A PAZ é condição essencial para o desenvolvimento. Os sucessos que o país vem registando ao longo destes anos a vários níveis, apesar dos enormes desafios que enfrenta, devem-se à boa governação e ao clima de estabilidade que vive, o que constitui um forte atractivo aos investimentos.
Este ponto de vista foi quinta-feira defendido pelo ex-Primeiro Ministro, Pascoal Mocumbi, na palestra que proferiu no Auditório Municipal da Matola, em Maputo, cujo tema “Moçambique na região austral de África e no mundo” se enquadrou na celebração do Dia de África, ontem assinalado.
Pascoal Mocumbi, que falava para centenas de estudantes das escolas da cidade da Matola, disse que Moçambique continua a enfrentar enormes desafios, mas existe a esperança de que os mesmos serão ultrapassados. Há que se olhar para esses desafios, partindo em primeiro lugar de cada um dos moçambicanos.
Afirmou que o país ainda é dos mais pobres do mundo, onde 54 por cento da população enfrenta a pobreza. Para o ex-Primeiro-Ministro destacou a educação como sendo uma componente muito importante para tirar muitos moçambicanos do analfabetismo em que se encontra para que, desta forma, com conhecimento, possam explorar os recursos de que o país dispõe.
Na sua dissertação, Pascoal Mocumbi falou de Moçambique antes da independência, na época do despontar do nacionalismo, pós-independência, a fundação da Organização da Unidade Africana (OUA), contexto actual que o país vive, bem como da necessidade de uma identidade moçambicana. Afirmou que Moçambique possui um passado traumático, devido à colonização de que foi vítima.
Durante 490 anos de colonização portuguesa, afirmou, tudo foi feito para que os moçambicanos não possuíssem a sua própria identidade, a sua própria cultura. Várias foram as formas de resistência levadas a cabo contra o colonialismo português até ao despontar do nacionalismo. Aliás, Pascoal Mocumbi afirmou que o nacionalismo moçambicano nasceu de uma experiência do colonialismo europeu.
Disse que depois de várias formas de resistência à colonização europeia, em 1960 aconteceu uma espécie de milagre em África. Com efeito, 17 países africanos conquistaram as suas independências naquele ano, efeméride que ficou registada como a década de África.
Com a inspiração nas independências daqueles países africanos, dentre os quais a Tanzânia que viria a ser o berço do movimento de libertação, em Moçambique começou a haver a aceleração dum patriotismo organizado, que se consubstanciou na formação de associações, de movimentos dos estudantes e realização de manifestações, processo que culminou com o Massacre de Mueda, Cabo Delgado, em Junho de 1960.
A 25 de Maio de 1963 foi criada a Organização da Unidade Africana, cujos objectivos, entre outros, eram promover a unidade e solidariedade entre os Estados africanos, garantir uma vida melhor para os povos de África, defender a soberania, erradicação de todas as formas de colonização, respeitar a Carta das Nações Unidas e os direitos humanos.
Pascoal Mocumbi disse que os líderes africanos de então tinham uma visão muito avançada sobre o futuro do continente. Os assuntos que corporizavam os seus ideais continuam hoje a ser discutidos. O primeiro e o principal ideal era garantir a libertação de todos os países do jugo colonial. Para o efeito, os líderes decidiram criar um comité de libertação.
O ex-Primeiro-Ministro moçambicano afirmou que os líderes africanos da época conseguiram resolver, por exemplo, o conflito sobre a delimitação de fronteiras, ao decidirem pela manutenção e respeito das fronteiras que haviam sido estabelecidas pelo colonialismo.
A organização e realização em Argel (Argélia) do primeiro festival pan-africano de cultura foi também um marco importante no quadro das acções da OUA. Pascoal Mocumbi disse que a organização jogou um papel importante na esfera diplomática, mas não conseguiu obter as formas mais justas e de sua plena participação nas Nações Unidas.
A 25 de Junho de 1975, Moçambique alcança a independência e integrou a comunidade internacional, aderindo à Organização das Nações Unidas (ONU). O país é membro da União Africana e integra o grupo de países africanos que voluntariamente aceitaram a avaliação de pares (MARP).
Vários foram os ganhos conquistados com a independência, mas a guerra de desestabilização deitou abaixo o sonho e o esforço de um povo que acabava de sair da colonização. Mercê da sua capacidade e do desejo da paz, os moçambicanos conseguiram alcançar a paz e com ela estão neste momento empenhados na construção do bem-estar, lutando contra a pobreza.
Estudantes questionam
No debate do tema, vários estudantes colocaram questões pontuais ao orador, a maior parte das quais que têm a ver com a realidade de Moçambique de hoje. Um estudante quis saber se os investimentos estrangeiros que se realizam em massa no país não seriam uma outra forma de colonização.
Um outro estudante perguntou ao orador porque razão Moçambique continua um país dos mais pobres do mundo, volvidos 20 anos de paz. Um outro quis saber por que o Continente Africano é rico em recursos mas os seus povos, na sua maioria, não beneficiam dos mesmos na sua plenitude, questionando, de seguida, se África é efectivamente livre.
O que se espera da economia moçambicana dentro de alguns anos foi outra pergunta colocada ao ex-Primeiro-Ministro por um estudante, na ocasião.
Em jeito de resposta, o orador explicou que os investidores estrangeiros pagam impostos ao Estado moçambicano e obtém lucro do seu investimento. Observou, porém, que neste processo, os investidores devem cumprir com as condições previstas na legislação.
Disse que apesar de o Continente Africano possuir recursos, tal não significa que os Estados possuem dinheiro à altura dos recursos disponíveis.
O moderador do debate, o sociólogo Gulamo Tajú, disse que a reflexão feita pelo ex-Primeiro-Ministro, cuja parte se fundamentou na sua própria experiência vivencial, remetia aos estudantes, e não só, a pensar sobre as responsabilidades para a contínua luta pela libertação de África.
Afirmou que as inquietações levantadas pelos estudantes devem ser contextualizadas em cada momento histórico, acrescentando que a globalização é um fenómeno que influencia o modo de estar, de pensar e de agir.
Por seu turno, o presidente do Conselho Municipal da Cidade da Matola, Arão Nhancale, disse, entre outras coisas, que o futuro do país é feito pelos próprios moçambicanos.
“O que fazemos hoje contará muito para o futuro. Os jovens têm que ter a visão do amanhã, empenhando-se no dia-a-dia na luta contra a pobreza”, afirmou.
No final do debate, todos os presentes cantaram a canção “sinto-me orgulhoso de ser africano”.
A Organização da Unidade Africana (hoje União Africana) foi criada há 49 anos em Addis-Abeba, Etiópia, em carta assinada por 32 Estados africanos já independentes na altura. O acto constituiu-se no maior compromisso político dos líderes africanos que visou a aceleração do fim da colonização do continente.
Como a OUA mostrou-se incapaz de resolver os conflitos surgidos continuamente em toda a parte do continente, os golpes de Estado tornaram-se uma prática. Economicamente, os indicadores também estavam longe de serem animadores, concorrendo para isso a própria instabilidade militar e as múltiplas epidemias. Assim, a 12 de Julho de 2002, em Durban, África do Sul, o então Presidente sul-africano, Thabo Mbeki, proclamou solenemente a dissolução da organização e o nascimento da União Africana, como necessidade de se fazer face aos desafios com que o continente se defronta, perante as mudanças sociais, económicas e políticas que se operam no mundo.