Por Francisco Muianga
(...) “E, hoje, a discussão pode ser ‘nativos versus oriundos’ de outras províncias, mas, amanhã, poderá ser ‘nativos’, isto é, jovens nascidos nas áreas onde se desenvolve a mineração ‘vis-à-vis’ candidatos a emprego naturais de fora de Moatize, só para exemplificar”. Mau! (Fonte, Diário de Moçambique, 21 de Abril, página 5). Profecia? Nenhuma. Qualquer pessoa atenta compreende que, de propósito ou não, se calhar, até, para obtenção de ganhos políticos do tipo eleitoralista ou por ignorância, estimula-se jovens e outras faixas em idade activa a pensarem que estão no desemprego porque indivíduos da região X ocupam as vagas que seriam deles em razão de determinado projecto desenvolver-se na sua província de nascimento.
“Chefe do Estado confrontado com queixas sobre tribalismo” – titula o “DM” na sua edição de segunda-feira, na primeira página, remetendo o leitor para a última página, mas antes, em subtítulo, publica: “Em resposta às preocupações em Namarrói, Guebuza reafirma que todos os moçambicanos gozam dos mesmos direitos, independentemente do lugar onde tenham nascido”.
O texto sobre o tribalismo refere que residentes da localidade de Mueme, no distrito de Namarrói, na Zambézia, entendem que o Governo privilegia pessoas de Quelimane no acesso às oportunidades de emprego. E quem deu corpo a esse sentimento, presumivelmente generalizado em Mueme, disse ser electricista, formado em Matundo, na província de Tete.
Outro aspecto que não explicou, o electricista, são os porquês de a escolha no emprego em Namarrói recair sobre “pessoas de Quelimane”, permitindo que se especule do ponto de vista linguístico, sendo uns falantes provavelmente, salvo erro, da língua lomuè e, outros, de chuabo (elomwe e echwabo). Mas a referida conjectura não parece consistente, porque o emprego não dependeria da língua do candidato, tanto mais que em Quelimane e outros cantos do país haverá muita gente que se expressa tanto numa como noutra.
Mas, voltando à vaca fria, se tivesse sido discriminado em Matundo, ele não teria feito o curso de electricidade. Como é que se justifica que desse convívio não tenha aprendido nada? Se os de Matundo apresentassem uma queixa mais ou menos como a sua no preenchimento das vagas do curso de electricidade, como haveria de reagir?
Ou pensa que estudou porque havia escolas, carteiras, professores e recursos de ensino de sobra? A realidade moçambicana não é essa: em qualquer ramo de ensino formal e público, a procura de vagas até estimula a corrupção e não creio que Matundo no seu tempo tenha sido uma excepção.
Dou-me por feliz porque no futebol, nenhum jogador moçambicano justifica a dificuldade de alinhar no onze de um clube ou de ser convocado como suplente, socorrendo-se da presença de estrangeiros nas equipas do campeonato nacional, nem os atletas do norte, sul e centro, entre si, e vice-versa, se colocam uns contra os outros na disputa de lugares convocando a naturalidade de cada um. Bom exemplo de convivência e da vontade de triunfar por mérito!
Parece ter chegado o momento de alertar a alguns políticos com discurso que exacerba o “ismo” – tribalismo, regionalismo, divisionismo, separatismo e por aí fora. E também de apelar a que, mesmo querendo chegar ao poder, não se esqueçam da ética política – assente na ideia de que o político não deve mentir nem prometer o que sabe estar fora do seu alcance, quando governar.
Abro aspas: Durante a campanha recente para a eleição intercalar de Inhambane, um dos candidatos prometeu emprego. Disse (palavras minhas, por não ter o registo do seu discurso de campanha) que estava preocupado com o facto de jovens, seus antigos alunos, estarem desempregados.
Com a sua eleição, declarou, haveria emprego para esses jovens antigos seus alunos! Como? Não explicou. Estaria a falar verdade? Não, penso. Porquê? Tenho escrito ser difícil aos edis assegurar emprego porque não são os donos das empresas nem os conselhos municipais teriam capacidade para dar ocupação remunerada a todos os cidadãos das respectivas autarquias.
Promessa do género, nunca será séria. Visa a conquista de votos da juventude, tirando proveito das suas dificuldades e da falta, ainda, de uma ampla visão a respeito dos problemas do país e das soluções possíveis. E lembro-me que, no limiar dos anos 90, um grupo de jovens acabou por parar nas matas, quando esperava embarcar para o ocidente como moçambicanos bolseiros.
Para mim, fica mais complicado quando mesmo na Assembleia da República, tal como aconteceu em relação à abordagem das oportunidades de emprego nas minas de Moatize, cidadãos (deputados) que era de esperar serem dos mais esclarecidos, passaram o discurso que coincide com o do electricista da localidade de Mueme, Namarrói, em relação aos da cidade de Quelimane. É o cúmulo!
Mas, seja como for, ele, o electricista, manifestou a liberdade de dizer o que pensa ou revelou as suas influências na interpretação dos fenómenos sociais, com a diferença de não ter discutido a suposta discriminação sem sair da Zambézia, colocando Quelimane “contra” Mueme (Namarrói), quando geralmente esse discurso é sul-centro/norte.
Bem dizia um docente de Filosofia Africana, que o “ismo” geralmente transporta consigo vivências negativas – quando constitui exacerbação de sentimentos. É que se narciso pode ser uma preocupação, pior o narcisismo!
Na verdade, há muitos discursos pouco cuidados. Por avidez de determinado ganho, há quem se esqueça que o que parece privilegiar determinada região em relação à sua, mais tarde pode transformar-se em problema no seu seio e afectá-lo directamente, como o exemplo de Quelimane-Mueme, que é tudo Zambézia, depois do que parecia um problema do lado de fora dos zambezianos ou, no caso de Moatize, dos tetenses, tal como escrevi.
Está aí o exemplo de “Namarróis que não querem quelimanenses”, mas todos são filhos de uma mesma Zambézia, de um único país, Moçambique, e, mais do que isso, são cidadãos com os mesmos direitos.
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 25.04.2012