COM a dinâmica que o país está a registar nos últimos tempos, devido à entrada de muitos investidores, o mercado está a ficar cada vez mais agressivo. Para tal, “todo o mundo” luta para ter uma formação adequada de modo a responder aos desafios impostos ao país. As trabalhadoras de sexo não estão alheias à esta realidade.
Na cidade da Beira, por exemplo, há muitos casos de prostitutas que passaram a frequentar escolas que leccionam a língua inglesa para poderem dar uma “resposta cabal” à concorrência.
Toda a história que se segue começou na tarde de uma sexta-feira, num restaurante e bar localizado no centro da cidade da Beira, quando o articulista destas linhas entrou apenas para consumir água, mineral, neste caso. O facto despertou atenção a uma garota que aparentava ser “menina de família” que, na apreciação da mesma, um jovem só poderia entrar naquele sítio para tomar uma cerveja ou outro tipo de bebida alcoólica.
Posto isso, a rapariga fez uma provocação mandando o “bar man” com um bilhetinho que dizia “bonitão, estou a pedir um copo de cerveja”. Curto e grosso, o articulista destas linhas respondeu verbalmente, afirmando que “não tenho dinheiro”. Em resposta, a moça mandou à mesa do articulista duas garrafas de água, de um litro e meio cada, pagas por ela. Era o início de uma longa conversa que veio a abrir espaço para que fosse redigida esta Reportagem.
Já sentada na mesa em que o articulista estava, a moça quis saber se o mesmo era ou não estrangeiro.“Tu és muito parecido com um filipino que conheci recentemente neste local. Por acaso, tu és marinheiro? Ou trabalha numa destas ONGs que andam por ai”- questionou a jovem que apenas se identificou pelo nome de Nina, entre sorrisos e olhares provocadores, facto que já abria espaço para o nosso Repórter perceber que estava diante de uma trabalhadora de sexo.
No desenrolar da conversa, Nina falou da sua vida e/ou sua história. Transpareceu que cresceu num ambiente de uma família bastante religiosa, mas cedo perdeu os pais num acidente de viação, facto que a forçou em buscar alternativas para a sua sobrevivência.
“Eu tinha apenas 10 anos, o meu irmão Zezito tinha sete e Joaninha cinco. Os meus tios não quiseram nos ajudar. Passei a vender amendoim na rua para sobreviver. A sorte é que os meus pais já tinham uma casa, pelo menos tínhamos um lugar para dormir. Mas não parei de estudar, fiz a 12.ª classe. Só que durante este percurso cai na má vida, tive que me prostituir para garantir uma boa sustentabilidade, numa altura em que eu tinha apenas 16 anos. Não é fácil ser mãe e pai ao mesmo tempo enquanto ainda menor”- reconheceu a nossa fonte.
Prostituição vicia
Apesar de já ter feito o nível médio, Nina, de 25 anos de idade, não consegue se livrar da prostituição. Ela confessou que tem a profissão mais antiga do mundo como um vício difícil de se livrar dele. Por isso, não vê a possibilidade de abandoná-la tão já, mesmo reconhecendo que incorre muito riscos por esta causa.
“Prostituição é pior que suruma (canabis- sativa), cocaína ou outra droga perigosa. Vicia duma forma bastante pesada. Mas é uma profissão como qualquer outra, tem os seus ganhos e também prejuízos. É muito arriscado ser trabalhadora de sexo porque há muitos homens oportunistas”- lamentou nossa interlocutora.
A nossa fonte disse ainda que o mercado está muito agressivo e o recurso a intérpretes já não ajuda muito porque, no final do dia, tem que dividir com eles o dinheiro conseguido, dai a necessidade de aprender outras línguas internacionais, com destaque para o Inglês.
“Estou a estudar no Instituto de Línguas- Delegação da Beira- para dominar o Inglês porque já levei muitas cabeçadas com os intérpretes. Além disso, quando você domina a língua do cliente a negociação fica fácil. Agora, com estas novas empresas e a entrada de muitos marinheiros via Porto da Beira, não temos outra saída, temos que aprender o Inglês. Eu já estou avançada, no nível três, falo sem precisar ajuda de terceiros. Ali no Instituto de Línguas não estou sozinha, muitas colegas minhas também fazem este trabalho. Até naquelas escolas pequenas há também trabalhadoras de sexo que frequentam aulas de Inglês”- revelou Nina.
Ela confessou, igualmente, que o negócio em causa dá muito dinheiro, mas exige muita dinâmica. Apontou estrangeiros provenientes das Filipinas, Nigéria, Brasil, Estados Unidos da América, Inglaterra e Alemanha como sendo os que melhor pagam.
“Chineses? Depende. Há uns que vem da temba que são muito agarrados. Mas se tiver a sorte de encontrar um urbano de verdade, ali vais ter sucesso. O nigeriano paga bem, mas castiga muito as mulheres, ele é violento. Bom mesmo é filipino, este não tem preguiça, paga sem reclamar. Agora o brasileiro está cheio de papo, se fores distraída pode não ter sucesso, mas ele é muito humilde”- revelou a nossa interlocutora, entre gargalhadas e carícias.
Homens também recorrem ao Inglês
AFINAL, não são só as raparigas que vão aprender a língua inglesa para prostituir, jovens há, igualmente, do sexo masculino que primam por esta saída. Temos, a propósito, o registo de pelo menos um rapaz que fez parte do último grupo de graduados da Universidade Pedagógica- Delegação da Beira.
Trata-se de um rapaz que ficou famoso no “Chiveve” por causa do seu cabelo, sempre desfrisado e é conhecido como um “gay” confesso. Frequenta muito em casas de pasto em que os estrangeiros, de raça branca, são os principais clientes. Hoje, o jovem já tem o diploma de licenciatura em ensino da língua inglesa, mas os conhecimentos adquiridos na Universidade Pedagógica são mais válidos para facilitar o diálogo com os seus clientes que têm o Inglês como a principal língua na sua comunicação.
“Se você pensa que só são as meninas que vão aprender o Inglês para prostituir, está completamente enganado. Aquele moço ai, o que está sentado naquela mesa com aqueles brancos também é trabalhador de sexo. Ele é licenciado em Inglês”- referiu Nina, apontando um jovem que, na verdade, a nossa Reportagem sabia igualmente que o mesmo é “gay”.
Quando hambúrguer e carro viram iscas
VERGONHA! É o que se testemunha em muitas casas de pasto e lanchonetes da cidade da Beira, com adolescentes do sexo feminino que têm a prostituição “avulsa” como o seu dia-a-dia. Um simples hambúrguer e mais alguns trocados, menos de 100 meticais, é o suficiente para que as visadas se “vendam” para qualquer homem que lhe aparecer em frente. Outra isca usada para estas pobres rapariga são as viaturas, parece que o cheiro de combustível é um grande atractivo para elas, segundo dizia um cidadão anónimo numa cavaqueira com a nossa Reportagem, para o qual este facto deixa as raparigas numa situação de vulnerabilidade.
Recentemente, a nossa Reportagem passou por muitas casas de pasto e lanchonetes da cidade da Beira para “in loco” testemunhar o facto que já virou conversa de “café” ao nível daquela urbe. Estacionámos, a propósito, a viatura num desses sítios e a reacção não tardou a chegar, uma rapariga que aparentava 15 a 17 anos aproximou-nos e bateu o vidro do carro para posteriormente dizer: querido, podes me dar boleia?
E porque o nosso objectivo era mesmo perceber o pulsar da prostituição naquele local, não complicámos, reagimos dizendo: sim, podes subir. E durante o percurso deu para perceber que a rapariga não tinha destino certo, dai que nos disse: vou para onde você me levar. Demos umas voltas pelas ruas do “Chiveve” e parámos numa outra casa de pasto, onde, logo à primeira, a moça pediu um hambúrguer e uma lata de refresco, Coca-Cola, passe a publicidade.
O ambiente no local era aparentemente calmo, mas percebemos depois que era o sítio preferido das adolescentes e o hambúrguer era o alimento que mais era solicitado, facto que provocou em nós uma curiosidade.
“Chefe, aqui é assim, as meninas só pedem hambúrguer, depois de comer isso já não há mais conversa, aceitam logo. Umas até que pedem, depois, mais algum dinheiro, 50 e 80 meticais, em troca do sexo. São poucas as que falam de 100 meticais ou mais. Outras nem pedem algo, basta comer um hambúrguer”- disse A. António, servente do local.
Na verdade, foi o que depois compreendemos diante da adolescente que transportámos para medir o pulsar da prostituição. Só queria hambúrguer e 50 meticais para poder satisfazer sexualmente qualquer homem.
“Adoro carro. Gosto de passear de carro, é bonito. Não é?”- questionou a referida adolescente.
Questionada sobre as condições que podia exigir para que abandonasse a prostituição, a nossa entrevistada disse apenas: se fores a comprar um carro para mim, confesso que eu abandono esta vida e viro sua namorada. Prometo fidelidade. Não estou a mentir. É sério. ( risos).
A nossa entrevistada explicou-nos ainda que antes a maior ambição das raparigas era ter um telemóvel com uma câmara fotográfica e máquina de filmar. Mas hoje, segundo ela, uma viatura é o que as moças gostam de ter, mesmo que seja apenas um carro pertencente a um namorado ou amante.
“Se quiser celular, certamente que a menina vai pedir um com Internet porque quer entrar no Facebook. Caso contrário, um carro porque as meninas gostam de passear de carro. Hoje, um jovem com uma viatura tem quase qualquer mulher que ele quiser na praça, não precisa ter muito dinheiro para gastar com ela”- revelou a nossa interlocutora.
Este facto nos despertou atenção e, curiosamente, a nossa equipa de Reportagem posicionou-se numa barraca localizada à berma de uma rodovia da cidade da Beira, com um tráfego intenso e contabilizou o número de viaturas que por ali passaram durante mais de uma hora, que totalizaram mais de 50. Deste universo, mais de 70 por cento eram dirigidas por jovens de sexo feminino. Concluímos que estávamos, na verdade, diante de um novo fenómeno social.
Estigmatização
NA ronda que a nossa Reportagem efetuou por alguns locais tidos como focos de prostituição na capital provincial de Sofala, eis que deparou com uma jovem que foi o destaque de uma Reportagem que este articulista publicou neste matutino, num passado recente e que se intitulava “Prostitutas de luxo ganham corpo na Beira”. Ela bebia de uma forma que transparecia uma frustração. Afinal, escolhera o local para sufocar as suas mágoas devido à estigmatização que estava a ser vítima.
Como já sabíamos, a jovem era estudante de uma prestigiada universidade privada com representação na cidade da Beira e tinha a prostituição como fonte para pagar as suas propinas e outras despesas afins. Vivia num apartamento de luxo no centro da cidade, além de ser proprietária de uma destas viaturas modernas muito cobiçadas por senhoritas.
Contou-nos que conhecera um jovem que também era estudante universitário e trabalhador de uma famosa empresa que opera no Porto da Beira, facto que contribuiu para que ela abandonasse a prostituição e tinha o rapaz como futuro marido.
Concluída que foi a universidade, a jovem conseguiu um emprego que lhe paga um ordenado relativamente bom e decidiu casar-se com o jovem em alusão. A cerimónia até que chegou a acontecer, mas entre os familiares havia um primo do jovem que sabia que a moça foi “prostituta de luxo” e decidiu contar toda a verdade para a família, um facto que gerou muita polémica, mas o noivo insistiu em continuar casado com a visada.
Porque a pressão era cada vez maior, a “ex-prostituta de luxo” decidiu abandonar o casamento, sob alegação de que queria salvar o seu então esposo da pressão familiar. Sendo assim, à data em que a nossa Reportagem fazia uma ronda pelos focos de prostituição coincidiu com a altura em que a nossa fonte escolheu aquele bar para desabafar as suas mágoas ao lado de um copo de gin.
“Prostituição não é um crime meu amigo. Lutei para fazer a universidade e hoje decidi viver com muita dignidade e a sociedade está a lançar pedras contra a minha pessoa. Prefiro morrer porque nem o meu diploma está a conseguir devolver a minha dignidade desejada. Uma vez prostituta, prostituta será por toda vida nos olhos do povo”- desabafou a nossa fonte.
Em todo o caso, dias depois ficámos a saber que a jovem “ex- prostituta de luxo” continua a trabalhar, mas a mágoa da separação prevalece e ela deixa um apelo a outras jovens: mesmo que a vida vos deia as costas, nunca ter a prostituição para resolver os vossos problemas. Melhor ser uma analfabeta vendedora de amendoim do que ser uma licenciada que conseguiu pagar a sua faculdade com dinheiro vindo da prostituição.
- EDUARDO SIXPENCE