EDITORIAL
Num município telegovernado
A essência da municipalização de um Estado reside na descentralização dos poderes do Governo Central para os residentes das autarquias, o que significa dar poderes aos munícipes de cada autarquia para pensarem nas soluções dos seus próprios problemas, para pensarem no desenvolvimento do seu território sem os telecomandos habituais do executivo central estacionado em Maputo. Mas tem sido difícil para estes largar o osso. Precisam de manter as aparências de que respeitam a autonomia, mas convém-lhes que possam continuar a usar os seus “teleguiados” para se irem servindo das oportunidades a que querem continuar a guindarem-se.
Autarcizar significa conferir poderes aos residentes das autarquias para se organizarem e encontrarem soluções para as suas dificuldades e desenharem formas de realizarem os seus sonhos. Mas não convém aos senhores do Governo Central e do centro do poder, que esse processo ande rápido.
Ninguém melhor do que os próprios munícipes de uma autarquia sabe o que é bom para si. Porque terão eternamente de vir os outros traçar o seu destino?
O que se tem verificado é que os municípios têm continuado na maior parte dos casos a ser delegações do Governo Central. Continuam, na maior parte dos casos, verdadeiros feudos do poder central. De Maputo decidem quem deve ser o candidato, falcatruam os processos quando os locais se deixam adormecer, decidem como o “fantoche” deve governar e até decidem “eles” quando o “teleguiado” deve deixar de governar se não obedecer às regras da “elite” que fez dele uma figura. Por controlo remoto o seu “comparsa” local realiza o que eles querem. O “fantoche” lá está para lhes abrir caminho…
Em 2008, nas 3ªs eleições autárquicas, contra todo o desempenho razoavelmente positivo que tinha mostrado durante o mandato, o Dr. Eneas Comiche foi sacrificado.
Nem lhe permitiram que se recandidatasse à sua sucessão em Maputo. Em seu lugar foi lançado David Simango. Saiu a ganhar pelo menos uma “ala” do partido Frelimo, mas saíram a perder os munícipes. Basta sair à rua para se ver o que é a cidade hoje e comparar o município de agora com o que era há poucos anos quando Comiche era edil.
Quem ganhou com isso foram precisamente os que pretendiam assaltar a cidade, os seus espaços e todo o potencial que repartido e bem gerido poderia trazer mais felicidade a muitos, em vez da desgraça crescente a que todos assistimos.
Os negócios de ocupação de terrenos e ruínas no espaço urbano de Maputo fluíram para certos “camaradas”, com a saída de Comiche, à falta de melhor. O povo cada vez se queixa mais…
Em 2011 a cena repetiu-se. A direcção da Frelimo mandou três edis do Norte cessarem.
Motivo: queriam governar as cidades autarquicamente e não serem telecomandados a partir de Maputo pelos seus “camaradas”. Acabaram obrigados a desistir.
Agora é a vez de Inhambane nas “intercalares”. O mandato do anterior edil foi interrompido pela morte de Macul. Abriu-se de imediato uma oportunidade para o assalto à cidade. Macul nunca conseguiu governar para os da terra. A luta que travava contra a submissão acabou por levá-lo a adoecer e sucumbir. Um homem não é de ferro! Os “abutres” acabaram por vencê-lo. Adoeceu e morreu. Na confraria em que se metera pouco conseguiu fazer. Um aviso a Guimino ou qualquer outro que aceite ser marioneta…
Os terrenos localizados na orla marítima onde o falecido edil de Inhambane não deixava se erguerem ofensas ao ambiente, poucos dias após a sua morte começaram a surgir ameaças de retoma do que Macul sempre impediu que acontecesse. São vários os casos. O caso mais conhecido é o do terreno da orla marítima do Tofinho e o das construções na reserva florestal do Tofo, o primeiro ocupado pela Tradewinds, uma companhia sul-africana cujos sócios são, num outro negócio de imobiliária, sócios do primeiro-ministro Aires Ali que resolveu dar pernas aos seus apetites em Inhambane na lógica de ter no terreno quem dê cobertura aos seus sonhos, ainda que sejam contra os sonhos dos da terra. Ao ponto de Guimino até ter sido forçado a regressar de Quissico, onde já vivia desde Janeiro, a Inhambane para ser candidato. Que maus que eram os outros candidatos a candidatos!?... E que faz um “obediente”!...
Aires Ali já foi governador em Inhambane. Não conseguiu deixar lá obra que se visse, mas saiu de lá bem recheado de interesses, como demonstrado em artigo publicado neste jornal há três semanas atrás. Agora lança a Guimino, a difícil empreitada de se tornar sucessor de Macul. Imaginando-se que Guimino fosse eleito edil de Inhambane, como poderia mandar a empresa Tradewinds, protegida por Aires Ali, parar de destruir o meio ambiente?
Foi exactamente Aires Ali, membro da comissão política do partido Frelimo, que esteve esta semana naquele município numa clara antecipação à campanha eleitoral que se anunciava localmente que teria início no próximo domingo, mas, afinal, a CNE já veio dizer que é só na próxima terça-feira, 03 de Abril.
Terá Aires Ali ido a Inhambane defender os interesses dos munícipes e da autarquia, ou os seus próprios? Com descaramento cínico, Aires Ali disse ter ido a Inhambane como membro da Comissão Política da Frelimo, mas foi recebido e fez uso de todo o aparato do Estado, sendo ele Primeiro-Ministro, dando assim, mais uma vez, exemplo do quanto dinheiro e meios existem disponíveis quando precisa de se guindar ao poder. Nunca faltam meios e dinheiro dos contribuintes quando é para lutar pelo poder. Faltam sempre quando é preciso fazer obras indispensáveis aos cidadãos.
Aires Ali disse em Inhambane que o seu partido e o seu candidato Guimino deve vencer. “Devemos vencer as eleições para honrar a memória do nosso membro”, em alusão ao malogrado Lourenço Macul.
Macul não patrocinava obras ilegais em terrenos proibidos por lei. Opunha-se veementemente a isso. Seria a essa memória de Macul que Aires Ali se referia? – Seguramente que não! O que Aires Ali quer é que o poder autárquico continue subjugado a Maputo.
Na cidade de Quelimane, os “graúdos” do partido Frelimo foram tentar ofuscar a imagem do jovem Manuel de Araújo e acabaram ofuscando a imagem do seu próprio candidato, Lourenço Abubacar. Imagine-se se na cidade de Inhambane o candidato da Frelimo nestas “intercalares” saísse vitorioso com o apoio de Aires Ali & Companhia: a quem iria Guimino prestar as contas? Aos munícipes de Inhambane ou aos “graúdos” que o indicaram? Falamos da prestação efectiva de contas. Não do mero exercício de aparecer na assembleia municipal a ler um relatório de realizações que tantas vezes estão longe de ser as que o Povo queria. Quando há!...
Realizações, está-se a ver agora mais uma vez em Inhambane. Só ocorrem em período eleitoral. O medo de serem derrotados até está a levar a energia eléctrica a quem a queria e nunca a conseguiu em quase quarenta anos. Quanto medo têm dos eleitores!? Quem sabe que no voto de cada munícipe farto de promessas pode estar o fim dos abusos que pareciam eternos, com obras de última hora só acaba por provar que o voto só lhe interessa para manter o poder.
Os locais já sabem agora que o seu voto é necessário para assegurar o “pasto” dos “graúdos” por mais uns tempos. Cabe-lhes decidir o que querem: se querem continuar teleguiados ou se querem passar a ser realmente donos do seu destino.
Para os que se convenceram que o poder é eternamente seu, o povo só serve para os legitimar em eleições. Com estas eleições em Inhambane, depois de Quelimane, estão criadas todas a condições para que mais um território autárquico deixe de ser um feudo dos “senhores de Maputo”, de onde as figuras da nomenklatura do partido no poder aparecem para extrair tudo o que há de riqueza nas autarquias, como está a suceder em todo o País onde ainda os deixam fazer das suas…
Os munícipes, representados por edis telecomandados, bem podem gritar “basta”.
Mesmo que gritem alto: “no nosso território decidimos nós!”, o edil que está às ordens dos seus patrões sentados em Maputo a gerir o património que vão adquirindo pelo País afora, esse nada pode fazer. Torna-se ele próprio uma vítima do processo.
Seria assim Guimino se fosse eleito.
Se os municípios existem para ser telecomandados pelo executivo, não há necessidade de se municipalizar o País. A municipalização só faz sentido quando é para beneficiar os locais.
A alternativa aos telecomandados é quem não tem vínculos aos que querem o poder em toda a extensão territorial para que o seu pasto seja total, a partir do “trono” em Maputo.
Os munícipes devem convencer-se que a única forma de se abrir espaço às realizações dos seus próprios interesses é não permitirem que os “abutres” continuem a martirizá-los…
Está para se ver, nestas eleições “intercalares” em Inhambane do dia 18 de Abril, se os eleitores querem que, tal como Quelimane, se inicie um processo em que o verdadeiro poder deixe de estar em Maputo. Ver-se-á se querem ou não que o seu município deixe de ser um dos pastos dos “abutres”.
O voto é secreto!...
Canal de Moçambique - 28.03.2012