homens, mulheres, jovens e crianças, tinham a árdua tarefa de libertar a pátria.
A visão de Eduardo Mondlane, de acordo com Marina Pachinuapa, era de que a dominação colonial não havia feito escolha sobre a quem incidiria a sua acção repressora ou seja, a mesma incidiria sobre o homem a mulher e criança, jovem, sem qualquer distinção.
Acrescentou que aquele grupo de jovens meninas assumiu os ensinamentos do arquitecto da unidade nacional e decidiu pegar em armas para libertar a sua terra do jugo colonial.
Marina Pachinuapa assume-se como uma das fundadoras do Destacamento Feminino. “Foi uma guerra muito difícil. Alguns homens nunca aceitaram a nossa presença e participação na luta. Algumas mulheres diziam que nós, as meninas que decidimos lutar pela libertação da pátria, éramos aventureiras e de conduta duvidosa. Mulheres de má vida. Porém, nós sabíamos qual o rumo que pretendíamos e quais eram os nossos objectivos. Em 1967, um primeiro grupo de 25 meninas saiu para Tanzânia. Permaneceu na fronteira mais de duas semanas, porque em Nachingwea, alguns homens incutiam a Samora Machel a ideia de que a guerra não devia ser feita por mulheres. Que a mulher nas fileiras do Exército criaria problemas e que dificilmente a luta chegaria ao fim. Mas nós sabíamos que íamos a Nachingwea para sermos preparadas do ponto de vista técnico-militar para melhor podermos participar e de forma activa na luta armada de libertação nacional”, disse.
Revelou ainda que o grupo de mulheres partiu da fronteira, à noite, com destino ao campo de preparação político-militar de Nachingwea, onde chegou por voltadas 10 horas do dia 4 de Março.
Samora Machel era na altura o chefe do Departamento de Defesa da então Frente de Libertação de Moçambique.
“Samora Machel recebeu o grupo, mas era necessário desenvolver-se um trabalho de educação cívica junto dos homens que igualmente se encontravam a receber treinamento militar naquele campo. Foi um trabalho para dar a entender que o homem é igual a mulher e que o envolvimento desta na luta seria uma mais-valia para a derrota do inimigo. Explicou que a mulher não criaria nenhum problema no decurso da guerra e é o que se viu com o decorrer do tempo”, afirmou Marina Pachinuapa.
A coronel na reserva fez saber que no auge da luta armada de libertação nacional a mulher guerrilheira tomou a decisão de criar uma organização, integrando toda a mulher moçambicana, destinada a discussão dos problemas do país. Foi assim que se criou em 1973 a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), braço feminino da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
A coronel na reserva, que procedeu ao lançamento das festividades do 4 de Marco, disse que as cerimónias centrais terão lugar nesta data, sendo o ponto mais alto, a deposição de uma coroa de flores, na praça do Destacamento Feminino, na cidade de Maputo.
O convite é direccionado em particular às filiadas na Organização da Mulher Moçambicana, na Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional, no Ministério da Defesa Nacional, no Ministério do Interior, noutras instituições do Estado e da sociedade civil.
Ainda não estamos conformados
Por seu turno, a antiga combatente e também fundadora do Destacamento Feminino, Deolinda Guezimane disse ser um facto visível o crescimento da mulher e apontou, como um dos exemplos, a eleição de uma mulher para a presidência da Assembleia da República.
“Apesar destes resultados ainda temos muitas mulheres que sofrem”, disse, recordando que não foi fácil viver o tempo colonial, em que à mulher não era dado nenhum valor.
“Quando a família tivesse dois filhos, uma menina e um rapaz, a prioridade para a escola era dada ao rapaz, porque educar a menina era tido como perda de tempo, uma vez que o seu papel se limitava aos trabalhos domésticos. A mulher não participava na vida activa da comunidade, nem na resolução dos problemas da comunidade”, lembrou amargamente, Deolinda Guezimane.
Falando da sua participação na guerra de libertação, Guezimane descreveu a unidade nacional como um elemento que desenvolveu um papel determinante para a vitória.
“Às vezes marchávamos longas distâncias a pé e sem água para beber, mas sempre superámos os obstáculos porque todos éramos uma família; estávamos unidos e imbuídos pelo espírito de vitória”, contou.
Deolinda Guezimane reforçou a ideia de que a criação do Destacamento Feminino e o facto de o homem aceitar que a mulher receba treinos político-militares foi um grande avanço do ponto de vista estratégico militar.
Afirmou que a partir dali, em 1973, realizou-se a primeira conferência da OMM, depois da experiência do Destacamento Feminino, em que as mulheres transportavam material, defendiam as zonas libertadas, tomando conta das crianças e trabalhando nas machambas.
Segundo a antiga combatente, esta acção da mulher despertou a necessidade da criação de uma organização e através dela, lutar pela emancipação, contrariando os que diziam que a mulher não tinha capacidades, nem ideias capazes de contribuir para a libertação do país. Foram vários os preconceitos porque passou a mulher na guerra. Por exemplo, alguns homens não aceitavam que a mulher pegasse na bandeira, alegadamente porque não sabiam qual era o significado daquele símbolo.
“Hoje, com a OMM, a mulher moçambicana já ocupa o seu espaço. Ela está em todas as áreas desde a política, económica e cultural. É com grande orgulho que hoje vemos mulheres governadoras, mulheres ministras, temos uma mulher como presidente da Assembleia da República, até já tivemos uma primeira-ministra e temos a mulher representada em todas as esferas da sociedade”, disse lamentando porém, o facto de o primeiro Presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlhane, a heroína nacional, Josina Machel e tantos outros camaradas que morreram durante a guerra não poderem testemunhar vivamente estas conquistas pelas quais tanto se bateram.
Carinhosamente tratada por “mamã”, entre as mulheres que pertenceram ou pertencem ao Destacamento Feminino, Deolinda Guezimane continua uma lutadora incansável pela defesa dos ideais da liberdade e da contínua emancipação da mulher. Para ela, é importante que se saiba o papel desempenhado pelos jovens do "25 de Setembro", aqueles que sacrificaram a sua juventude em defesa da pátria.
Falou dos momentos atribulados por que passou durante a guerra; da unidade nacional como arma fundamental para derrotar o inimigo; dos desafios para a mulher e apelou para que a nova geração continue a levar o barco a bom porto, todos estes ideais.
Recordou que tinha 22 anos quando se juntou à Frente de Libertação de Moçambique.
“Saí de Moçambique em 1965. Sabe o que é deixar familiares, deixar tudo? Fui-me juntar à FRELIMO em 1965. Parti da Beira ao Malawi, via Murraça (Tete). Daí apanhei o comboio até ao Malawi, onde fiquei três meses. Depois fui de barco, via Lago Niassa, até Tanzânia. Lá tive a sorte de receber orientações para ir continuar com os estudos em Dar-es-Salaam, no Instituto Moçambicano, porque o falecido presidente Eduardo Mondlane tinha um sonho segundo o qual nós devíamos combater, praticar a agricultura e estudar. Estas três tarefas tinham que ser exercidas em simultâneo. Nenhuma devia ficar para o segundo plano. Ele dava muita prioridade à formação, porque dizia que depois de conquistarmos a independência, tínhamos que saber como dirigir o país. Fui colocada no grupo que partiu para a ex-União Soviética para tirar o curso da juventude. Fiquei dois anos e meio na Rússia. Quando regressei, fui directamente para Nachingwea, com outras colegas. Fomos de avião para Nachingwea, tendo sido recebidas no aeroporto pelo presidente Samora Machel que nos dirigiu a Nachingwea. Isso aconteceu em 1967. Em Nachingwea recebi treinos político-militares. Imaginem o que é acordar às quatro horas de madrugada para correr, tomar o pequeno-almoço e depois ir aos treinos! Era preciso muita coragem. Tudo requer sacrifício, dedicação e amor à pátria. Os treinos não foram fáceis, mas eu e as minhas companheiras aguentámos”, lembra, encorajando a mulher moçambicana a não vacilar nos seus propósitos.
- Joana Macie