Com pompa e circunstância, foi lançado na última sexta-feira o movimento comemorativo dos 50 anos da fundação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), efeméride ocorrida em Dar-es-Salam a 25 de Junho de 1962.
Com o lançamento das comemorações dos 50 anos da Frelimo, logo no início do ano, fica evidente que o partido governamental elegeu 2012 como sendo o " ANO DO JUBILEU DA FRELIMO", virando as atenções de todo o povo para tal evento de carácter nacional.
Contrariamente aos que acham isso bizarro, nós achamos que as celebrações dos 50 anos da Frelimo, ao longo de todo o ano, vão se constituir numa oportunidade nobre para o aprofundamento do debate interno sobre o futuro do País, a começar por clarificar os recados que Armando Guebuza mandou para os seus críticos quando afirmou que "ninguém, isoladamente, é melhor que a Frelimo" e que quem fala em nome da Frelimo são os seus órgãos, nomeadamente no congresso, comité central, comités provincial e distrital.
Disse mais: quem pretender ser melhor que a Frelimo corre o risco de se marginalizar e, por fim, abandonar os seus camaradas! Resumindo, Guebuza está a dizer: "Calem-se, por favor! Quem quiser falar que o faça dentro dos órgãos, sob pena de ser marginalizado e abandonado pela direcção do partido"!
É, precisamente, aqui onde está o busílis da questão, ou seja, a questão da liberdade de expressão dentro da Frelimo. Ou seja, devem ou não devem as pessoas falar, criticar e opinar sobre o seu próprio partido, independentemente de estarem integrados em órgãos?
Os órgãos do partido funcionam de acordo com uma certa periodicidade. Por exemplo, o congresso reúne de cinco em cinco anos; o Comité Central, uma vez por ano, assim por diante.
Será justo pedir a um militante, membro do Comité Central, que guarde as suas críticas e observações até à próxima reunião do Comité Central a ter lugar, por exemplo, daqui a seis meses? Será justo e correcto ameaçar os militantes com marginalização e desterro quando analisam criticamente o funcionamento do seu próprio partido?
O que nós sentimos, da conversa com centenas de militantes do partido Frelimo, é que eles já se sentem marginalizados e abandonados pela direcção do seu próprio partido, ao ponto de enveredar pelo caminho dos murmúrios, lamentações e críticas fora dos órgãos. Os militantes não compreendem como é que determinadas decisões são tomadas e implementadas pelo governo do seu partido.
Os militantes não compreenderam patavina sobre a estorieta da cesta básica que ora ia para frente, ora voltava para trás, com o povo a lamentar-se publicamente nos "chapas", nos mercados e nos restaurantes e barracas, onde diversos militantes também frequentam.
Os militantes não foram devidamente informados das razões que levaram a direcção do partido a ordenar a renúncia dos edis de Quelimane, Pemba e Cuamba, em Agosto do ano passado, nem estão informados sobre o grau de reflexão, se é que houve alguma, ao nível da Comissão Política sobre as razões da derrota do candidato da Frelimo na cidade de Quelimane e as prováveis consequências dessa derrota no futuro político do partido na província da Zambézia.
Os militantes lêem nos jornais que a população de Cateme, em Tete, está descontente com o tipo de reassentamento que ali houve, onde, claramente, o Governo abandonou o seu povo às mãos de uma empresa estrangeira de má fama internacional. Perante isso, os militantes indagam-se sobre qual é a posição dos órgãos do partido e não encontram resposta nenhuma, exactamente, porque a direcção do partido nunca tornou pública a sua posição, se é que a tem, sobre esses assuntos melindrosos da vida do povo moçambicano.
Os militantes conversam com diversos cidadãos que se queixam de que alguns dirigentes principais do País estão empenhados em abocanhar, para si e suas famílias, todas as oportunidades económicas que aparecem no mercado moçambicano, não deixando nada ao pacato cidadão. Os militantes gostariam de saber qual é a reflexão que o partido faz sobre esse sentimento cada vez mais generalizado dos cidadãos de que alguns dirigentes viraram "autênticos papa-tudo"
Desse modo, vai se cristalizando, no seio de muitos militantes, o sentimento de que a direcção do partido não tem tempo para um trabalho político sério, limitando-se a dar prioridade a assuntos de curto prazo e de impacto limitado na vida do povo.
É esse sentimento, Senhor Presidente, que leva alguns militantes a desabafar em público, assumindo posições críticas em relação à forma como o seu partido está sendo gerido. Alguns deles não se importam de serem marginalizados porque, na prática, já estão marginalizados do processo interno de discussão política de assuntos nacionais mais importantes.
Aliás, um partido que completa cinquenta anos de idade já não é uma associação de garotos a quem se pode intimidar com a possibilidade de os marginalizar caso falem coisas inconvenientes "fora das estruturas".
Um partido da idade da Frelimo, é um partido de "madalas" que falam quando, onde e como eles bem entenderem, não carecendo de instruções sobre como participar na vida política do País que ajudaram a libertar.
Em nosso modesto entender, as celebrações dos 50 anos da Frelimo deviam encorajar maior abertura da direcção do partido para receber mais críticas dos militantes, sejam feitas dentro ou fora dos órgãos para, a partir dessas críticas, redefinir que tipo de gestão partidária os militantes pretendem para os próximos anos.
A estratégia de "mandar calar" teve o seu sucesso em épocas de fechamento político mas hoje já não serve. Como é que os militantes da Frelimo hão-de ficar calados a aguardar pela reunião dos órgãos num país em que todos falam, todos berram e todos exigem soluções urgentes para os problemas prementes que o País enfrenta? Está claro que quem deve mudar não são os militantes, mas os métodos que a direcção da Frelimo actual usa para gerir o debate político interno.
Antigamente, quando nem mega projectos havia no País, a Frelimo tinha um secretário do Comité Central para a Política Económica. Hoje, mais do que nunca, essa figura seria essencial para a sincronização da política económica do Governo com o pensamento económico do Partido, pois nota-se, claramente, que muitas das opções económicas do Governo acontecem à margem do sentimento e pensamento dos militantes da Frelimo.
Ninguém quer ser melhor que a própria Frelimo, mas os militantes gostariam de sentir que a sua opinião vale alguma coisa para o melhor encaminhamento das soluções necessárias para termos um país melhor para todos.
Celebrar 50 anos de idade acarreta uma enorme responsabilidade à direcção da Frelimo, a responsabilidade de ser modelo de tolerância, abertura, pluralismo de expressão e respeito a todas as contribuições, independentemente do local e hora da sua produção.
Desse modo, celebrar 50 anos da Frelimo acrescentará valor ao processo da edificação do Estado de Direito democrático moçambicano.
Salomão Moyana ([email protected])
MAGAZINE INDEPENDENTE – 08.02.2012