A FRELIMO privilegiou sempre, desde a sua fundação, passando pelo desencadeamento da luta armada de libertação nacional aos dias que correm a igualdade de género, senão vejamos.
A luta armada teve início em 1964. Entretanto, a sua expansão para outras áreas ditou, em certa medida, a integração da mulher nas fileiras do Exército. Todavia, ela já tomava parte activa em outros processos ligados ao processo de libertação nacional. Foi por decisão do Comité Central da Frelimo, em Outubro de 1966, que tal facto foi decidido. Aliás, estavam já criadas as condições favoráveis para o efeito.
A novidade estava na decisão de que a participação da mulher deveria ser garantida não somente nas tarefas de execução, mas na direcção da luta armada em todos os escalões, inclusive nas reuniões do Comité Central.
O primeiro grupo de mulheres, composto na sua maioria por naturais de Cabo Delgado e Niassa, foi treinado em Nachingwea (Tanzania), numa altura em que se formava o Destacamento Feminino, que no próximo dia 4 de Março completa 45 anos da sua existência.
O académico e antigo combatente da luta de libertação nacional José Óscar Monteiro integrou, semana finda, um grupo que proferiu uma palestra no Centro Cultural da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), marcando, assim, o lançamento formal das comemorações dos 45 anos da institucionalização do Destacamento Feminino.
O antigo combatente recuou no tempo e no espaço, buscando uma frase do primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, em Setembro de 1967, segundo a qual “não criámos o Destacamento Feminino para fornecer amantes aos comandantes”.
Explicou que, na verdade, o que acontecia é que “tínhamos moças bonitas e o comandante podia usar a sua posição de chefe para se aproveitar delas”.
Segundo Óscar Monteiro, o Destacamento Feminino é o primeiro momento em que esta ideia da igualdade entre o homem e a mulher se materializa. Há muitas ideias e cada uma tem a sua forma de materialização, mas esta começou na Frelimo através do Destacamento Feminino.
O académico trouxe durante a sua explanação outros trechos dos discursos de Samora Machel, em defesa da participação da mulher na luta.Por exemplo, em 1973, disse o seguinte: “A libertação da mulher é uma necessidade fundamental da Revolução, uma garantia da sua continuidade, uma condição do seu triunfo. A revolução tem por objectivo essencial a destruição do sistema de exploração, a construção de uma nova sociedade libertadora das potencialidades do ser humano e que o reconcilia com o trabalho, com a natureza. É dentro deste contexto que surge a questão da emancipação da mulher. Se mais de metade do povo explorado e oprimido é constituído por mulheres, como deixá-las à margem da luta? A revolução para ser feita necessita mobilizar todos os explorados e oprimidos, por consequência, as mulheres também”.
Segundo Óscar Monteiro, a libertação da mulher era vista pela direcção da Frelimo, como uma garantia da sua continuidade.
“Podíamos ter a revolução avançada, mas se não houvesse mulheres emancipadas a tomar o seu lugar essa revolução iria desviar-se e perder o seu objectivo. Sem a participação da mulher, a luta iria andar, mas em jeito de se arrastar.
Hoje quando nós falamos da luta de libertação parece ter-se tratado de um processo automático. Quem tinha dúvida que a luta de libertação iria triunfar? Mas naquela altura quem tinha certeza que a luta iria triunfar? Onde tínhamos a PIDE que reprimia até o pensamento, não deixando as pessoas utilizar as suas capacidades inteiras. Com aquele exército colonial não era tão certo que naquela década nós conseguíssemos a libertação”, disse recordando que o país tornou-se independente em 1975, Angola também, mas a mesma sorte não teve a Namíbia, o Zimbabwe, este último que ficou independente 5 anos depois, graças ao esforço do seu povo e dos moçambicanos.
Não foi fácil a integração
Portanto, os processos de libertação são difíceis e só são vitoriosos quando envolvem a todos. A propósito, Óscar Monteiro disse aos presentes dentre jovens e adultos, que não foi fácil integrar a mulher no processo da luta de libertação nacional, pois alguns guerrilheiros não viam isto com bons. De entre as várias alegações dizia-se que se a gente começasse a emancipar a mulher corríamos o risco de perder o apoio dos líderes tradicionais, porque estes estavam habituados a ter a mulher no lugar subordinado e que tal fazia parte da sua cultura.
O académico disse que a sociedade está a evoluir e que o nosso papel é deixar abertura e a liberdade as pessoas.
“Não podemos manipular e alterar a maneira de pensar das pessoas, porque uma das coisas que começámos a verificar é que dentro da sociedade dos oprimidos e durante o tempo colonial, a mais oprimida era a mulher. Mesmo o homem oprimido, saia do seu emprego, do lugar onde estivesse, onde era maltratado pelo colono e, chegado à casa, maltratava a mulher”, referiu.
Óscar Monteiro explicou que não é especialista em matéria sobre violência doméstica, mas é isto que acontecia. Questiona como é que a sociedade hoje pode ser igual, como é que a sociedade de luta de libertação podia se desenvolver de forma igual “se nós continuássemos dentro da nossa organização a oprimir as mulheres”.
Disse que em 1963 o Comité Central da Frelimo preocupou-se com a participação da mulher moçambicana na revolução e condenou a tendência que existia entre muitos revolucionários, que sistematicamente excluíam as mulheres na discussão dos problemas, durante a luta.
“Eles diziam que elas podiam fazer pequenas coisas, mas participarem nas grandes discussões não”, lembrou.
Segundo Óscar Monteiro, a direcção da Frelimo teve que tomar medidas adequadas para garantir essa participação.
O Comité Central constatou que sob o regime colonial a mulher moçambicana estava submetida à opressão, mas ela estava também submetida à discriminação económica e social em relação aos homens.
“Eu tive a ocasião, não passa muito tempo, de ter acesso a uma acta que não vou relevar os nomes que estão lá, sobre a participação da mulher na luta de libertação. Na mesma acta estão posições de alguns camaradas conhecidos por nós que disseram, camaradas, vocês podem fazer o que quiseram, mas vos garanto que no dia em que a mulher participar na luta será o nosso fim; vocês conhecem essas pessoas, sempre foram dedicadas à causa do povo, mas com estes preconceitos, que até existem sobre outras pessoa”, salientou.
Fez ainda questão de fazer saber que assistiu em 1967 discussões acesas, quando treinava em Nachingueia. Na altura estava a receber treinos o segundo grupo do Destacamento Feminino, no qual se integrava a conceituada antiga combatente Deolinda Guezimane.
“Entre nós, quadros, as conversas eram muito acesas, eram coisas como: querem trazer as mulheres, elas não têm capacidades, acham que elas são capazes de discutir alguma coisa sobre a luta de libertação?”.
De acordo com Óscar Monteiro, em 1966 já havia sido tomada esta decisão histórica pela Frente de Libertação de Moçambique, sob a direcção do Presidente Eduardo Mondlane, ao se afirmar que todos os membros da Frelimo, homens e mulheres, tem mesmos direitos e deveres, daí que devem participar em todas as discussões dos problemas que interessavam a Frelimo, no mesmo plano de igualdade, aliás, esta foi uma resolução e vejo essa decisão precursora, segundo anotou.
“Hoje falamos que o nosso parlamento tem muitas mulheres, falamos que o Governo tem governadoras provinciais e administradoras distritais, como resultado da determinação da Frelimo segundo a qual sejam feitos todos os esforços necessários para que todos os órgãos de diferentes escalões da Frelimo, tenham na sua composição mulheres. Esta decisão foi tomada em Outubro de 1966”, salienta Óscar Monteiro, acrescentando que alguns princípios fazem parte da nossa vida.