O Comando Militar autor do golpe de Estado na Guiné-Bissau acusou hoje o primeiro-ministro deposto, Carlos Gomes Júnior, de querer ser presidente para fugir à justiça.
Na última conferência de imprensa, que marcou o regresso dos militares às casernas, o porta-voz do Comando Militar, Daba Na Walna, lembrou as marchas organizadas no verão passado em Bissau a pedir que fossem julgados os crimes de sangue ocorridos e acrescentou que Carlos Gomes Júnior queria ser presidente para "não poder ser responsabilizado".
O golpe de Estado ocorreu a 12 de abril, véspera do início da segunda volta da campanha eleitoral para as eleições presidenciais. Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro e candidato presidencial, tinha ganho a primeira volta de forma folgada.
"Depois de tantas marchas para que o primeiro-ministro pudesse responder criminalmente, que falharam, o primeiro-ministro não chegou ao fim do mandato e apressadamente candidatou-se a Presidente da República. Com que finalidade? Para servir mais a pátria?", questionou Daba Na Walna.
E acrescentou: "Se na verdade queria trabalhar, queria servir o país, não seria na Presidência da República. Não será o prazer de trabalhar e servir mais a pátria que terá motivado o primeiro-ministro, mas sim a tentativa de ocupar o lugar cimeiro para que, gozando das imunidades presidenciais, não poder ser responsabilizado pelos factos que aconteceram".
Só assim se explica, acrescentou, os milhões gastos na campanha para conseguir a vitória, "na certeza de que com as falcatruas que são feitas e as fraudes eleitorais voltaria a ganhar o segundo mandato".
"Aí estaríamos 10 anos. Se isso acontecesse o que ia dar? Ou o processo (os crimes ocorridos) caia no esquecimento da população ou então judicialmente seriam considerados factos prescritos. Isto era o motivo principal da corrida à presidência", disse Daba Na Walna, lembrando depois a "morte brutal", no próprio dia da primeira volta das eleições, de Samba Djaló.
"Mas ninguém perguntou quem foi que fez isso. Os militares é que são os maus da fita, eles é que mandaram matar. Desafio as autoridades competentes para investigar a que façam uma investigação séria. Perguntem ao Zamora Induta porque é que está refugiado na sede da União Europeia. Perguntem ao Zamora Induta de quem é que ele tem medo. Se dos militares ou se de quem matou Samba Djaló", disse Daba Na Walna.
Depois garantiu que os autores do golpe não gostam de criar complicações, que não se sentem heróis nem têm orgulho no que aconteceu, e criticou a FRENAGOLPE (grupo de associações e partidos contra o golpe de Estado) e o seu dirigente, Iancuba Injai, por incitar a população à desobediência civil.
Iancuba Injai foi também ele vice-presidente de um Conselho de Transição, no golpe de Estado que depôs Kumba Ialá, afirmou Daba Na Walna, concluindo que o responsável deve de compreender que os que estão do outro lado (os militares) são "boa gente".
O "país precisa de estabilidade" e a mesma não pode ser conseguida "à custa do sacrifício ignóbil dos cidadãos", disse.
"Não nos contenta uma democracia de fachada", em que "se mata impunemente e ninguém é responsabilizado" (...) "o primeiro-ministro mandava chamar tropas estrangeiras para nos esmagar, levantámo-nos", justificou Daba Na Walna.
Depois de, a seguir ao golpe, a Missang (missão angolana em Bissau) ter surgido como dos principais fatores para a ação militar o responsável afirmou hoje que as Forças Armadas nunca tiveram complicações com Angola e que "não há crispação" alguma.
"Angola decidiu unilateralmente romper os acordos. Da parte guineense não há hostilidade. Os angolanos que estão cá são nossos irmãos. Continuamos a cooperar com Angola, se Angola assim o entender", disse.
Entre a Guiné-Bissau e Angola não houve corte de relações, apenas ficou suspensa a cooperação militar, sublinhou.
E ainda sobre Carlos Gomes Júnior e Raimundo Pereira (Presidente interino deposto no golpe de abril) lembrou que a Constituição não permite a extradição de cidadãos e que os dois podem voltar à Guiné-Bissau, ainda que não sejam os militares, mas sim o Ministério do Interior o responsável pela segurança dos dois.
No final da conferência de imprensa, Daba Na Walna instou a imprensa a organizar debates, na televisão ou em cadeia, com "qualquer um", para que no país se saiba "quem é quem" e para que os cidadãos "não sejam bombardeados com informações falsas".
FP.
Lusa – 22.05.2012