CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“Uma nação só vale algo, quando se tem o sentido de unidade como o corpo humano, onde todos são por todos”. Anónimo
Com o advento da paz, depois de 16 anos de guerra fratricida, Moçambique tornou-se na segunda “maternidade” para milhares de cidadãos nascidos no estrangeiro que, à luz da Constituição da República, adquiriram a nacionalidade moçambicana. Os pedidos para este fito, segundo alguma imprensa nacional, continuam a transbordar os guichés e as secretárias das instituições públicas de tutela.
Não é por isso de admirar que o boom populacional do País tenha disparado nos últimos anos. Os sensores das instituições de estatísticas dizem-nos em seus relatórios que a população moçambicana vai aumentar nos próximos anos e a taxa de mortalidade também. O País é um mosaico de raças, de etnias, de culturas, de gentes e de valores.
Neste mosaico cultural há um pouco de tudo, inclusive indivíduos que a História não colocou na onda do “progresso civilizacional”, mantendo-os, infelizmente, em estado primitivo, quando os restantes “passageiros” da nau do "progresso" já se tinham sedentarizados e pouco maleáveis a apressadas mudanças.
Por outro lado, a ceifa que tem por obrigação restringir os requerimentos de pedido de nacionalidade moçambicana, por indivíduos estrangeiros de pretensão racial, tem-se revelado permeável e transponível aos apetites daqueles, o que faz de Moçambique uma Nação com elevados índices de segregação racial.
Por causa disso, temos no nosso País gentes intocáveis (privilegiados), e gentes de segunda categoria (os que vivem a correr). Lá iremos aos factos.
Adelino Timóteo, citado por Marcelo Panguana, afirma que “Uma Nação desaparece se deixarmos de gostar dela. Se for habitada por todo o tipo de safados e cidadãos indesejáveis. Se for dominada por corruptos. Salafrários.
Trafulhas. Oportunistas. Usurários. Os engana incautos. Os assaltantes do povo. Com este tipo de gente, nenhuma Nação resiste. Nenhuma Pátria é capaz de se sustentar com os seus próprios pés. Sentaram-se em cima de tudo e até mesmo sobre a Pátria”.
Não podia estar tão de acordo com o Timóteo, basta ver, porém, o tripé que hoje sustenta o País, composto pela pobreza absoluta (instituída pelas sucessivas ementas de políticas perversas e desastrosas), pela corrupção medular (acicatado mormente por alguns camaradas de Nachingueia), e pelo nepotismo partidário (que mina a construção do Estado democrático).
Há muito tempo que ouvimos dizer, deste governo e dos governos cessantes, que é preciso acabar com o cabritismo no Aparelho de Estado. Mas o cabrito vai crescendo de pasto em pasto, ganhando a metamorfose de bode. Há quem diga que a culpa não é do cabrito que se fez bode, nem do capim ruim, e sim do pastor! Será verdade?
Voltando à meada, o objectivo desta crónica é questionar factos que nalguns sectores tentam embatucar. Por exemplo, por que "carga de água" não é possível ver, nos nossos quartéis, o arco-íris racial de que o País tanto se orgulha? A vuvuzela dos críticos não pára de denunciar casos de segregação racial nas F.A.D.M. E com alguma razão, porquanto nenhum porta – voz daquela instituição foi capaz de explicar ao País – a ausência dos quartéis – de nacionais de todas as cores.
Os centros de recrutamento, que têm por missão alistarem jovens aptos para o cumprimento do serviço militar, têm sido, infelizmente, uma válvula gasta para o fortalecimento da Unidade Nacional. Que instrumento de selecção usam as F.A.D.M. para convocar uns e esquecer outros?
O ser "grande contribuinte" ou pertencer à "núcleos do poder" não deveria, quanto a nós, ser condição para o não cumprimento do serviço militar.
Eis aqui um tema para uma grande tese "quem cumpre o serviço militar?". Sem dúvida os resultados venceriam as hipóteses.
O mesmo “vírus” infectou às forças policiais. Os fiscais da ordem e tranquilidade públicas são quase todos de uma só cor, contrariando o mosaico racial moçambicano. No Centro de Instrução Policial de Matalane o menu é praticamente o mesmo.
Vão dizer que para este caso em concreto só é polícia quem quer, desde que reúna os requisitos permitidos por lei e seja aprovado, mas a Polícia não é um organismo vivo do apartheid. A força usada pela PRM nas campanhas de sensibilização visando o combate do crime, devia ser a mesma para a miscigenação racial nas suas fileiras, seguindo o exemplo nítido da Polícia sul-africana.
Também queremos questionar, como animais racionais, porque é que nos eventos públicos as empresas optam em dar maior primazia a cidadãos de uma determinada cor em detrimento de outras? O mesmo acontece no emprego, onde o nível académico por vezes é superado pela cor da pessoa.
Sei que somos lidos pelas forças do poder e por pessoas com tendências à segregação racial. Havendo dúvida das nossas palavras, basta um passeio pelas nossas praias, pelos quartéis, pelos espaços de requinte ou até mesmo um simples olhar para os painéis publicitários. Esta situação, caros leitores, pode vir a ser combustível da xenofobia, do racismo e da intolerância entre Moçambicanos.
Ainda nos resta questionar o seguinte: porque é que as bolsas de estudo, sobretudo para o estrangeiro, são concedidas aos cidadãos em função de uma determinada cor, raça, etnia ou região, em detrimento da competência, da experiência ou do saber? Em consequência disso (vimos casos desses em Portugal e na Bélgica), salvo raras excepções, o país continua a exportar estudantes medíocres que viram estátuas nas universidades para onde são enviados.
O pobre cidadão das zonas recônditas, inteligente mas desconhecido no meio da casta que se faz brilhar, coitado, fica a chupar no dedo. Outro grande tema para uma grande tese "quem são os que beneficiam de bolsas de estudos? Que impacto teve para o País os estudantes bolseiros formados no estrangeiro?" Também aqui não há menor dúvida que as hipóteses serão derrotadas pelos resultados da pesquisa.
Em conversa com o poeta anónimo, N’Kulu, a quem a malta da paródia reconhece sabedoria invulgar, disse as seguintes frases com as quais queremos confortar os injustamente excluídos ou preteridos deste processo de bolsas: Os bons combatentes não tiveram bolsas no passado porque deviam ficar na unidade a garantir, pela sua combatividade, a beleza dos relatórios dos comandantes, e mais: As vergonhas nacionais não se exportam, são geridas na pátria.
Tudo isso leva-nos à conclusão de que é treta o sermão sobre a auto-estima.
Sabemos pouco de auto-estima, em termos de definição, mas queremos acreditar que não pode haver auto-estima quando a fome aplica duros golpes no estômago da maioria da população Moçambicana. Assim não se fez Moçambique um país independente e soberano: com segregação racial a imperar, com a partidarização do Estado a ganhar proporções de uma ravina. Tal como disse o poeta N’Kulu: A escassa água não pode exigir que o deserto lhe crie a paz.
PS: As férias terminaram e o garimpo continua. Gento Roque Chaleca Jr. voltará ao convívio dos leitores em breve. Até lá…‘Kochikuro’ (Obrigado).
WAMPHULA FAX – 23.02.2012