CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“ Coitados dos vossos irmãos estudantes lá na Argélia, longe da pátria e do calor dos seus, por exigir do governo o acrescimento do valor da bolsa com vista a armadilhar os micróbios do estômago e dominar a ciência em prol do desenvolvimento do país, em recompensa receberam dos seus governantes um coktel de alcunhas inapropriadas e sanções recicladas do tempo do partido único. É mais uma lição para vocês, meus sobrinhos, nunca devem confiar totalmente nas palavras de um governante, nem que vos traga um barril de mel, sobretudo quando o fazem em peregrinação eleitoral". Trecho retirado de uma palestra com os meus sobrinhos
O Ministro da Educação, Dr. Zeferino Martins, disse à saída de mais um Conselho de Ministros reportado pelo canal televisivo STV, na semana finda, que os “cabecilhas” da greve levado a cabo por estudantes moçambicanos na Argélia seriam punidos com medidas pesadas, incluindo a perda de bolsas e o regresso ao país. Fazendo jus à ameaça do ministro Martins, ainda não se sabe, oficialmente, se os organizadores da greve terão ou não perdido a bolsa e regressado ao país. A ser verdade, será a primeira vez nos anais do país que uma promessa feita por um governante, a quilómetros de distância das eleições que provavelmente o manteria à frente do ministério que dirige, foi cumprida à velocidade de um foguetão. Mas não é a primeira vez que acontece nesta "Pérola do Índico" caso de um ministro que, em defesa da "refeição" da pasta, chama nomes depreciativos ao seu próprio povo, povo esse que, faça temperatura que fizer, não deixa nunca de exercer o seu direito de voto para, imagine-se só, eleger os seus açoitadores. Vénia máxima para o nosso povo, o povo moçambicano.
No passado recente tivemos o caso de, só para avivar memórias incautas, um ex-ministro do Interior, e actualmente Ministro da Agricultura, Eng° José Pacheco, que num dia de manifestações populares (com destaque para as cidades de Maputo e Matola), encheu os pulmões para chamar de vândalos o povo que reclamava o elevado nível de vida. Não foi sancionado publicamente como se esperava (porque os que esperavam desistiram de cansaço, e quem ainda espera, que espere sentado e em poltrona de esponja para não danificar as nádegas), porque a “camaradagem” no partido Frelimo não permite a punição dos rebentos fiéis ao seu pastor. O único “castigo” dado ao ministro Pacheco foi a mudança de pelouro, só e só! Coube agora a vez do Ministro Zeferino Martins entrar em cena, que também chamou de cabecilhas a grupo de estudantes que ocuparam, legitimamente, a Embaixada de Moçambique na Argélia.
Uma embaixada não é mais do que a presença oficial de um país dentro do território de outro país. Isto significa dizer que a Embaixada de Moçambique na Argélia é, em termo do Direito Internacional, parte do território moçambicano. Não é de se admirar, nesta perspectiva, que os estudantes tenham ido “refugiar-se” na pequena "Pérola do Índico”, em território argelino, e não num centro de acolhimento ou de refugiados daquele país irmão. Ainda assim, em sua própria casa e em gozo de um direito constitucional, os filhos desta "Pátria Amada" foram escorraçados. Isto pode não dizer muito, mas diz tudo.
Pode até ser que o Ministro Zeferino Martins tenha alguma razão na sua decisão, mas para tê-lo na totalidade, terá de explicar para que outro lugar poderia ter ido "queixar-se" os estudantes (indirectamente tutelados por si e pelo seu pelouro no estrangeiro), depois de fracassadas as negociações para que a "bomba" não estoira-se, além da embaixada do seu próprio país? Sabe lá Deus na sua incomensurável bondade e sabedoria porque MILAGRE aqueles estudantes ainda não foram parar à gandaia argelina, uma vez que possuem um montão de facturas em débito! A bolsa é pouca e quase nunca chega, sabe-se, mas as necessidades académicas são muitas e prementes.
Outra questão que se coloca ao senhor Ministro Martins é: quem “invade” um espaço que é seu por direito, como aconteceu com os nossos patrícios na Argélia, é caudilho? E a Constituição da República, senhor Ministro Martins (que na sua decisão foi apoiado efusivamente pelo director geral do Instituto de Bolsas, Dr. Octávio de Jesus), não prevê o direito à grave? Tenho quase a certeza senhor Ministro Martins, embora na vida é proibido ter-se certezas absolutas (se tal existir, "certeza absoluta", não mora comigo!), se aqueles estudantes não fossem lançar o boletim clínico de SOS na Embaixada do nosso país na Argélia, provavelmente o senhor Ministro Martins nunca saberia da crítica situação vivida pelos nossos irmãos na Argélia que é apenas uma ponta de icebergue.
Fico ainda mais espantado, senhor Ministro Martins, quando oiço elementos do seu pelouro dizer que os estudantes bolseiros devem saber virar-se com o pouco que recebem. Muitos dos estudantes ouvem. Mas, quando o pouco lhes é retirado, há que protestar. É pedir a um somaliano, no campo de batalha pela sobrevivência, que estude e tire boas notas.
A sua decisão, senhor Ministro Martins, peca porque não é sensata e deita abaixo o discurso de pobreza absoluta do seu partido. As películas da memória de um injustiçado não se apaga, é tempo de arrepiar a decisão, senhor Ministro Martins!
Não quero acreditar que da parte dos estudantes bolseiros na Argélia tenha havido falta de diálogo com a Embaixada ou MINED. Dos problemas que afectam às nossas Embaixadas e o MINED, destaco: (i) pouca articulação com o MINED e as embaixadas por forma a desencalhar processos/requerimentos dos estudantes, (ii) a não actualização das bolsas, tendo em conta a inflação do custo de vida no estrangeiro; (iii) a auditoria às condições das universidades acolhedoras revela-se pouco profícua; (iv) a arrogância por parte de alguns responsáveis pelas áreas da educação e da formação impera; (v) pouca transparência na atribuição da bolsa, facto que provoca factores como especulações, disparidade, assimetria.
Termino com um trecho extraído da mais recente palestra com os meus sobrinhos.
“Não há nenhum governante capaz de adormecer a consciência e a liberdade de pensar de um povo. Em situações como a do nosso país, em que a maior parte dos moçambicanos vive no limiar da pobreza e uma minoria no poleiro, não significa que a maioria sofrida seja ignorante ou distraída, mas porque sabe, essa minoria, que o ferro molda-se quente”.
‘Kochikuro’ (Obrigado).
WAMPHULA FAX – 27.03.2012