O Azul do Índico Por: Afonso Almeida Brandão
Viagem ao Fundo da Gaveta do Esquecimento
(À Memória do Jornalista Fernando Fernandes)
De vez em quando viajo até ao passado, aos tempos inesquecíveis da juventude, aos tempos de Moçambique «de outros tempos», para rever amigos e colegas com quem privei de perto e com os quais partilhei confidências, ideias e sonhos. São colegas e amigos de quem guardo uma profunda e grata saudade. Grande parte deles já não estão connosco, partiram um a um, ao longo destes últimos 40 anos. Guardo apenas a Fraternidade, a Amizade e a Camaradagem que nos envolvia à época, e as fotos que foram sendo registadas em momentos de alegre e descontraído convívio, entre os anos de 1968 e 1975, aquando do meu regresso a Portugal. É um espólio riquíssimo, acreditem! São seis álbuns de recordações que o Tempo jamais apaga!
Alguns desses colegas e Amigos vim a reencontrar em Portugal nos finais da Década de 70. Foi o caso de Fernando Fernandes, de quem hoje vos falo e recordo, em especial. Sem pedir licença a quem quer que seja, adianto, desde já, que vos falo de um Grande Jornalista, um Homem de carácter inabalável, forte e de ideias fixas, defensor dos Direitos Humanos e da Liberdade. Foi um opositor "silencioso" ao regime fascista de Salazar e pessoa perseguida pela polícia secreta de então, a PIDE. O seu nome e as suas "actividades pouco ortodoxas" - segundo o registo dos «arquivos secretos» da ex-PIDE - faziam dele uma "pessoa perigosa".
E ele sabia disso mas não se importava.
«Às vezes temos de saber dar "a volta por cima" para não incomodar demasiado quem nos tem debaixo de olho...» - disse-me certa vez, sorridente. Era/foi uma figura fascinante, que muito me marcou profissionalmente, quer como seu colega, quer como seu Amigo.
Fernando Fernandes nunca deixou de ser um jornalista extremamente lúcido e honesto para com as suas convicções políticas, religiosas e humanas. Amigo do seu amigo, sempre pronto a ajudar, a dar uma palavra de conforto. Conheci-o no longínquo ano de 1969 e tive o privilégio de com ele trabalhar, à época. Naquele ano o Fernando Fernandes era Chefe dos Serviços Redactorias do então Rádio Clube de Moçambique. Já havia passado pela Redacção do NOTÍCIAS e representava em Lourenço Marques a Delegação do Jornal sul-africano STAR que ainda hoje se edita na cidade de Joannesburgo. Foi aí que a nossa relação teve início. Estávamos em Março de 1969. Naquele tempo eu era Repórter do jornal DIÁRIO (onde hoje funciona a Sede da TDM).
«Afonso: preciso de admitir um colega para trabalhar comigo. Apenas por quatro horas diárias. De preferência no período da noite, a partir das 20 horas.
Queres aceitar a oportunidade? Sempre ganhas mais uns "cobres", que dizes? Uma das tuas tarefas vai ser enviar «telexs» para a África do Sul e redigir algumas pequenas notícias. Pagamos dois mil e quinhentos escudos por mês. São cinco dias por semana, excepto Sábados e Domingos. Em que ficamos...?» Escusado
será dizer que aceitei a oferta. E durante os seguintes 15 meses estive ligado à
Delegação do jornal STAR, a partir de Moçambique, trabalhando e convivendo lado-a-lado com este excelente profissional de Imprensa que foi Fernando Fernandes.
Reconheço que aprendi muito com ele, quer no domínio das técnicas da síntese, quer no domínio da construção das frases, porque a escrita tinha de ser límpida, objectiva e esclarecedora e escrita de forma simples. «Nada de palavras de "sete e quinhentos"» - avisava, amiúde - «porque tu és jornalista e não és poeta».
Que saudades, Fernando Fernandes eu tenho desse tempo!!...
Não vou mencionar, nesta crónica, as nossas conversas. Mas devo adiantar, a título de registo e observação, que a guerra colonial era acto condenável por parte de Portugal. «O Povo Moçambicano precisa da sua auto-determinação, de ser um Povo livre e senhor do destino do seu País. Seria bom que Portugal reconhecesse esta Realidade e desse a Descolonização ao Povo Moçambicano de uma forma atempada e racionalizada. Estou certo que ninguém abandonaria Moçambique...» - disse-me certa vez o Fernando Fernandes. «É por causa destas ideias que a PIDE classifica-me de "reaccionário" e "perigoso"» - para libertar depois uma gargalhada sonora e bem disposta.
A verdade é que nada disto aconteceu e as consequências foram trágicas para ambas as partes. E depois foi o «regabofe» que se viu (e sabe!), a "debandada" precipitada dos portugueses de Moçambique para Portugal, às "catadupas". Tempos difíceis, injustos e complicados, é uma verdade. Com muita culpa para os dois lados, também é verdade. Penso que o tema da Descolonização está por escrever e por contar. Penso que a História deixou «uma fenda» em todo este processo que foi muito mal conduzido, originando a tragédia para milhares de pessoas como originou.
Mas não é aqui nem agora, neste espaço, que vamos fazer juízos de valor nem abordar o acontecimento da Libertação (e da entrega posterior) de Moçambique à FRELIMO de Samora Machel, pelo "jugo" Colonialista português de Marcelo Caetano. - «Um dia alguém contar-nos-à a verdadeira História do que aconteceu com a Descolonização dos ex-Estados Ultramarinos» - dir-me-ia o colega Fernando Fernandes, já em Lisboa, onde o vim encontra em 1977, ao serviço do jornal A TARDE (matutino que seria extinto no início da Década de 80). Fernando
Fernandes era considerado por todos como uma «velha raposa», um jornalista da «velha guarda». Tinha 58 anos quando o conheci e morreu em vésperas de completar o seu octogésimo aniversário.
Recordo-o hoje porque dei com uma foto daqueles tempos inesquecíveis, onde surgem também os poetas Rui Nogar e José Craveirinha, o pintor Malagantana Valente e os jornalistas José Carneiro (Delegado do Notícias da Beira, em Lourenço Marques) e Fernando Fernandes (o segundo a contar da direita para a esquerda). Destes cinco amigos e colegas, apenas o José Carneiro está vivo.
A foto foi tirada no então Aeroporto de Lourenço Marques, em Julho de 1973, pelo repórter-fotográfico Ricardo Rangel – outro Querido Amigo e Colega de profissão, falecido em Junho de 2009, aos 85 anos).
Desde a data em que este "boneco" foi tirado - era assim que o Ricardo Rangel gostava de tratar "as fotos" - já lá vão quase 39 anos! Desse tempo fica-nos apenas a memória e as saudades de todos eles. Nomes ilustres que as Gerações de hoje pouco conhecem ou ouviram falar.
Todos eles já partiram para "a viagem derradeira". Estarão certamente com Deus. E a todos desejo Paz às suas Almas e descanso Eterno! Para ti, Meu Querido Amigo e Colega Fernando Fernandes, um forte abraço «do tamanho do Índico» (como tu gostavas de dizer) e até um dia...
WAMPHULA FAX – 28.05.2012