Gwaza Muthini, em Marracuene
Por JOSÉ LUÍS JEQUE
Em tempos não muito distantes, quando se assinalava um aniversário da batalha de Gwaza Muthini, que opôs guerreiros moçambicanos liderados por Nwamatizvana e tropas coloniais portuguesas, as conversas giravam em torno do aparecimento do famoso hipopótamo das águas do rio Incomáti que desaguam em Marracuene, província de Maputo. Personalidades governamentais, artistas, jornalistas, mirones e até simples transeuntes dispensavam o seu tempo e presenciavam a cerimónia ansiosos em ver o famigerado cujo surgimento, conforme reza a história, simboliza o encontro com os defuntos e o abençoar do evento.
Hoje, passados longos anos, o hipopótamo parece mais uma miragem do que outra coisa e, ao que tudo indica, as pessoas já relegam a questão para o segundo ou terceiro plano e dirigem-se a Marracuene com o intuito apenas de prestar homenagem aos bravos guerreiros que no longínquo ano de 1895 lutaram ferozmente contra a ocupação estrangeira.
Foi este o cenário vivido ontem em Marracuene, na celebração dos 117 anos da batalha de Gwaza Muthini. Um número considerável de cidadãos, desde políticos até à população, foi desaguar naquele distrito que dista cerca de 30 quilómetros da cidade de Maputo. As pessoas mostravam-se preocupadas em exaltar os feitos de Nwamatizvana, Mahazule e Mazvaya, os verdadeiros heróis da batalha, bem como deliciar-se das iguarias que nesta época festiva abundam por estas bandas.
A pacata vila de Marracuene conheceu, por isso, um movimento pouco habitual com as pessoas a acorrerem em massa para tomar parte nas festividades de 2 de Fevereiro. Pequenas barracas de confecção de alimentos e venda de bebidas, uma feira de produtos agro-pecuários e música ao vivo eram condimentos indispensáveis um pouco por todos os cantos.
Com estes atractivos, a todos nada restava senão deliciar-se do momento ao gosto dum menu recheado que incluía carne bovina, leitão, frango e outros produtos ao gosto de cada um.
PRESERVAR A HISTÓRIA
A governadora da província de Maputo, Maria Jonas, que dirigiu as cerimónias, disse que Gwaza Muthini deve ser visto como um ritual que visa a preservação da história, de modo a que as gerações vindouras percebam o passado para que saibam interpretar, de forma fiel, o futuro.
Ela depositou uma coroa de flores em homenagem aos guerreiros, tendo depois participado na cerimónia de evocação dos espíritos, vulgo “kuphahla”.
Para a governadora de Maputo, que visitou igualmente, de forma demorada, a feira agro-pecuária, a forma como os camponeses e criadores de Marracuene encararam o drama das chuvas mostra que os mesmos se inspiraram nos ideais e na força dos guerreiros que com apenas lanças lutaram contra colonos armados de material bélico ou sofisticado, na tentativa de evitar a ocupação colonial.
“A feira de agro-negócio mostra que mais do que os estragos feitos pelas chuvas, a força de vontade de trabalhar e ultrapassar este dilema falou mais alto e aqui vimos os resultados. São resultados que mostram que as adversidades foram ultrapassadas”, frisou.
No local, foram expostos produtos como caju, batata-doce, castanhas, melancia, sumo de frutas, kakana, mboa, ovos, galinhas, bananas, ananás, entre outros.
VENDA DE WUKANYU
Era regra que a cerimónia de Gwaza Muthini marcava também a abertura da época do wukanyu, uma bebida feita com base num fruto silvestre denominado canhu. Igualmente dizia-se que era proibida a comercialização desta bebida, devendo a mesma ser de distribuição gratuita. Em tempos, cumpria-se isso à risca e quem fosse a Marracuene bebia wukanyu de borla a seu bel-prazer.
Entretanto, hoje, a situação mudou completamente. Quem quer beber tem que pagar. Vimos muitas mulheres a vender wukanyu em qualquer esquina de Marracuene. Um litro está ao preço de 20 meticais.
Cecília Manhiça, uma das vendedoras, disse não temer represálias de ninguém, pois, segundo ela, vende a bebida para conseguir algo para sustentar a sua família.
“Sabemos que não se pode vender, mas a fome é que nos obriga a termos que violar as regras. Como sabemos que muita gente gosta, aproveitamos e fazemos um bocado de dinheiro para nós. Por exemplo, com o dinheiro que consegui da venda de bebida vou comprar material escolar para os meus filhos”, sublinhou.
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 03.02.2012