O Azul do Índico Por: Afonso Almeida Brandão
Viagem ao Fundo da Gaveta do Esquecimento
Foi enterrado no dia seguinte. Já não me recordo do dia em que ele morreu e esteve em câmara ardente, na Casa Funerária do Hospital Miguel Bombarda. Compareceram durante essa noite de vigília, inúmeros admiradores, coleccionadores seus, familiares e amigos, afim de prestarem uma última homenagem de despedida. O ambiente era pesado. Não consegui evitar algumas lágrimas e tinha os olhos vermelhos de ter chorado em silêncio a sua perca. Como se se tratasse de um irmão mais velho. Acabava de perder um dos raros amigos de infância, um dos raros amigos com quem havia partilhado o tempo da nossa meninice dos bancos do Colégio, em Portugal, e depois o tempo posterior das nossas vidas de adultos. O MICO trabalhava, à época, no Montepio Geral de Moçambique, na área da Contabilidade. «Virei "manga-de-alpaca"» - dizia, amiúde, com ar trocista.
O acontecimento trágico da morte de Amílcar Sá haveria de ser motivo de noticia em toda a Imprensa de Moçambique, à época. Eu próprio havia escrito uma breve notícia referente ao infeliz acidente que viria a ser lida aos microfones do RCM, no serviço noticioso das 12 e 30 horas, pela voz do saudoso locutor, António Luís Rafael.
Após o seu funeral - o seu corpo fora enterrado no Cemitério de S. José - afastei-me, lentamente, da sua Família.
Alguns anos mais tarde vim a reencontrá-los em Lisboa, ocasionalmente, na Estação de comboios do Cais do Sodré.
Foi numa Quinta-Feira. Nesse fim-de-semana foi almoçar a casa dos pais do MICO, que viviam na Parede, na Linha de Cascais. Ambos estavam mais velhos. A perca precoce do filho com apenas 25 anos, havia envelhecido, de sobremaneira, aquele casal de forma acentuada. A Letícia esteve presente ao almoço com o Marido, com quem havia casado em 1976. Vim a saber que ele é engenheiro e que ela estava ligada ao ensino oficial como professora de Inglês, no Liceu de Oeiras. A mãe continuava doméstica e o pai fazia uns "biscatos" para uma Agência Imobiliária.
Recordamos nesse dia o MICO através de algumas fotos. Os pais haviam mandado fazer uma foto do filho em ponto grande e colocado na parede da sala de visita, bem ao centro. Olhei para a foto e foi como se tivesse recuado no tempo até 1963. Não consegui evitar algumas lágrimas que me rolaram pela face. Depois desse dia voltei a estar com eles mais meia dúzia de vezes até que o contacto entre nós acabaria se perdeu...
Se o MICO fosse vivo teria hoje 64 anos.
Faz agora em Agosto 39 anos que morreu. Lembrei-me dele esta manhã ao revisitar um dos álbuns "daquele tempo", onde continuo a guardar as memórias de velhos amigos e colegas. O MICO não podia deixar de estar presente nesta «montra» especial, a par de outros amigos e colegas que já partiram do nosso convívio terreno e quotidiano. Foi um bom Amigo da minha infância, que o tempo não apaga e que hei-de recordar sempre com eterna saudade. Em Moçambique já poucos se recordarão dele neste Ano de 2012! Em vida privou muito com os Artistas Malangatana Valente, João Ayres, Walter de Barros, Inácio Matsinhe, o escultor Naftal Langa e com o Luís Soares. Mas ninguém mais de lembra do MICO, do meu Querido Amigo de infância de outros tempos, pois o Povo por vezes perde a memória e não recorda mais os seus homens da Cultura...
Até um dia destes, Amílcar!
WAMPHULA FAX – 26.06.2012