Por Noé Nhamtumbo
O tempo e recursos que se perdem em Moçambique são imensos, até ao dia em que os moçambicanos vão mesmo dizer basta a todo este teatro de mau gosto…
Segundo o formalismo democrático há eleições periódicas para eleger deputados do Assembleia da República e também o presidente da República.
Ao nível dos municípios também há eleições para as assembleias municipais e para presidentes do respectivos conselhos municipais. Até já há assembleias provinciais. Sendo assim, uma visão não elaborada poderia permitir denominar-se o sistema que temos no país como “democrático”.
Mas na verdade tudo o que temos não passa de espectáculo, teatro.
A mandar são entretanto sempre uns poucos que nunca ouvem os outros e todo o aparato de democracia não passa de encenação. Isto quase duas décadas depois de se começar a falar de construção de uma tal democracia em Moçambique.
Na verdade perdem-se recursos e montam-se esquemas para extrair recursos públicos de maneira ilícita em nome de uma pretensa democracia.
O parlamento que sai das eleições acaba executando o que o executivo quer ver transformado em lei. Devia ser o contrário, mas não é.
Temos assim um parlamento de pacotilha e um executivo controlador de tudo. Mesmo o judiciário é uma farsa. Está claro hoje qual o esquema que se montou para fingir-se que em Moçambique existe uma democracia quando de facto tudo não passa de uma oligarquia real camuflada.
Desde a primeira experiência de exercício de multipartidarismo através de eleições ficou claro que nas hostes da chamada oposição política algumas questões de base não estavam claras.
Aquela disponibilidade de fundos das Nações Unidas para os partidos concorrentes levou a uma verdadeira proliferação de partidos políticos. Muitos moçambicanos que tinham ou supunham que tinham dotes de oratória julgaram na altura que isso era suficiente para ser líder de partido político. Com o dinheiro em perspectiva foi realmente difícil o discurso vencer. Cada político ou aspirante a político queria o seu quinhão do “trust fund” e desde que viesse a mola a democracia real podia esperar.
A tarefa ficou facilitada ao partido Frelimo. Conseguiu, enchendo os bolsos dos que iam aparecendo a armar-se em políticos, conseguiu construir uma imagem que agradava aos doadores dos fundos e a uma certa comunidade internacional. E logo se começou a dizer que não tendo uma democracia perfeita estávamos a construi-la.
Numa situação em que os opositores não se interessam em construir coligações robustas e dignas deste nome os resultados eleitorais que foram conseguidos no decurso de todos os pleitos eleitorais havidos espelham o que se podem considerar resultados artificiais na medida em que não reflectem a intenção de voto nem o voto real dos votantes.
O povo deixou de ir votar porque percebeu o nível dos políticos que tínhamos e não se deixou enganar.
E hoje temos uma democracia que todos já perceberam que precisa de um forte empurrão para ir ao lugar.
Não é difícil dizer que a Renamo teria outros resultados e a alternância democrática já poderia ter acontecido se mesmo de dentro da Renamo não tivessem surgido os tais políticos de algibeira, entenda-se os tais que começaram a vender o povo em seu proveito próprio.
A partir da altura em que o PDD apareceu em cena viu-se que algo de novo poderia surgir, mas cedo se viu também que não era bem por aí que as coisas poderiam mudar.
Depois que posteriormente o MDM se apresentou como partido político concorrente, viu-se toda uma corrida legalista por parte dos órgãos eleitorais com o propósito de inviabilizar a sua participação no processo eleitoral.
Os exageros pretensiosamente legalistas e o jogo de árbitros que até vão aos congressos de uma das equipas, potencialmente favoráveis ao partido Frelimo, passou a ser a norma para impedir que o ambiente democrático que começava a vingar no país, seguisse o seu rumo e se fortificasse.
Fala-se bastante de democracia mas sempre que há oportunidade de aplicá-la e implementá-la as entidades que deveriam agir e ajudá-la a afirmar-se são as primeiras a fazer alguma coisa para impedir a consolidação dessa mesma democracia.
Depois “fogem com o rabo à seringa” e dizem que as falcatruas eleitorais são apenas “irregularidades”.
Até os fiscais internacionais são os mesmos desde as primeiras eleições.
São autênticos funcionários internacionais que servem para legitimar eleições a favor do dono do circo. De tantas vezes que por cá aparecem até já têm ar de múmias… Sem vergonha de virem aos trocos, diga-se…
Está também claro que as mordomias e regalias oferecidas aos senhores da CNE e do STAE pelo executivo – que é simbolicamente o mesmo desde há décadas – como se isso não fosse suficiente para nos rirmos desta espantosa democracia que dizem estar a acontecer em Moçambique – vão oleando os integrantes dos órgãos eleitorais.
Na hora de ajuizar o processo eleitoral fazem o que fazem e já ninguém se deixa enganar. Até ao dia em que a paciência dos cidadãos se esgote, lá vão conseguindo levar a água ao seu poço, mas um dia arrependem-se porque aos chefes grandes nem mesmo o dinheiro lhes vai sendo suficiente para travar os levantamentos: que o diga Kadhafi e o ex-presidente egípcio que até já vai ao tribunal de maca…
Verdade seja dita que havia e há muitos interesses externos que não queriam e nem querem ver a Frelimo fora do poder. Sabe-se hoje e mesmo ontem que por exemplo, da parte de chancelarias de países como Itália, Portugal, convinha que a Frelimo fosse a vencedora das eleições legislativas e presidenciais. Os interesses políticos e financeiros em jogo, a estratégia concertada ao nível da NATO em conjugação com os EUA parece apontar e confirmar a “vista grossa” que muitos observadores eleitorais externos e internos fizeram. Mas está-se a ver como acabam todos os países onde pululam políticos também de algibeira …
Mas no meio de tudo isto o que espanta é o comportamento dos chamados “animais políticos” de Moçambique.
A sua propensão para se perpectuarem moleques do “colonialismo” é evidente, apesar de andarem sempre a quererem fazer-se passar por meninos exemplares…
Há uma recusa aberta de aprender-se com o passado e com as experiências.
Um pouco de guloseimas, algum na conta bancária, algum “acerto” como se diz nos bastidores, tem levado políticos que já tiveram alguma coisa a dizer no nosso panorama a trocarem de camisola e a atrapalharem a tendência de voto através de mecanismos que incluem tribo, religião.
É difícil compreender como pelo menos as grandes bases da RENAMO, PDD e MDM, etc. não optaram ainda por uma concertação que possa levar a uma solução madura que permita reunir forças capazes de acabar com o fingimento que tem permitido dizer-se que em Moçambique se está a construir uma tal democracia.
Do ponto de vista filosófico e ideológico, as grandes bases destes três partidos remanescentes da primeira grande vaga de partidos nascidos do multipartidarismo, parece que tinham tudo para triunfar se sua opção tivesse sido a união, mas como os líderes perdedores eternos não vêem mais longe e se sentem bem a fingir que são oposição para governar um dia, cabe hoje a essas mesmas bases no seu íntimo apoiar quem ainda tem pernas para andar e concentrar-se em torno de quem ainda vai conseguindo produzir alternância de poder.
Os jovens, sobretudo os jovens, já compreenderam isso. É preciso é que mais gente contribua para que o país consiga refrescar o seu sistema político.
Em política verificam-se fenómenos anómalos e outros perfeitamente compreensíveis do ponto de vista do comportamento humano e há casos de políticos da oposição que se sentem bem eternamente na oposição.
Grandes doses de egocentrismo e incapacidade de certos políticos admitirem que outros podem fazer melhor, que ninguém sabe tudo e que sobretudo escutar os outros pode ser benéfico. Até aqui terão privado os moçambicanos de experimentarem a democracia a sério, mas também permitiram que os jovens amadurecessem.
Diferentes experiências, desde como fazer política, disciplina, segurança e inteligência, controlo e fiscalização eleitoral, domínio do pacotes eleitorais legislativos, domínio do software e hardware aplicado e utilizado em Moçambique, organização partidária de base, formação de quadros partidários, são aspectos que podem ser explorados em conjunto para contribuírem para a vitória de uma coligação ou grupo de oposição, embora hoje isso esteja praticamente posto de parte na mente de certos políticos da oposição que se revelaram apenas preocupados com os seus umbigos.
Em 2011, ano em que tiveram lugar três eleições intercalares municipais e agora que mais uma vai acontecer em Inhambane, ficou provado que uma preparação adequada e uma exploração inteligente dos falhanços e fracassos da Frelimo podem ser cruciais para a sua derrota eleitoral.
Os anos de 2013 e 2014 serão anos eleitorais onde a oportunidade de alternância democrática pode-se concretizar e é hora de se começar a trabalhar profundamente para isso.
Já é tempo de quem faz política investir seu tempo e recursos na diminuição do número de partidos políticos e apostar em “cavalos” que correm.
Para plataformas e programas eleitorais similares, manifesto político e eleitoral similar a lógica seria vermos vários partidos se fundindo ou pelo menos construindo plataformas que se manifestam claramente de oposição com propósito de chegar ao poder.
Se as lideranças dos partidos de oposição não forem capazes de compreender isso valha-nos o facto das bases já estarem a ver de onde de facto pode vir a luz.
É de acreditar que as próximas eleições serão fortemente concorridas e que uma hipótese de derrota nas legislativas leve a que a Frelimo ensaie todo o tipo de fórmulas, até com alguns da oposição que irão tentar as suas últimas cartadas.
O ambiente é favorável para a oposição só que esta tem de demonstrar que cresceu no seu entendimento de como se faz política e deixar os que têm mais probabilidades de vencer, chegarem lá.
Não faz sentido que partidos que se dizem da oposição passem a vida a servir de meninos de coro de quem são se lembra deles a não ser quando é para os “adormecerem”.
É tempo dos políticos da oposição demonstrarem que realmente querem que as coisas mudem.
Felizmente os cidadãos já compreenderam todo o jogo dos oportunistas e não deixarão muito espaço para quem se diz da oposição mas na prática o que quer é boa vida e uns trocos de quem está no poder.
Os líderes e integrantes das cúpulas dos partidos políticos sérios têm a responsabilidade de baterem-se pelos cidadãos. Nessa batalha ficam de lado os interesses individuais. Os cidadãos que se deixavam enganar já lá vão. O povo já abriu os olhos.
O salto qualitativo e em frente que Moçambique precisa como país, só vai acontecer quando os moçambicanos se convencerem de que possuem poder de utilizar seu voto para punir e penalizar quem mente e se afasta dos seus desígnios e direitos.
A vitória eleitoral, materialização dos fundamentos políticos democráticos, pode transformar-se no princípio da mudança que os moçambicanos anseiam.
Mas é preciso que os partidos políticos trabalhem no sentido de propagar os ideais democráticos, o comportamento cívico democrático, o fim do medo e do receio de votar diferente.
Moçambique já tem idade suficiente para alguma maturidade política e só resta que certos partidos da oposição se deixem de atrapalhar uns aos outros e se deixem de fazer oposição à oposição e se concentrem no essencial.
Já existe experiência de que é possível vencer eleições mesmo quando o adversário parece um gigante que na prática todos estamos hoje cientes que não é.
Na impossibilidade real de se reunirem consensos e estratégias que capitalizem as forças que uma oposição coerente, convém que se parta para um trabalho que não impeça que se forme o tal rio como em “época de cheias” para que ainda se possa experimentar mudanças sem que se venha um dia a concluir que isto só vai à força, “à porrada”, passe a expressão.
Quem realmente é oposição ao sistema vigente tem de se revelar pelo seu trabalho e não pelas “jogadas baixas”.
Moçambique precisa de uma verdadeira democracia e não de políticos que se encobrem fingindo-se da oposição.
Canal de Moçambique – 21.03.2012