Canal de Opinião
Por Noé Nhamtumbo
Nos tempos em que no país grassava a guerra civil, o êxodo da população do campo para a cidade era uma necessidade ou algo compreensível a que não se podia pôr termo porque eram vidas humanas que estavam em jogo.
As cidades e vilas moçambicanas viram-se obrigadas a recebere acolher um número de pessoas que suas infra-estruturas não conseguiam simplesmente suportar.
A guerra civil terminou faz muitos anos e as autoridades governamentais pelo que se pode depreender,não desenharam nenhum plano para mobilizar as populações deslocadas a regressarem aos seus lugares de origem. Nem se quer para aliciar as pessoas manterem-se no campo.
Na realidade pode-se observar que o êxodo do campo para a cidade continua embora a um ritmo diminuído.
O cenário actual nas cidades moçambicanas é de sufoco e de crise. O desemprego é galopante.
As estatísticas do Ministério de Trabalho não conseguem reflectir o que realmente está a suceder. O cenário é assustador, mas vendo-se os números do Ministério do Trabalho parece que o caso não é tão grave como o é na realidade.
Ninguém tem o direito de expulsar residentes de uma urbe. Viu-se o crime em que incorreu o governo quando Guebuza era ministro do Interior e empreendeu a Operação Produção que levou à morte milhares de pessoas, dossier esse ainda não resolvido com as famílias da vítimas.
As cidades exercem uma determinada atracção a que as pessoas dificilmente resistem. A vida nas cidades é geralmente fisicamente mais fácil pois não há que cultivar a terra ou exercer outras actividades que impliquem o mesmo esforço físico que trabalhar a terra exige, nos moldes a que hoje se sujeitam os trabalhadores rurais.
É possível concluir que os políticos e autoridades governamentais se recusam a desenhar um plano integrado e rigoroso que convença as pessoas a regressarem aos distritos rurais.
As autarquias que resultaram da descentralização administrativa também não possuem recursos nem políticas adequadas para enfrentar a questão do esgotamento infra-estrutural das cidades e vilas autárquicas.
Quando há reticências ou receio de tomar decisões que se apresentam com potencial de afectar preferências e tendências de votantes, entra-se num caminho que pode ser perigoso pelas suas consequências.
Aí os políticos preferem continuar a fingir que governam em vez de proporcionarem soluções humanizadas que inclusivamente contribuam para a melhoria de vida das pessoas.
Há equações que tem de ser resolvidas tendo em conta não só o presente, mas também o futuro próximo e o verdadeiro futuro. Se o voto dos antes deslocados de guerra e seus filhos pode decidir quem ganha uma eleição, e é importante nas contas dos candidatos é preciso não ignorar, por outro lado os efeitos nefastos da ruralização dos municípios, que ocorre a olhos vistos.
Qualquer esquina é aproveitada e utilizada para a montagem de um negócio que pode ir desde a venda de água e garrafas de higiene duvidosa, fruta, etc., até roupa ou carvão aos montinhos.
Não se pode questionar o direito dos moçambicanos viverem onde queiram só que isso não significa que o governo e as autoridades municipais não cumpram o seu papel de reguladores. Promover desenvolvimento é resolver estes problemas da ruralização de hábitos em sociedades urbanas. Não se pode continuar a deixar as cidades ruir por causa da ruralização de costumes.
Cada coisa no seu lugar!...
Aos governos provinciais, municipais e central cabe a tarefa e obrigação de criar condições adequadas para que os cidadãos vivam cada vez melhor, mas não se pode continuar a permitir que os hábitos inadequados a certos meios prevaleçam sobre os que são próprios da vida urbana.
Se bairros tipicamente urbanos são invadidos por comerciantes informais isso não significa desenvolvimento.
Se prédios onde a água deveria ser canalizada aos diversos apartamentos têm agora de recorrer a água transportada em bidões de 20 litros; em que os esgotos funcionam deficientemente, onde os residentes neles até atiram sacos de plásticos com fezes para os passeios e ruas, estamos em presença de fenómenos estranhos, inconcebíveis e inaceitáveis num contexto urbano.
A avalanche humana que todos os dias toma conta das cidades e vilas moçambicanas, com as pessoas procurando o seu ganha-pão está atingindo proporções alarmantes e todo os esforço para tornar estes espaços mais aprazíveis está a ir por água abaixo.
Embora por várias razões não tenha havido edificação de novas infra-estruturas é visível que as existentes já não conseguem satisfazer as necessidades actuais dos residentes. Com a agravante das velhas infra-estruturas já não suportarem com o esforço que agora lhes é exigido com o super-povoamento urbano a que se está a assistir.
As zonas do interior só servem para se ir lá buscar riqueza para alimentar os urbanos. A riqueza é produzida no campo, através de minas e exploração florestal, mas só se faz o mínimo onde há produção de riqueza.
O resultado é que atrás do dinheiro migram as pessoas. O governo central centralizou as coisas de tal forma para que os governantes vivam das oportunidades misturando governação com seus interesses privados, que o País está a tornar-se um caos que herdarão as novas gerações.
Aos conselhos municipais, aos governos provinciais e ao governo central cabe a responsabilidade de estabelecer normas, posturas que tornem a vida possível e mais condigna.
Esse esforço e exercício é preciso ser realizado. As autoridades aos diferentes níveis devem passar a proceder com rigor e seriedade. O populismo, a demagogia, a mentira, a retórica, as promessas sem fundamento cumprem uma função perniciosa quando abraçada pelas autoridade governamentais e visando alcançar unicamente vitórias eleitorais.
O governo da República não pode continuar a confundir-se com o partido mais votado sob penas do País chegar a um ponto de degradação sem retorno.
É evidente que as autoridades governamentais tem conhecimento pleno do problema que se vive. Se o comércio formal, fonte primordial de arrecadação de receitas fiscais que entram no Orçamento Geral do Estado se vê sufocado por vendedores bem em frente de estabelecimentos comerciais abre-se campo para conflitos e fugas ao fisco.
A proliferação de bancas sofisticadas no mercado informal, tornadas verdadeiras lojas, tem a ver com o “autêntico” licenciamento dos verdadeiros de esquina e de “passeio”.
Em geral as autoridades municipais são relutantes em agir contra os vendedores ambulantes e de esquina por alegadas razões humanitárias mas isso abriu espaço para que as cidades fossem “invadidas” por incontáveis vendedores. É preciso que se comece por distinguir quem realmente sobrevive do “informal” e quem faz do “informal” uma forma de fugir às obrigações fiscais.
É preciso também que o Governo se deixe de abusar dos nossos impostos gastando as verbas com supérfluos, para que as pessoas sintam que vale a penas contribuir para o erário público.
No “informal” a variedade de mercadorias comercializadas é ampla e abarca quase tudo. Mas há mercadorias que jamais deveriam ser vendidas na rua ou nas esquinas.
Facas, punhais, catanas, pesticidas, bebidas destiladas, gelo, água perfilam entre o que se vende. No informal não pagam impostos. Seguramente não são os que estão no informal por necessidade, por uma questão de sobrevivência, que o estão a alimentar. Quem alimenta o “informal” não são os pobres por uma questão de sobrevivência.
Para além da comida vendida ao sabor da poeira outras tolerâncias inadmissíveis põem em causa a saúde pública e as autoridades fingem que não é nada com elas.
As bebidas destiladas vendidas nas esquinas de vilas e cidades são catalisadores de delinquência juvenil e criminalidade. Mas também as autoridades fingem que não vêem.
Existem para evitar certos problemas mas depois fingem que está tudo bem e misturam tudo, inventam todos os argumentos para nada fazerem. Chegam até essas mesmas autoridades a desenvolver negócios que infringem legislação que deque tem vindo a registar-se desde Janeiro passado na mina de platina Impala, em Rustenburg, veriam ser elas mesmas a aplicar.
Em suma: o Estado não está a cumprir o seu papel.
Há escolhas que precisam de ser feitas por quem governa, nomeado ou eleito.
Não se pode continuar a coabitar com o que todos sabemos ser fonte de problemas hoje e amanhã.
O crescimento, desenvolvimento, progresso, satisfação plena das necessidades dos residentes de cidades e vilas passa pela adopção de medidas e comportamentos apropriados.
Já é tempo dos moçambicanos exigirem muito mais de si próprios e de as autoridades se livrarem dos cancros do populismo e da retórica vazia.
Com pleitos eleitorais e sem pleitos eleitorais o país precisa de empreender esforços orientados para o desenvolvimento sustentável.
Ninguém tem o direito de obstaculizar o que beneficia a maioria.
(Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 29.02.2012