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Por: António Justo – Alemanha
Geração 68 – Revolução Política e Religiosa
A revolução começa no espírito para só depois ganhar expressão política. Já antes do 25 de Abril andávamos todos à procura de bilhetes para a liberdade.
Em 1959, João XXIII responde à ânsia do mundo por inovação e emancipação convidando todo o mundo ao “aggiornamento”, à mudança. Dos USA surgiam rajadas de ventos anunciadores da ânsia de emancipação expressa na música Pop, Rock, Blues, Rolling Stones, Beatles, etc. no movimento hippie e no desejo de emancipação sexual.
O mapa do tempo e dos sentimentos públicos eram determinados pela baixa pressão soviética e pela alta pressão americana. Na altura o mundo encontrava-se todo em ebulição. Sob o cenário da “guerra fria”, proliferavam os cenários das fronteiras ideológicas. As palavras de ordem da altura eram: “Proibido proibir”, “abaixo o Estado”, “seja realista, peça o impossível”, “não confie em ninguém com mais de 30 anos”.
Este clima, além de fomentar ânsias e aspirações, favorecia a constituição de redes revolucionárias desde Moscovo, Cuba, Ásia, América latina, Argélia até à MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e ao Movimento dos Capitães, depois MFA (Movimento da Forças Armadas portuguesas).
O movimento revolucionário servia-se também da arte para conseguir atingir a juventude e a burguesia pósguerra.
Fermentavam a massa social de então como os WikiLeaks, os Piratas, o Facebook , mainstream, a Internet e a ofensiva cultural árabe no Ocidente fermentam a de hoje.
Manifestava-se a reacção a uma jerarquia repressiva adversa a um novo sentimento de vida. Era o espírito proletário contrariador do estilo burguês a afirmar-se; os filhos da segunda grande guerra formam então uma geração contestatária, a geração 68.
Na sua fuga à culpa e aos ressentimentos provocados pela segunda guerra mundial, a nova geração manifesta- se extremamente sensível à paz, à liberdade e a tudo o que lhe é próprio; inicia uma verdadeira revolução de emancipação que envolve todas as camadas sociais e se manifesta no desenvolvimento tecnológico, na revolução sexual, pílula, droga, etc. Arrumam também com Deus pois não querem reconhecer pai nem mãe.
Neste ambiente o mundo fervia, subindo ao céu, por todo o lado, um grito fumarento de libertação contra a intolerância dos outros. O Maio quente de 68 em Paris torna-se o símbolo duma autêntica revolução cultural em marcha (apesar disso, nesse ano foi assassinado Martim Luther King e falhou também a revolução checa a favor dum socialismo humano).
Movimentos jovens de contestação política vão surgindo por todo o lado, enquanto, paralelamente, os activistas iniciavam uma corrida às instituições instalando-se nelas. A ideologização do movimento levou também à criação
de movimentos subversivos que viam em Guevara (assassinado em 1967) o símbolo da resistência.
O movimento dos Capitães de Abril catalisa nele as forças revolucionárias de esquerda, então bem organizadas por todo o mundo, e também o desejo emancipatório febril da juventude num tempo de mudança. A nível político, os espertos da ocasião viam no movimento das forças armadas portuguesas o melhor instrumento para transpor para a Europa (Portugal) a realidade cubana.
Na altura, a nossa geração queria mudar o mundo, seguindo ingenuamente os “sinais dos tempos „ propagados e apostando no “efeito borboleta” das pequenas iniciativas.
Nesta atmosfera é de compreender os erros cometidos pelos homens de Abril na esperança dum lugar ao sol e o envolvimento do povo desejoso duma sociedade mais livre e justa.
Ventos frescos nos Corações e nas Instituições (Um testemunho pessoal)
Na altura (66-71) encontrava-me no seminário de Manique do Estoril onde, Hippies, Beatles, Concílio Vaticano II (1) e personalidades pacíficas faziam florir, também nos seus pátios, as melhores rosas e os melhores cravos de esperanças virgens de liberdade e irmandade com todo o mundo. Era o tempo da teologia da libertação, das comunidades de vida, de novas ideias e iniciativas, a era duma nova educação, a germinar por todo o lado. Era um tempo jovem!
Lembro-me de, então, organizar no seminário de Manique do Estoril cursos de alfabetização para pessoas adultas da região e, nesses cursos, seguir devotamente o método de Paulo Freire. No ar havia uma simpatia pela revolução cultural de Mao Tsé-Tung e por tudo que cheirasse a inovação (Não se imaginava que ele seria um dos maiores ditadores e aniquiladores de povo). Fiquei com a ideia de que Portugal não era tão hermético como se cria, quando em 1969 mandei vir da China “O Livro Vermelho” de Mao, tendo tido a precaução de, ao encomendá-lo, escrever apenas como remetente: Justo, Instituto, Manique do Estoril.
Cerca de um ano depois recebi da China vários exemplares com o meu nome e o endereço completos. Então, fiquei estupefacto com o caso.
O processo revolucionário da geração 68 pensava-o então, numa perspectiva conciliar de religioso, como a continuação genuína da grande revolução iniciada por Cristo (JC) com a diferença que o JC não pretendia como o nazismo, o socialismo, o turbo-capitalismo e o maometanismo impor uma forma de vida à humanidade. O que observava lá fora via-o como consequência do espírito revolucionário pelo bem e pelo bem-comum que se encontrava dentro dos muros do seminário. Este espírito, aliado a um espírito de amor e justiça, impregnava a nossa contestação interna que se expressava em iniciativas teatrais como o “Bom Humor”, o “Festival da Canção” e os “Telejornais”. Na altura rebelavamo-nos contra hábitos e autoridades eclesiásticas legalistas e contra hábitos como a vestidura da batina em iniciativas e teatros engendrados pelo nosso “Grupo do Bom Humor”. O grupo actuava em festas da comunidade e noutras ocasiões com teatros, festivais da cancão, telejornais em que a vida do seminário, acontecimentos, atitudes, superiores e personalidades eram passados a pente fino pela crítica humoral.
A título de exemplo: Numa festa pública de vestidura da batina, em Manique do Estoril, onde estavam presentes, também, os familiares dos seminaristas que iam receber a batina, o “Grupo do Bom Humor” actuou e na peça teatral ridicularizou tal acto, o que provocou o desconsolo e a reacção da ordem estabelecida. Esta tinha confiado no “bom senso” do “Bom Humor” para abrilhantar a festa. Depois do espectáculo, o director do Instituto chamou a contas o Padre Conselheiro, que era o ponto de ligação institucional com o “Grupo do Bom Humor”. O sacerdote lá se desenfiou como pôde perante o Reitor e tomou a iniciativa de chamar o grupo a contas. Interessado em descobrir quem era o responsável do grupo e para poder estatuir um castigo exemplar, chamou a si, um a um, cada membro do grupo.
Mas, como no grupo eram todos por um e um por todos, cada qual declarou ser o responsável do grupo. Deste modo foi conseguido, com humor e responsabilidade, estoirar com um princípio de toda a autoridade institucional que é: castigar um por todo o rebanho, para que o medo açaime a manada. Assim o superior não pôde castigar nem o grupo nem ninguém. A solidariedade dum grupo arrasa montanhas. Uma instituição que conseguira acordar o sentido da rebeldia bem canalizada e mantida dentro duma ordem conformista, sente-se agora impotente perante o espírito da responsabilidade que ela mesma propagava. O espírito de liberdade e de respeito pela pessoa, transmitido à imagem da pessoa do protótipo JC era o mesmo que questionava as incrustações de regras, autoridades e instituições.
A liberdade da experiência do JC dava-nos força e legitimidade para toda a contestação. Era uma contestação vinda de dentro, não de fora. Perante o JC encontrávamo-nos, superiores e subordinados na mesma plataforma do Seu seguimento.
Este espírito, ajudado pelos novos ares davam-nos força para quebrar com as correntes do hábito e de obediências cegas a que grande parte dos superiores se encostava regaladamente.
Os mesmos ventos da mudança eram comuns dentro e fora dos muros, embora com diferentes motivos e objectivos.
Pessoalmente, mais tarde saltei o muro e na procura de mais liberdade e menos teias de aranha ingressei em partidos diferentes de Portugal e da Alemanha. Uma coisa constatei, o espírito de rebanho e de manada é muitíssimo maior nas instituições seculares do que nas religiosas. Dentro dos muros dos conventos há mais liberdade que fora deles, porque nos conventos, apesar de tudo a pessoa é rei.
Quem liberta o espírito e vive dele não conhece o medo da autoridade nem o cálculo da oportunidade!
Os oportunistas da Revolução
Veio depois a enxurrada da “revolução” do 25 de Abril e nela entra a arraia-miúda e a arraia graúda, numa viagem paradisíaca, não atenta ao destino nem aos motivos da viagem. Era querida uma orientação monocolor e pretendia-se meter a liberdade em uniformes ideológicos.
O autocarro de Abril partiu e o povo continuou na esperança de chegar a melhor. Sentíamo-nos todos passageiros da liberdade, provindos dos mais diferentes meios, mas querendo construir uma sociedade com lugar ao sol para todos. Portugal estava todo inteiro, a caminho da liberdade, a caminho dum viver por viver. Então, na rua, nas estações olhos confidentes se trocavam numa atmosfera que se abria para um futuro risonho de espaços abertos e na sequela dum chamamento de libertação.
Por alguns momentos fomos um povo unido e especial que atraía grupos das esquerdas dos mais diversos países; Portugal era a Roma do turismo político de esquerda tal como era e continuou Cuba depois.
No horizonte, aqui e acolá, nuvens de estragos se vão acumulando. O espírito que motivava os actores da revolução era apenas político sem contemplar o Homem todo nem Portugal no seu todo. Por isso o que a princípio parecia uma revolução revelou-se, com o tempo, ter sido apenas um golpe de Estado com os benefícios das mudanças que na altura, noutros Estados europeus acontecia na normalidade. O egoísmo de grupos e “personalidades” da nossa praça, sem escrúpulos, vai-se servindo da nação, deixando para o povo o sacrifício da abnegação; mandam os santos para o deserto para se porem a si no nicho da reputação. Os abrilistas ocuparam o céu português e hoje ainda têm o descaramento de desculparem a crise da nação na culpa dos outros. E o mesmo povo continua a ir na fita pensando que a culpa está neste ou naquele quando ela é bem nossa que continuamos a dar paleio aos que encurralaram a esperanças para si. Aquela alegria, aquela esperança e liberdade da rua que se julgava pública, passaram a ser reservadas para os cínicos do poder que ocuparam o lugar que pertencia ao povo no dia-a-dia, na TV e noutros Meios de Comunicação social. Foi um sonho de pouca dura mas que levou o povo inocente e bom a interiorizar uma superficialidade libertina e a abdicar da dignidade, da honra e do respeito que provinham duma ética de cunho responsável.
O povo confiante acorda agora molhado. Também deixou de ser família universal com o coração no mundo e nos povos ultramarinos para se tornar num canto europeu, num povo de dançarinos de alma na rua saltando ao som de interesses anónimos e ao ritmo da mesma cor. Construiu-se uma liberdade que guarda a oportunidade para o mais forte, uma liberdade amarrada a ideologias e a interesses alheios e não uma liberdade de visão integral e responsável do não só mas também!
Organizaram-se então campanhas revolucionárias de libertação e de reeducação do povo. Tudo bem-intencionado e preparado para atrair a inocência de crenças nobres.
Para se responder ao desejo de inocência procura destruir-se a vergonha. Organizam-se, até em recônditas aldeias, sessões de desflorações virginais em grupo; quer-se o comunismo, tudo maninho, querem-se as meninas, menos as que têm o dono presente; procede-se à queimada de livros de “fachos”, etc. O que não serve a ideologia de alguns deve queimar-se ou arrumar-se. À hora da direita segue-se a da esquerda e vice-versa. Esta é a liberdade confinada aos que agora querem ter razão, como se também esta não fosse processo e só pertencesse a alguns. Agora assistimos ao instinto da inocência a vingar-se na resignação. (A geração de agora tem de reparar os estragos, tem de granjear-se a honra e o respeito que lhe foi roubado).
A liberdade desencadeada deixa no ar o som de cadeados caídos numa revolução descontrolada de libertinagem bárbara que se satisfaz no andar na vida por ver andar os outros. Não há respeito por si mesmo nem pelos outros.
Tudo à própria disposição. Uma liberdade adolescente, irresponsável, que não conhece nada nem ninguém; toda ela em nome duma culpa passada. Egoísmo puro que faz do outro cliente do próprio sentimento. A droga é propagada, desinibe e o sexo ajuda a ideologia. Quem trabalhava e fazia pela vida era designado de “facho”.
Professores exigentes eram saneados e organizam-se os exames colectivos.
Uma das causas da crise portuguesa de hoje está nesse espírito leviano de então que levou os estudantes formados, com as notas do grupo, a ocupar os lugares de responsabilidade das nossas administrações.
Uma revolução que prometia tanto, com tão boa música e fanfarra que abria as portas ao progresso desembocou no beco sem saída duma gula de marcha limitada a ritmos de esquerda direita; meteu assim a terceira república nos caminhos da bancarrota, tal como aconteceu na primeira. Heróis da revolução, que o povo ainda canta, vivem com ordenados mastodônticos e injuriosos, como nunca na História houve, enquanto muito do povo vegeta com ordenados de miséria que não dão para viver nem para morrer. Tudo acontece e se legitima à sombra duma democracia que querem prostituta.
Partidos, sindicatos, grupos organizados, etc.
Instalam-se no aparelho do Estado. Numa guerrilha ímpar de aumentar o próprio lucro e “honra” agregam-se à volta do estado como chulos à volta do bordel. Por todo o lado se encontram guardiões da revolução, cães de guarda duma liberdade oferecida não conquistada mas em benefício de adeptos e adversários. Privilegiados da revolução agarram-se todos ao vermelho da ideologia ou da parceria perdendo o sentido pela riqueza das cores.
A consciência da liberdade partidária negligencia a liberdade pessoal e a descoberta da força das próprias possibilidades.
Um na ilusão á espera de Gudot, outros na letargia virados para D. Sebastião; tudo se alinha nas ordens de marcha de grupos e de organizações secretas enlaçadas em coutadas de compadrio e na burocracia. Compra-se o indivíduo para se afirmar a jerarquia. A caminhada para o futuro viu reduzido o seu horizonte ao 10 de Dezembro de 1910 e aos resquícios liberais napoleónicos. Um tradicionalismo obediente e a fé nas razões do poder não conseguiram quebrar o bolor dum liberalismo mafioso e dum republicanismo ultrapassado, guardados na nação a sete chaves em gavetas intelectuais seguidoras dos excessos do Marquês de Pombal. A visão ideológica impede o olhar pessoal e regional. Nas pistas dum futuro em liberdade esbarramos connosco, repetindo os erros da 1ª República.
No comboio da história, numa alternância de cor, continuam os mesmos lugares reservados para os da nova oportunidade; o povo continua em bicha e sempre à chuva, sempre à espera nas estações, sempre na ânsia dum comboio com carruagens para ele. Esperar na desesperança é a sua condição independentemente da cor da governação.
Para se entrar no comboio dos donos da razão e do arrazoar, é preciso um compartimento, um vagão do partido, do sindicato, do compadre, do mação. A História, sem heróis, deixa-se conduzir pela banalidade do quotidiano e afasta-se cada vez mais da arraia-miúda.
Esta, por sua vez, revela-se massa, sem consciência, sempre à espera dum revisor que lhe cobre o bilhete.
Uma elite à trela dum Estado dominado pela insuficiência partidária e grupal não gera civis livres nem sequer heróis. Produz acomodados e mercenários, gera políticos da capitulação a ideologias e à subserviência boçal, não tolera heróis nem homens bons. Um povo unido tornou-se num povo humilde sempre vencido. Povo, sempre ao toque de caixa dos oportunos e que então aplaudia e agora lamenta.
(1) O Concílio Vaticano II foi anunciado pelo Papa João XXIII a 25.01.1959, iniciado em 1962 e concluído em 1965.
Com este encontro global queria-se renovar as estruturas encrustadas e fazer-se um agiornamento de ideias e práticas em todo o mundo. Por todo o mundo se organizaram iniciativas de mudança que as igrejas nacionais através dos padres conciliares levariam a Roma.
O movimento de 68 foi uma versão de estilo secular a uma revolução que o Concílio iniciara antes no sentido espiritual da renovação do Homem todo, no sentido de metanoia de corações e instituições, no sentido de o “Homem” se tornar Homem.
O AUTARCA – 25.04.2012