A ABERTURA de espaços públicos para a discussão de vários assuntos da vida do país, principalmente nos primeiros anos da independência nacional, foi um elemento central que marcou a Frelimo no quadro do exercício da democracia, segundo destacou o sociólogo Gulamo Taju, em entrevista ao “Notícias” a propósito dos 50 anos da fundação da Frente de Libertação de Moçambique, que este ano se assinalam.
Aquele académico realçou que, nos primeiros anos da independência nacional, a democracia no país realizou-se nos espaços públicos criados pela Frelimo para o debate das questões nacionais, particularmente os congressos. Gulamo Taju assinalou, por exemplo, o estudo das teses ao IV Congresso, afirmando que se tratou duma discussão calorosa.
Para o sociólogo, o estudo das teses movimentava todos os moçambicanos e não só os membros do partido, pois era nos congressos onde se perspectiva o futuro do país num horizonte temporal de cinco anos. Com o recrudescimento da guerra, nalgum momento esse entusiasmo e abertura terão reduzido, estando a ser retomados agora em condições de paz.
Disse que um dos méritos fundamentais da Frelimo é a sua capacidade de auscultação e consulta pública, o que a distingue de todas as outras forças políticas do país. Para Gulamo Taju, um partido político não existe somente para os seus membros mas sim para servir o povo.
“Penso que todos os partidos deviam apreender da Frelimo”, disse.
Sobre as expectativas em relação ao Décimo Congresso, afirmou que elas se situam sobretudo em relação à visão programática, às questões sobre o modelo económico do país. Sublinhou que hoje, a discussão dos cidadãos centra-se no modelo económico do país, à par de assuntos políticos.
Gulamo Taju concorda, em parte, com a opinião de alguns sectores segundo a qual a grande expectativa do Décimo Congresso ( de todos os congressos) é a eleição da nova liderança política da Frelimo, mas considera que apesar de ela ser decisiva para a condução dos destinos do país, não é a questão central. Admitiu que, naturalmente, os cidadãos estão expectantes quanto à eleição do novo presidente do partido no poder e dos diferentes órgãos da sua estrutura orgânica, como são os casos da comissão política e o secretariado-geral, mas isso não deve ser encarado como o objectivo fundamental.
Na entrevista que concedeu ao nosso jornal, Gulamo Taju centrou a sua análise na Frelimo do pós-independencia, afirmando-se como testemunha presencial de alguns factos que ocorreram nessa altura. Assim, o sociólogo destacou importantes ganhos alcançados nos sectores como a educação, saúde e no domínio da unidade nacional, para além da primazia dada à consulta pública para a construção da agenda nacional através do estudo das teses.
Indicou como constrangimentos a guerra, bem como a necessidade de uma abordagem mais adequada para a integração social, política e económica de todos os segmentos. Para que o país seja estável, segundo a fonte, é preciso criar oportunidades para que os cidadãos tenham acesso aos recursos disponíveis.
Experiência vivencial
A experiência vivencial de Gulamo Taju está ligada à educação. Possui 35 anos de carreira. Aos 18 anos, em 1977, foi viver para a cidade de Chimoio, província de Manica, ido de Maputo. Sem família, sem nada. Viveu lá dois anos, como professor.
“Naquela época, tínhamos muito entusiasmo. Cheguei a Chimoio numa altura em que a guerra do Zimbábwè esta forte. Houve o massacre de Inhazónia. A província de Manica era extremamente afectada pela guerra. Mas a cidade de Chimoio não tinha grandes problemas em termos de comida. Guardo muito boas recordações daquele tempo. O problema era a guerra e os refugiados zimbabweanos. Lembro-me, por exemplo, que comprávamos calças jeans com os refugiados”, disse Gulamo Taju no meio de risos.
Contou que uma vez, ele e o director provincial de educação, na altura Gabriel Zucule, a caminho de Jécua (escola secundária situada no Distrito de Manica), cruzaram com um tractor de que mais tarde souberam que André Matsangaissa fazia-se transportar nele.
Disse que mesmo com a guerra de Ian Smith, nenhuma escola chegou a encerrar na província de Manica.
“Isso é um dos grandes ganhos da Frelimo. Fazer com que a educação não parasse”, afirmou.
Gulamo Taju afirmou que em 1983, o país tinha apenas dois estabelecimentos de ensino pré-universitário, nomeadamente Francisco Manyanga, em Maputo, e Samora Machel, na cidade da Beira. Os estudantes que concluíssem a nona classe em muitas escolas nessa altura tinham que se deslocar à cidade da Beira para frequentar o ensino pré-universitário. Gulamo Taju, com 24 anos, já era professor na Escola Secundária Samora Machel, na cidade da Beira, ocupando cargo de direcção.
“Hoje a situação mudou completamente. Em todos os cantos temos escolas secundárias e o ensino superior”, sublinhou.
Na saúde, o interlocutor destacou a expansão da rede primária, formação de enfermeiros, parteiras, agentes de saúde e medicina preventiva (realização de campanhas para a construção de latrinas, por exemplo). Hoje, a saúde em Moçambique é uma área onde praticamente não se paga nada, contrariamente a muitos países.
Sobre a unidade nacional, Gulamo Taju disse ter sido outro dos grandes ganhos da Frelimo, exemplificando que quando chegou a Chimoio em 1977, não se sentiu deslocado do sítio onde havia nascido (Inhambane). E mesmo na Beira.
“Acho que o processo do 8 de Março ajudou a nos juntarmos no mesmo espaço e lançarmo-nos para diferentes zonas onde as pessoas não haviam nascido”, disse, acrescentando que o exército é também uma verdadeira escola de forja da unidade nacional.
Observou, contudo, que houve alguns elementos que não foram bem cuidados no início, como o uso exclusivo da língua portuguesa. “A língua é um património fundamental. As emoções das pessoas se expressam melhor, por exemplo, em sena ou ndau. O uso das línguas nacionais nos diversos espaços é um dos aspectos que não foram bem cuidados”, disse Gulamo Taju, acrescentando, porém, que naquela altura o conceito de unidade nacional talvez fosse outro, consubstanciado na necessidade de “matar a tribo para construir a nação”.
Guerra deitou abaixo muito esforço
A guerra dos 16 anos destruiu muita coisa, deitando abaixo todo o esforço que vinha sendo feito no sentido de construir um país de progresso. Gulamo Taju recorda-se de que quando começaram ataques no Vale do Zambeze, por exemplo, muita gente teve que se refugiar na cidade da Beira, abandonando os seus locais de residência, incluindo administradores distritais.
Considera que para a conquista da paz deve ter havido um enorme esforço de negociação tanto a nível interno da própria Frelimo como da parte da Renamo, pois numa situação de guerra, os militares normalmente têm muita autoridade.
“O esforço para a conquista da paz foi muito duro”, disse.
Num olhar suave à desmobilização, Gulamo Taju defendeu a necessidade de se debater sem amarras a integração económica no pós-guerra, uma vez alcançada a paz. É que para o académico, os moçambicanos precisam sentir que o pouco que o país possui é para todos.
Analisando criticamente alguns fenómenos que ocorrem na sociedade moçambicana, disse que não haveria muitas desconfianças no país, se determinadas práticas fossem públicas, tal como se faz noutros quadrantes do mundo.