Como sabemos, há países que não têm riqueza material nenhuma, mas que são tão prósperos quanto os que detêm recursos naturais. Entre esses países que não foram abençoados com riquezas materiais mas que, mesmo assim, prosperaram graças á sapiência dos seus filhos, contam-se a Alemanha, o Japão e a Singapura que são tão prósperos e ricos quanto não o são a Nigéria e o Gabão, que estão sentados por cima de imensuráveis poços de petróleo e outros recursos. Assim dito, os que encaram a descoberta de carvão em Tete ou de gás como razão suficiente para começarem a pensar em separatismos do tipo da que é exigida pela agora enfraquecida Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), em Angola, são pessoas que encaram as riquezas do mesmo modo que eram vistas pelos nossos antepassados de há milénios de anos. São pessoas ultrapassadas que pertencem a uma era que já não faz parte do século XXI em que estamos. Devem ser repudiadas e ensinadas a ver com os olhos de ver, porque são uma ameaça à nossa unidade e soberania.
O mesmo deve se fazer em relação aos que pensam que os mega-projectos que estão sendo implantados no país já produziram tanta riqueza que já devia inundar as mesas ou casas de cada um e todos os mais de 23 milhões de moçambicanos. Os que disseminam esta visão, podem nos levar a perder a visão e avaliação correctas, e cairmos na impaciência que é a fonte de todas as tragédias humanas. A maior parte dos mega-projectos ainda não produziram lucros, porque o que se amealhou é ainda muito pouco e não é mais do que a reposição dos milhões de dólares que foram gastos nas prospecções e outros investimentos. Para evidenciar isto, basta dizer que as prospecções de petróleo e gás em Cabo Delgado custaram já centenas de milhões de dólares às multinacionais que as levam a cabo lá, e mesmo que fossem começar agora a explorar esse gás, teriam que reaver primeiro esses milhões antes de começarem a injectar dinheiro em massa para os nossos cofres.
Para avaliarmos melhor o estágio do nosso desenvolvimento, temos de saber donde partimos. Somos um país que saiu da guerra fratricida há apenas 20 anos, e já nos devíamos congratular porque fazemos parte dos dez países, de entre os cerca de 200 que comprazem o mundo, que registaram um crescimento de pelo menos oito por cento ao ano ao longo dos últimos dez anos. E mantemo-nos nesta grupo de países que registam este rápido crescimento, em que a China e Angola são alguns deles, não obstante quase todos os outros países estejam em chamas, e a ter um crescimento quase estagnado que se situa entre zero e pouco mais de 1,9 por cento, contando-se entre estes, todos os da União Europeia e os EUA.
Mas afinal quando é que 5.150 é maior que 4.080?
Durante a visita que fiz a Tete, em Dezembro último, uma das coisas que me disseram, foi que há um forte sentimento de que o recrutamento dos trabalhadores para as empresas que agora estão a extrair as imensuráveis jazidas de carvão em Moatize, eram quase todos do Sul do nosso pais.
Os que me diziam isto, o diziam com tanta convicção e, diga-se em abono da verdade, com uma certa dose de raiva e até revolta, deixando entender que ter-se-ia ali uma outra grande revolta, muito mais grave que a que foi protagonizada pelos reassentados de Cateme.
Confesso que fiquei temeroso e preocupado, porque sempre pensei que as descobertas de carvão e de outros recursos era uma bênção não só para os habitantes de Tete em particular, mas do país como um todo porque, como já disse, acredito que toda a riqueza que se for a descobrir num canto do nosso país, é uma riqueza para todos nós moçambicanos.
Alguns dos que falaram, foram tão longe como dizer que caso não se corrija este problema, corre-se o risco de se ter aí uma Cabinda moçambicana, isto é, uma tentativa de Tete se separar do resto de Moçambique. Quando ouvi isto, disse cá comigo que isto é um assunto tão sério que não pode continuar a se ignorar ou a não se debater, para que fique claro a todos nós se há ou não uma discriminação dos locais em benefício dos moçambicanos do Sul, ou como se diz lá, dos machanganas...
Para poder entender se de facto estaria a haver aí um apartheid, tratei logo de me dar um TPC que me pudesse levar a desvendar essa discriminação laboral. Os dados que obtive, até aqui, não confirmam que se esteja perante um outro apartheid naquele ponto do país, como se verá a seguir.
DADOS NÚMERICOS NÃO CONFIRMAM NENHUM APARTHEID
De facto, os dados que obtive de fontes insuspeitas, mostram que dos 11.145 postos de emprego que aqueles mega-projectos criaram até aqui, 9.234 estão ocupados por moçambicanos, e destes, há 5.150 que estão ocupados por moçambicanos de Tete ou por tetenses, dos quais 1.928 são de Moatize. Ora, a menos que estes dados sejam forjados, então a muito badalada tese de que a maior parte dos empregos estão com os sulistas, não corresponde à verdade. Isto porque dos 9.234 moçambicanos que lá trabalham, apenas 4.084 não são de Tete, mas doutras regiões do país, o que a todas as luzes é justo, porque não faria sentido que fossem todos de Tete só, tão somente porque o carvão está em Tete. Não seria justo porque se formos a defender essa tese, então os moçambicanos de Cabo Delgado poderiam também dizer que só eles deverão trabalhar na exploração do gás que dia após dia se está descobrindo na sua província. E quem fala dos cabo-delgadenses, poderá falar de compatriotas de outras zonas como os de Panda e Pomene, onde há já muitos anos se está explorando gás, mas que nunca levantaram o problema de que há moçambicanos que não são de lá que estão a monopolizar os postos de trabalho.
MOÇAMBICANOS FEITOS DE VÁRIAS TRIBOS
Como sabemos, durante séculos, a região do sul do país, especialmente Maputo, foi a Meca de todos nós, porque era nesta parte do país em que havia mais possibilidades de se conseguir um emprego ou fazer-se um negócio, porque era onde os colonialistas haviam feito algum desenvolvimento.
E era especialmente para a cidade de Maputo que vinham moçambicanos de todas as outras províncias tentar empregar-se, tal como está acontecendo agora com Tete. E muitos se empregaram muitas vezes em prejuízo dos naturais desta província ou pelo menos cidade, mas tanto quanto sei, os naturais nunca criaram barreiras e muito menos hostilizaram esses que vinham das outras províncias. É curioso que Maputo acabou sendo uma panela que absorveu moçambicanos de todas as tribos de Moçambique, a tal ponto que hoje é uma cidade multi-linguística, onde a própria língua local, o ronga, acabou sucumbindo, dando lugar à predominância do changana, que é da província vizinha de Gaza. Rigorosamente falando, Maputo é hoje uma salada que compraz todas as tribos que constituem o nosso país, e tentar vê-la como cidade dos machangas ou da gente do Sul, é um grave erro de palmatória.
Só este facto prova que já não vale a pena ver as pessoas que vivem no Sul, Centro e Norte do país como sendo originários dessas regiões. Na verdade, o advento da nossa independência acabou abrindo as portas de cada uma das províncias do país que se saldou numa migração mútua que está a dar lugar a uma nova tribo, que é a duma geração de jovens que só sabe falar uma única língua, que é a oficial ou o português. Na verdade, o que se deve fazer para que as línguas nacionais não morram de vez, é ensinar cada uma delas em cada uma das províncias do país, para que possam passar a ser nacionais de verdade e não locais como são até agora. É imperioso que se ensinem não só para garantir a sua sobrevivência, mas acima de tudo porque há hoje muitos idosos que ficaram nas suas províncias, mas que já têm netos ou sobrinhos que já são, vice-versamente falando, do Sul, Norte e Centro, e que falam as línguas das províncias em que nasceram e não as dos seus avôs, primos ou tios que se mantiveram onde os seus antepassados os deixaram.
Tudo isto que acabo de resumir aqui, mostra que já não vale a pena tentar erguer barreiras para que não se empreguem em Tete ou em Cabo Delgado só que não são destas províncias, porque as pessoas do Sul e das outras províncias não se resumem agora aos originários, como já o evidenciei com base nesta salada tribal que é hoje a zona sul do pais e, em particular, a cidade e arredores de Maputo. Esta salada humana maputense catalisou-se mais porque era em Maputo onde havia a maioria das escolas secundárias que o colonialismo havia deixado e era aqui onde existia a única universidade, que é a Eduardo Mondlane, antes de se construírem as que hoje vemos noutras províncias e que totalizam agora mais de 40. O facto de que era em Maputo onde havia as melhores escolas e a única universidade faz com que seja também aqui onde há moçambicanos com níveis académicos mais elevados e com referência dos empregadores que têm estado a investir no país, como é o caso de Tete que está a absorver a maior parte dos que detêm o ensino superior, especialmente geólogos. Isto mostra que tinha razão Confúcio quando dizia que a maior riqueza de um povo é o saber que advém do estudo.
As próprias riquezas materiais que dormem nas terras, solos, mares e lagoas do nosso país, só nos beneficiaremos de facto delas se dominarmos o conhecimento, porque de contrário, seremos apenas serventes e carregadores das multinacionais que as irão explorar e levar depois em grandes navios para os seus países, enquanto nós ficaremos com os buracos, tal como nos avisava o nosso legendário Samora Machel quando insistia que devemos estudar a sério para dominarmos a ciência e a técnica para que possamos ter o poder na sua verdadeira essência. Assim dito, devemos acarinhar e promover o emprego dos que entre nós estudaram, não importa se são do Norte, Centro ou Sul do nosso país, desde que sejam competentes e possam defender os nossos interesses. Foi valorizando os que haviam estudado que a China de hoje conseguiu apropriar-se da ciência e da tecnologia ocidentais e alavancar-se até tornar-se numa sociedade super-moderna que muitos invejam agora, em apenas 30 anos.
DIÁRIO DE Moçambique – 29.03.2012