Por Manuel Bernardo
O jornal “A Voz de Paço de Arcos”, que se considera um defensor dos interesses da freguesia local, vem transcrever um obituário do Almirante “vermelho”, constante dos Anais do Clube Naval Militar, de Dezembro de 2010 (!?).
E isto a propósito de quê? No final da transcrição é feita a explicação: Esse volume dos Anais foi oferecido à freguesia “por ocasião do aniversário do seu nascimento (14-11-1926), como homenagem de Paço de Arcos, terra onde, cerca de oito anos, veio passar os seus três meses de férias.” (!?) Apenas espero que Paço de Arcos se fique por aqui nesta “homenagem” e não chegue a atitude semelhante à da freguesia de Olival de Basto (Odivelas), que pretende (ou pretendeu…) erigir uma estátua a Samora Machel, responsável pelo governo moçambicano autor das piores tropelias contra portugueses, nos primeiros anos pós-independência.
Vou comentar resumidamente o conteúdo deste texto de que não é indicada a autoria… Depois da alusão à sua actividade como marinheiro e velejador e de engenheiro hidrógrafo em Moçambique e Angola são salientados os depoimentos de vários oficiais de marinha: Comandantes Carrilho Mateus, Daniel Rodrigues e Jorge Jesuíno (o esquerdista Correia Jesuíno, da descolonização de Angola e do PREC, no Continente português?). Todos eles fazem os elogios das qualidades de Rosa Coutinho, como oficial de Marinha antes do 25 de Abril.
O único depoente que alude ao sucedido no pós-revolução é o Almirante Vítor Crespo, Alto-Comissário em Moçambique, em 1974-75, que se considera o “responsável” pela sua indicação para ser membro da Junta de Salvação Nacional (JSN). Depois, neste resumo sobre o depoimento de Crespo, é referido:
“(…) Nomeado pela JSN Presidente da Junta Governativa de Angola, desempenhou com inegável sentido de missão essa difícil tarefa.” (…)
Eu acrescentaria que essa não á opinião de muita gente responsável e até de quem, como ele, pertenceu a tal junta governativa de Angola, como foi o General Silva Cardoso, da FAP. Este oficial viria a ser o Alto-Comissário, que substituiu Rosa Coutinho em Angola, depois do Tratado de Alvor (Janeiro de 1975), e escreveu um livro titulado “Angola; Anatomia de uma Tragédia” (2000). A pp. 468/469 é salientado:
“(…) O repórter do London Observer” escreve de Luanda a 30-01-1975: «O Almirante Rosa Coutinho, então Alto-Comissário português, e muitos outros oficiais portugueses aqui presentes manifestam simpatia pelo MPLA». (…)”
(…) Em 1987, Rosa Coutinho afirmava: «Eu dizia então que a única saída seria reconhecer o MPLA e transferir o poder para aquele movimento na data fixada para a independência, 11-11-1975».
(…) Em 1988, em entrevista a uma cadeia de jornais explicava como tinha ajudado o MPLA, rematou afirmando: «Dei a oportunidade ao MPLA, pois de outra forma eles não tinham vencido» (…).”
Também numa entrevista que me concedeu em 14-12-1994, diz que “apenas impediu a marginalização do MPLA…”. E mais á frente: “Atribuí a cada um dos três movimentos um subsídio mensal de 10.000 contos… Quem mais beneficiou com isso foi o MPLA, pois não tinha nada. (…)” (in “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975; pp 234 e 241).
A vergonhosa descolonização dos territórios ultramarinos portugueses, e nomeadamente de Angola, com a sua entrega aos movimentos ligados à então URSS, no âmbito da Guerra Fria, é devidamente salientada e sintetizada pelo Major General Manuel Monge, em entrevista publicada neste meu livro citado, “Memórias da Revolução (…)”, pp 559:
“(…) A descolonização é a página mais negra da História de Portugal Contemporâneo. É a grande nódoa de Abril.
“A descolonização foi feita na defesa dos interesses políticos e estratégicos da União Soviética, dos seus aliados e dos seus movimentos no terreno. Foi contra os interesses permanentes de Portugal, contra os portugueses residentes em territórios sob nossa administração e contra os interesses das suas populações.
“Em resumo: deixámos em Angola e Moçambique duas intermináveis guerras civis, que lançaram esses países na miséria, no ódio e na degradação.
“(…) Na Guiné-Bissau ficou no poder o Presidente Luís Cabral, cujo governo perseguiu e mandou matar milhares de compatriotas seus, que tinham servido com os portugueses. Só com a chegada do Presidente Nino Vieira terminou a chacina. (…)”
Assim, apesar de tudo o que foi destacado, Vítor Crespo, cuja passagem por Moçambique como Alto-Comissário é igualmente contestada por vários sectores portugueses e moçambicanos, no texto publicado por “A Voz de Paço de Arcos”, que vemos referindo, tem ainda o desplante de afirmar sobre Rosa Coutinho:
(…) é no entanto legítimo reconhecer que o seu conhecimento da sociedade angolana e a sua enorme intuição política o tinham conduzido a reunir as condições que permitiriam garantir, a médio e longo prazo, um melhor entendimento entre os dois países, realidade universalmente aceite actualmente, mas que encontrou sérias resistências em 1975. (…)”
Quer isto dizer que este ilustre marinheiro não deu pela guerra civil referida por Manuel Monge, nem pela queda do Muro de Berlim ou pela globalização entretanto ocorrida, e consegue ver uma influência positiva a longo prazo na actuação (apenas num semestre) do Alto-Comissário Rosa Coutinho. Por favor…
Manuel Bernardo (Cor. Ref.)
Fevereiro de 2012