No mesmo dia em que estava a ser anunciada a descoberta de mais reservas de gás natural, na bacia do Rovuma, a reportagem do “Notícias”, integrada numa expedição de jornalistas, poisou exactamente sobre um dos locais que se diz conter, por debaixo de si, quantidades mundiais daquele hidrocarboneto, o furo denominado Coral, aberto pela Eni East Africa.
E ficaram cinco horas, porque o grupo de que fazíamos parte fora o primeiro a descolar de Pemba, mas seria, afinal, o último a deixar a plataforma que desde Setembro está fazendo maravilhas na costa moçambicana, e íamos a 250 quilómetros da capital provincial de Cabo Delgado e cerca de 50/65 quilómetros de contacto com a terra litorânea dos distritos de Palma e Mocímboa da Praia.
Voando em dois helicópteros, com um tempo de diferença de 15 minutos, cá atrás, anunciava-se o facto de no “Coral” ter sido descoberto gás natural da idade eoceno, da área pré-câmbrica, cerca de 40 milhões de anos, com uma espessura de cera de 100 metros, solidificando a ideia da existência de hidrocarbonetos de formação diferente dantes conhecidas.
Tudo foi feito pela tripulação dos hélios, de modo que, o gigante que visto de longe parecia simples barco no alto-mar, tornava-se cada vez mais imponente e pouco e pouco, se transformava num monstro que num cantinho frontal, acolhe a primeira vaga de jornalistas, que são largados pelo hélio, que não deveria desligar os motores, pois a seguir seria o outro grupo a chegar.
Estávamos a pisar o “SAIPEM 10000”, um navio com uma idade de apenas 11 anos, pois foi concluído em 2000, mas que, não obstante a menoridade, o balanço do seu desempenho é impressionante.
Neste período de tempo de vida o barco furou 112 poços à procura de hidrocarbonetos, desde Itália, passando por Angola, Congo-Brazzaville, Brasil, Indonésia, Timor-Leste e, desde Setembro que está na Bacia do Rovuma, já no seu quarto furo a resultar positivo.
“Desde que chegou a Moçambique nunca teve o azar de fazer um furo negativo”, explicou Ricardo Boeno, da Eni East Africa, que terá sido muito usado no contacto com jornalistas, em razão da sua nacionalidade que é brasileira.
Referia-se, assim, ao facto de terem sido abertos os furos Mamba-Sul, Mamba-Norte, Mamba-Nordeste e agora o “Coral” que, por sinal, está localizado a apenas a 26 quilómetros do primeiro.
Aqui todos os dias são segunda-feira
Falar de “SAIPEM 10000” é fazê-lo a uma plataforma de 240 metros de comprimento e 40 de largura, que na data em que nos encontrávamos ali momentaneamente hospedados, continha 171 homens e uma mulher (engenheira) de nacionalidade americana, a trabalhar em diferentes sectores que fazem o dia-noite-dia do barco.
O “SAIPEM 10000” está quase inamovível, apoiado por um peso de 32 toneladas, por baixo de si, que o defendem de todas as intempéries, desde a corrente, ondas gigantes e se acredita que mesmo um tsunami comum não o possa demover.
Do seu ventre saiu o “caminho” que leva ao poço, ora aberto, para lá de cerca de cinco quilómetros de profundidade, dentro da água, antes que entre na terra onde vai buscando os sinais sobre a existência ou não de hidrocarbonetos, que depois são analisados, já na plataforma, que é uma verdadeira indústria química pesada.
“São 25 nacionalidades neste momento, trabalha-se 24/24 horas e cada turno deve cumprir 12 horas de labuta intensa”, disse Ricardo Boeno.
Moçambicano há só um, um oficial da Marinha de Guerra, que faz a segurança de todo o raio à volta do “SAIPEM 10000”, para que não seja interrompido na sua actividade que, habitualmente, é ininterrupta.
Na verdade, há seis embarcações de segurança, três das quais permanentemente na área onde o “Coral” está localizado e as restantes escoltam os barcos que fazem os vaivéns para os diferentes portos de cabotagem, buscando mais equipamento e logística do “SAIPEM 10000”.
A segurança é garantida por 80 a 100 soldados, em que 40 são de nacionalidade moçambicana, e do total, 40 estão permanentemente no mar. Só para suportar a segurança, a Eni East Africa, gasta 200 mil dólares por dia.
Mais tarde saberíamos que, do comando de segurança do próprio barco, há uma tecnologia tal, que ajuda a detectar qualquer navio estranho, mesmo antes de ser alcançável a olho nu.
“Nunca fomos tentados, estamos preparados, muito embora em finais de Abril tenhamos sabido que um barco de Marinha Mercante foi atacado por piratas nesta área, mas muito longe de nós”, explicou a nossa fonte.
Está-se numa das vastas e luxuosos salas ali existentes, mesmo antes de ir ao local da segunda sessão de aulas sobre segurança a bordo, já que a primeira havia sido dada no aeroporto de Pemba.
À pergunta “moçambicanizada” do porquê, apenas um nacional do país onde os furos estão a ser abertos e descobertas quantidades de nível mundial de hidrocarbonetos, a resposta não se fez esperar:
“Aqui todo o trabalho é altamente especializado e não há quem esteja para aprender, mesmo estes qualificados, devem ter no mínimo cinco anos de experiência”, aclarou Boeno.
Ricardo não quis responder à pergunta do “Notícias” sobre quanto era o salário mínimo a bordo do “SAIPEM 10000”, aparentemente porque tinha a ver com as diferentes empresas que nele operam, mas que deveríamos ficar com a ideia de que a formação dos seus trabalhadores anda muito acima da média, passando pela especializada e altamente qualificada.
Pelo que víamos e ouvíamos já não nos dávamos conta de termos gastos 55 minutos de helicóptero, para ali chegar, facilmente nos esquecemos da jornada, sobre o mar, sem muitas nuvens, ventos e outros fenómenos meteorológicos que interferissem negativamente na viagem.
Com efeito, o céu relativamente limpo, fizera-nos ver, todavia, que íamos pelo continente, até que, já na região de Quissanga, demos costas à terra firme, passando ao lado de Quilálea, para depois furar entre a Ilha Quirimba e Ibo, dando a certeza de que, na realidade, o destino era quase a fronteira administrativa com a Tanzânia.
Os sedimentos que fizeram a Bacia do Rovuma, nem sequer reconhecem os limites impostos pelo Homem, de tal jeito que, mesmo sobre o “Coral”, em Moçambique, estávamos com os mesmos hidrocarbonetos que campeiam tanto na vizinha terra irmã do Mwalimu Nyerere, quanto na politicamente chamada Pérola do Índico.
Quarenta dias a fazer o “Coral”
A viagem dos jornalistas moçambicanos aconteceu no quadragésimo dia da actividade do “SAIPEM 10000”. Quer dizer, conforme o acima dito, gente a trabalhar sem parar, um custo de 56 milhões de dólares, se é verdade que por dia, são gastos pela operação, valores estimados em 1.400.000 USD.
Foi neste período que foi possível abrir os 4869 metros de profundidade, num local com uma lâmina de água de 2261 metros. Ainda assim, os homens da Eni East Africa, não querem parar por aqui, se bem que a seguir, segundo afiançaram, pretendem proceder a testes da descoberta, já nos próximos dias.
O objectivo é, segundo sustentam, aferir a sua produtividade, ao mesmo tempo que se fala na possibilidade de se executar mais cinco furos, razão porque o “Coral” ora executado, leva o sufixo 1, o que poderá ajudar na avaliação das extensões dos reservatórios e dos recursos.
Que se trata de uma forte empresa no ramo de pesquisa e prospecção de hidrocarbonetos, o palmarés que exibe não deixa duvidar, que indica que, desde 1950, ano do seu nascimento, na Itália, a Eni East Africa já se desdobra hoje em 79 países, 25 dos quais está neste momento envolvida na pesquisa/produção e em 16 na pesquisa e prospecção.
A porta de entrada, no Continente Africano foi o Egipto, debruçando-se depois para Líbia, Tunísia e o resto dos países produtores de petróleo naquela região, para ir descendo para a África Ocidental, depois as regiões central e australo-africana sendo que, em Moçambique consegue o contrato de pesquisa em 2006.
O conceito de dupla bandeira ajuda a Eni East Africa a coabitar com os nacionais, segundo explica Ricardo Boeno. Tal estratégia, conforme a fonte, é demonstrável no facto de que, entre 2000 para 2010, o número de trabalhadores locais, na base do já referido conceito, atingiu a cifra dos 55 por cento, enquanto o nível de gerentes da África subsahariana é de 186 por cento.
Embaixadora da Noruega
Não é possível explorar na fase de pesquisa
A transparência e gestão de recursos naturais é hoje um tema actual no mundo e os hidrocarbonetos encabeçam a lista daqueles cuja exploração tem trazido ao de cima aspectos menos claros aos povos dos países onde eles se encontram localizados.
A corrupção dos respectivos governos tem estado por detrás da intransparência em muitos países do mundo o que leva a que, bastas vezes, vozes se levantem contra os seus próprios líderes.
O nosso país, no grupo de Burkina Faso, Camarões, Congo, Costa do Marfim, República Democrática de Congo, República Centro-Africana, Gabão, Serra Leoa, Tanzânia, Chade, Togo, Zâmbia e Guiné-Conacry, faz parte daqueles que são candidatos à Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva, agora com um movimento da sociedade civil a nível internacional, conhecido por “Publique o que Paga”.
Na Ásia contam-se apenas o Afeganistão e a Indonésia, no Médio Oriente o Iraque, na Europa a Albânia e na América Central, a Guatemala e Trindade e Tobago.
Dados recolhidos pela nossa Reportagem, há duas semanas, num seminário realizado em Maputo, cujo tema era, sintomaticamente a transparência na exploração desses recursos indicam, no entanto, que há poucos países cumpridores da iniciativa, sendo que em África consta o Gana, Libéria, Nigéria, Níger, Mali e Mauritânia.
Na América do Sul apenas encontramos o Peru, na Europa, a Noruega e na Ásia, o Azerbaijão, Mongólia, Timor-Leste e Quirguistão.
No já referido encontro de há duas semanas, a embaixadora da Noruega, Westberg Tove Bruvik, disse que Moçambique se encontra numa encruzilhada, tendo em conta diversos recursos minerais e de hidrocarbonetos, com a possibilidade de encontrar o caminho certo para o seu futuro.
Aquela diplomata disse, no entanto, que os riscos associados aos ricos recursos naturais, por vezes, parecem superar os benefícios, o que para muitos países têm sido uma maldição, do que um benefício.
“As empresas são internacionais e usam isso a seu favor - questões de fuga de capitais e preços de transferência têm-se tornado do conhecimento quase comum no debate público nos países ricos em recursos naturais”, alertou Westberg Bruvik.
Ao apadrinhar a deslocação à plataforma da Eni East Africa, o Ministério dos Recursos Minerais terá feito entender que pretende partilhar com a sociedade os últimos desenvolvimentos na área de pesquisa e prospecção de hidrocarbonetos, tendo feito deslocar seus quadros ligados à matéria de comunicação social e um dos administradores do Instituto Nacional de Hidrocarbonetos.
Ao lado da nossa perplexidade em relação a todo o aparato tecnológico que nos foi dado a ver no “SAIPEM 10.000”, valendo-nos das revelações sobre as sucessivas vitórias que as empresas de pesquisa e prospecção cantam na Bacia do Rovuma e tendo em conta certa inquietação generalizada, perguntamos se a mesma tecnologia que prospecta e pesquisa não poderia explorar.
A pergunta tinha o fundamento no facto de já haver rumores que apontam a probabilidade de estar a ser explorado o gás natural encontrado, ao que Ricardo Boeno disse estar fora de hipótese. “Para além do muito que pode tornar impossível, há o facto de que nem sequer teríamos aonde armazenar”, concluiu Boeno.
- Pedro Nacuo