NO dia 3 de Abril, o da recepção do primeiro equipamento constituído por maquinaria pesada para a exploração da mina de Namanhumbir, naquele posto administrativo, a 30 quilómetros de Montepuez, fora o momento espectacular que se vivia, o nosso Jornal deteve-se, igualmente, a medir o pulsar dos corações daqueles que viviam da indefinição, ilegalidade e desordem na extracção do rubi.
Rubi é uma pedra preciosa vermelha, uma variedade do mineral corindon (óxido de alumínio), cuja cor é causada principalmente pela presença de crómio.
Tudo o que se dizia à volta da passagem da mina de Namanhumbir a uma exploração legal parecia utópico, tal estava organizada a ilegalidade da sua extracção, um esquema que já tinha barbas, com tentáculos no seio de responsáveis que deveriam punir aos fora-da-lei, envolvendo “pesos pesados” do interior e fora do nosso país.
E a concretização dos primeiros passos que visam ao início da exploração do rubi e outros minérios, através do “joint venture” recentemente constituído, com o nome de Montepuez Rubi Mining, Lda, em que a moçambicana Mwiriti, Lda se une ao grupo britânico da área de mineração, a Gemfields, não deixou sossegados os ilegais.
Até 20 minutos antes da chegada do comboio de camiões-cavalo, transportando as máquinas, em Namanhumbir, os ilegais não acreditavam no início do tão propalado investimento que só em 2011 rondou os 20 milhões de dólares americanos, com o qual se espera construir escritórios na cidade de Montepuez, abertura de picadas no interior da mina, casas para o corpo directivo e visitantes, para além de outras infra-estruturas necessárias para o início do projecto.
Mas o nosso Jornal que já esteve muitas vezes em Namanhumbir e sabia das condições precárias em que a sede do posto vivia, ia conseguindo notar o novo visual, pelo menos da escola primária local, acabada de ser reabilitada, no quadro da responsabilidade social da Mwiriti, Lda, quando ainda não se falava no seu “casamento” com a Gemfields.
Agora, sim, os fora-da-lei já acreditam no que vinha sendo dito e começam a levar a sério os passos subsequentes que incluem, ainda neste lote, a construção do acampamento de 38 casas, constituído de três blocos, designadamente administrativo, residencial e técnico, sendo que ainda se prevê a montagem de uma bomba de combustível com capacidade de reserva de 150.000 litros.
Por um lado, estava-se perante a concretização das promessas feitas pela Mwiriti, Lda, mesmo antes de se constituir em “joint venture”, segundo as quais a mina de Namanhumbir só poderia servir aos interesses do Estado moçambicano se a sua exploração fosse por uma empresa competente.
A população, com os seus próprios olhos, assistiu à chegada de tão pesado equipamento e ainda acredita nessa possibilidade, por meio de emprego dos seus filhos e não só.
“Durante este período, de facto, a empresa estava à procura de um parceiro profissional de uma experiência indubitável e uma transparência reconhecida, para que nos apoiasse no desenvolvimento deste projecto, reconhecendo que sozinhos não seríamos capazes de ir além, sabendo, embora, que estávamos por cima de muita riqueza”, dizia, então, Asghar Fakhr, sócio-gerente da Mwiriti, Lda, hoje um dos administradores da Montepuez Rubi Mining, Lda, como que a justificar o longo período de suspense.
Os estrangeiros que usam os moçambicanos para a extracção ilegal do rubi, e assim aparentemente não se metem na ilegalidade, apesar de serem os mandões, que inundam a sede do posto e, sobretudo, as aldeias consideradas tampões de Nanhupo e Nsewe, não estão conformados porque com isso se vem fechar a sua fonte de riqueza.
Chegada da maquinaria para a exploração de minérios
População atenta às promessas
NA data em que a nossa Reportagem estava em Namanhumbir, um grupo de antigos trabalhadores da Mwiriti, Lda, que entretanto não transitou para a nova empresa, estava à espera de transporte para a capital provincial, onde iria prosseguir com a tramitação de documentos visando pôr em marcha projectos sonhados pelo empreendimento, visando trazer uma mais-valia às comunidades locais.
Para já, segundo dados em nosso poder, espera-se a contratação imediata, nesta fase, de mão-de-obra qualificada, que entretanto precisa de treino, sendo que só a construção do acampamento vai ter de empregar 100 pessoas, e no processo de produção a empresa espera ter 300 trabalhadores.
Mas os olhos estão postos nos projectos desenhados pela própria empresa para a população, conforme a promessa dada a 13 de Junho do ano passado, na reunião que serviu para a aproximação entre a população de Namanhumbir e a Mwiriti, Lda, cujas relações vinham azedando desde que se descobriu a ocorrência do minério.
Trata-se do prosseguimento de acções que envolvem 72 famílias seleccionadas nas aldeias circunvizinhas, para além da sede do posto, de Nsewe, Nanune, Nanhupo (A e B), Mpene e o aglomerado populacional de Ntoro.
O grupo de antigos trabalhadores a que acima nos referimos ia tratar desses projectos, o mais apetecido dos quais é o da criação de aves, em que a empresa atribui a cada família escolhida 25 pintos, comedouros e bebedouros, ração e vacinas para o primeiro mês. Por outro lado, ela mesma comprará os primeiros 12 frangos daí resultantes, ficando para cada beneficiário os restantes, que poderão ser vendidos no mercado.
Um outro grupo de beneficiários é de carpintaria, constituído por 20 pessoas, para o qual a Mwiriti, Lda prometera comprar todo o material de trabalho e que vai extrair a madeira no interior da sua área e o produto seria absorvido pela empresa, nesta fase inicial em que precisa de se equipar e mais tarde poder estar disponível para outros clientes.
Seria com base na madeira extraída na área da Mwiriti que seriam produzidas carteiras escolares, para, numa primeira fase, a escola primária local, cuja reabilitação foi concluída, segundo testemunhámos.
Há, entretanto, mais um grupo de beneficiários, desta feita, de produção de hortícolas. São 25 elementos da população a quem a empresa se compromete a apoiar, fornecendo semente melhorada e pesticidas, instrumentos de trabalho, para no fim o produto ser comprado pela mesma, se bem que mais tarde tenha de ser posto no mercado.
Nelito Nikala
Se não nos empregam, vamos roubar!
NUMA das mais frequentadas barracas da sede de Namanhumbir, junto à estrada nacional, estão sentados jovens que pela pronúncia e sotaque que emprestavam à língua emakwua nos fizeram entender tratar-se de naturais da província do Niassa. São sete, cuja ida a Cabo Delgado teve um único móbil, a mina de Namanhumbir, em Montepuez.
Entregues a bebidas espirituosas, de marca RHINO e outras variantes, como Royal e Zêde, os jovens estavam a relaxar, pois costumam ir à mina à calada da noite. Trabalham para moçambicanos e estrangeiros que não dão cara e disso vivem, ganhando o suficiente para se manter em Namanhumbir.
Horácio Fabião tem 32 anos de idade, natural da cidade de Cuamba, sul da província do Niassa. Traz a experiência de extracção de minérios desde M’swaíze, onde se encontrava antes, mas não logrou sucesso. Tendo ouvido falar-se da mina de Montepuez, pôs-se a caminho e alcançou Namanhumbir em 2009.
“Vivemos do que nos oferecem aqueles que nos recrutam. Pouco dinheiro, mas que dá para viver. Às vezes, as “pedras” de qualidade baixa ficam connosco e com elas fazemos negócio”, disse Horácio Fabião, que deixou três filhos com a esposa, no bairro de Mendonça, em Cuamba, depois de ter concluído a sexta classe na Escola Primária Completa de Rimbane.
Ao seu lado está Nelito Augusto Nikala, com a 12.ª classe concluída em 2011, em Marrupa, onde vivia com o seu pai, na altura contabilista da administração distrital. Concorreu, sem sucesso, para um curso da saúde e a seguir fez o mesmo para ingressar nos quadros da educação, também sem sucesso.
Em resposta a uma pergunta do “Notícias”, Nelito Nikala disse que o problema de não ter conseguido ficar aprovado, para abraçar uma das duas profissões, deveu-se ao facto de o pai não o ter ajudado no suborno aos examinadores ou responsáveis pela selecção dos candidatos. Ele explica-se melhor: “Eu fiz a 12.ª classe com 12 valores, não há nada que explica que eu não fosse seleccionável, senão o facto de não ter conseguido corromper os decisores, porque alguns dos meus colegas já estão nos cursos de enfermagem ou professorado, os quais tinham o aproveitamento abaixo do meu”, lamenta Nikala.
Entretanto, mesmo antes de concluir a 12.ª classe, Nelito Nikala já esteve em Namanhumbir, em 2008, na sequência da transferência do seu pai, em 20 de Outubro daquele ano, de Cuamba para Marrupa.
“Nesse período, ele deixou momentaneamente de me ajudar, por isso decidi tentar a vida doutra maneira”, disse Nelito Nikala, igualmente do bairro Mendonça, em Cuamba, zona residencial que, por sinal, tem em Namanhumbir três jovens.
Do outro lado, encontrámos Fizalgo Américo, 24 anos, Otílio Mirione Selemane e Alfredo Mucatiwa, ambos do distrito de Nipepe, que estão em Namanhumbir “à procura da vida”.
“Conhecemo-nos aqui em Namanhumbir, apesar de termos vindo do mesmo distrito. O denominador comum é a vida que está em jogo. Alguns de nós, vindos do Niassa, deixaram filhos e esposas.”, explicou Fizalgo Américo.
Os sete “niassenses” (incluindo os que não falaram ao nosso Jornal), em Namanhumbir, vivem em cinco casas alugadas e referem-se a uma atitude colaboracionista dos senhorios, que em tempos de aparente crise dão ajuda incondicional aos seus inquilinos.
“Quando passamos por maus momentos, quando não conseguimos nada lá na mina ou quando a perseguição por parte das autoridades é cerrada, os donos das casas que alugamos nos dão uma mão. Por acaso, não nos podemos queixar do tratamento que estamos a ter aqui” disseram os jovens do Niassa, na mina de Namanhumbir.
Não estão preocupados com as doenças de transmissão sexual, entre as quais HIV/SIDA, alegadamente porque o negócio de pedras semipreciosas ou preciosas não se compadece com comportamentos sexuais activos e extraconjugais, pois, segundo eles, interferem negativamente no trabalho.
“Entre nós não pode haver brincadeiras com mulheres. Que as nossas fiquem à vontade lá na terra. Este negócio não tem de ser misturado com mulheres dos donos, ou simplesmente que não são nossas. Sabemos o que viemos cá fazer e nada de misturar com outras coisas que trazem azar”, esclarecem os jovens.
Ainda na conversa que tiveram com o nosso Jornal, o grupo de jovens do Niassa, que se encontra na mina de Namanhumbir, fazendo exploração ilegal do minério, fez ver que aceitaria uma proposta de emprego na nova empresa, contando com a sua experiência de há anos, tanto em Cuamba, M’swaíze como ali.
“Precisaríamos, se calhar, dum pequeno treino para sabermos como se extrai o rubi com estas máquinas cuja chegada estamos a ver. Aliás, já cá estamos, não precisam de mais pessoas de longe”, prontificaram-se os jovens.
Colocados perante a possibilidade de não serem directamente elegíveis para o emprego, por haver prioritariamente jovens locais e por as exigências virem a ser maiores em relação à qualificação, os jovens remataram: “Os jovens daqui são preguiçosos e não têm experiência na matéria. Mas, atenção, o emprego poderia vir a ser a única maneira de a nova empresa viver em tranquilidade, porque se não emprega, nós vamos roubar, isso que fique claro! Somos capazes de continuar a extrair o rubi, por mais medidas de segurança que possam haver”, sentenciaram.
Esta foi a reacção que encontrámos no dia em que chegou a Namanhumbir o primeiro lote de equipamento para a abertura de trincheiras, de extracção e camiões de apoio, entre outros artefactos para a mineração.
O posto administrativo de Namanhumbir, a cerca de 170 quilómetros a sul da capital provincial de Cabo Delgado, Pemba, tem 22.140 habitantes, tendo fé nos dados estatísticos do recenseamento populacional e de habitação que teve lugar 2007.
Há perto de dois anos que a mina de Namanhumbir ficou conhecida como fonte de rixas e tensões, de que hoje todos não se querem recordar, pois parte da população, então organizada numa associação de 53 membros, sentia-se enganada pelo Governo, porque a sua formação visava a exploração da mina de Muapia, onde hoje se encontra estabelecida a concessionária.
Na altura, segundo informações a que o “Notícias” teve acesso do respectivo presidente, Arnaldo Santos, terá sido uma ordem superior que ditou que a área fosse licenciada àquela empresa, quando se esperava que nela fossem os associados a trabalhar ou que fosse delimitada.
Na verdade, os associados não sabiam da existência da empresa concessionária, o que foi visto pelas comunidades como “uma autêntica batota”, percepção que levou muito tempo e tensões de parte a parte, incluindo o Governo, para que o diferendo fosse ultrapassado.
Tal como acima foi dito, estes problemas hoje não se colocam, sendo que as comunidades locais estão vigilantes e à espera do cumprimento das promessas feitas, tanto pela Mwiriti, Lda, mesmo antes de se constituir em sociedade, quanto pela nova empresa.
O que sai da boca dos dirigentes da concessionária é, com efeito, o recorrente comprometimento de não decepcionar nem o Governo nem as populações locais, através de um programa responsável de criação de melhores condições, no âmbito da sua obrigação social, enquanto empresa que explora os recursos naturais ali localizados.
Para sossegar os seus detractores e vincar a posição responsável da Montepuez Rubi Mining, Lda, Asgar Fakhr, a face mais visível da Mwiriti, Lda e da nova empresa, recorre nos últimos tempos a uma frase segundo a qual “o movimento só se faz andando e não falando apenas”, a sugerir que ainda vamos assistir a um grande desenvolvimento em Namanhumbir, como resultado directo do facto de acolher no seu território a mina de rubi e outros minérios, que constam da licença de concessão da empresa.
- Pedro Nacuo