Retrospectiva dos marcos históricos da nossa história.
O posto administrativo de Chai é, segundo a história oficial, o berço da nossa moçambicanidade. Provavelmente, Moçambique não seria possível sem o diminuto espaço geográfico que se chama Chai. Localizado no distrito de Macomia, na famosa zona central de Cabo Delgado, a cerca de 250 quilómetros da capital provincial, Pemba, outrora Porto Amélia, o posto administrativo de Chai é, sem dúvidas, um dos locais mais importantes da nossa história colectiva como povo e como nação, pois, segundo a história oficial, um grupo de 11 jovens, imbuídos dos mais nobres ideais libertários, iniciou a marcha rumo à libertação total do Homem e da terra.
Em Chai, o que mais significado histórico encerra é a residência onde durante o tempo colonial vivia o chefe do posto. Reza a história que, a 24 de Setembro de 1964, 11 jovens, liderados por Alberto Chipande, lançaram o ataque que simbolizou o início da luta de libertação nacional. Ou seja, as aspirações colectivas de liberdade têm o seu cordão umbilical em Chai.
A casa-museu conserva um rico acervo histórico, onde se destacam depoimentos dos guerrilheiros da Frelimo, fotografias, entre outros objectos de grande valor histórico e cultural. Dos 11 “magníficos” da noite de 24 de Setembro, além de Alberto Chipande, continua vivo António Chikapa. Este combatente residente no distrito de Pemba-Metuge, conta hoje com 71 anos de idade.
A nossa equipa de reportagem deslocou-se até Pemba-Metuge, onde conversou com Chikapa. Apesar dos seus 71 anos de idade, Chikapa fala do ataque à residência do chefe do posto como se fosse hoje: “Éramos 11: eu; Alberto Joaquim Chipande, que assumia as funções de chefe; Joaquim Castigo Songore, adjunto; Lucas Tomé Mánia; Assani Lichengwe; Bento Pachihi Nalyambipano; Bernabé Minga; Kamissa Nkadume; Atanásio Benjamim Alinkolela; Lucas Ngawanga; e Bichece Nkalala.”
Depois de Cabo Delgado, seguimos para Tete, onde ficámos a saber que um grupo liderado por Francisco Manyanga, na qualidade de secretário provincial; André Moyo, como comissário político; Alfredo Wassira, como adjunto-comissário político; Alfredo Pequenino, como chefe do material; e Pascoal Nhampule, como chefe de operações, entre outros militares, foi destacado para reiniciar os combates em Tete.
O início dos combates em Tete foi bastante importante para o avanço da guerra para a zona Centro, pois tornou possível escoar material bélico para as províncias de Manica e Sofala, o que ajudou a alargar as zonas de combate e atingir as zonas nevrálgicas da economia colonial em Moçambique. Este facto, fez com que a administração colonial tivesse uma dimensão maior da guerra de libertação e perceber que havia necessidade de avançar para um cessar-fogo. Mas também permitiu o avanço da guerra no Zimbabwe, servindo como base de recuo dos militares da ZANU e para introdução de armas naquele país, de modo a fazer com que Iam Smith parasse de apoiar os portugueses e se dedicasse à guerra protagonizada pelas forças da ZANU. Tete também recebeu militares sul-africanos que procuravam explorar caminhos que os permitissem iniciar uma luta armada na África do Sul. Portanto, serviu de base de apoio para a libertação de toda a região da África Austral.
Estrategicamente, a frente de Tete foi dividida em quatro regiões: 1° Sector, que ia do rio Zambeze ao rio Arruangua, na fronteira com a Zâmbia, e do rio Capoche até ao rio Zambeze. O 2° Sector compreendia a região que parte do rio Capoche, na fronteira com Zâmbia e Malawi, até à estrada de Zóbuè-Tete. O 3° Sector partia da estrada Zóbuè-Tete, incluindo o rio Zambeze, e de Mutarara, em Tete, a Morrumbala, na Zambézia, para poder controlar a linha-férrea Moatize-Beira. Já o 4° Sector compreendia toda a região sul do rio Zambeze.
No primeiro e no quarto sectores, existiram duas bases importantes: Kassuende e Chicondamoyo. A nossa equipa de reportagem visitou a base de Chicondamoyo e, devido à chuva, não foi possível ir até Kassuende.
A base de Chicondamoyo, que era dirigida por Damião Banda, localiza-se no distrito de Changara. Esta base serviu de apoio às operações de envio de material bélico a Manica, Sofala e Zambézia, e apoiava o destacamento que controlava a construção da Barragem de Cahora Bassa, para evitar qualquer acto de sabotagem por parte do exército colonial.
Aquela base funcionava no cimo da montanha Chicondamoyo, por isso, permitia ter o controlo de qualquer movimentação da força inimiga. E, também, permitia o abate de algumas aeronaves de guerra pertencentes às forças portuguesas. A base estava organizada para acolher todos os serviços necessários para apoiar uma guerrilha, tais como posto médico, uma cozinha geral, ala para destacamento feminino e para os militares homens, comando da base, secção para treinos dos militares no activo e mancebos, e havia salas de aulas para os militares que nunca tinham frequentado uma escola.
Durante os sete anos que durou a guerra em Tete, a base de Chicondamoyo foi atacada só uma vez, através de um bombardeamento da força aérea colonial, não tendo causado vítimas mortais.
Operaram, em Tete, destacados combatentes pela liberdade, como é o caso de Francisco Manyanga, Armando Tivane, José Moiane, António Hama Thai, Lopes Tembe, Rafael Rohomoja, Zeca Caliate.
Em 1970, as forças lideradas por Kaúlza de Ariaga protagonizaram, em Tete, o massacre de Mukunhura e mais de cem pessoas perderam a vida. A brutalidade das forças coloniais voltaria a ser sentida em Tete, dois anos mais tarde, há, sensivelmente, 30 quilómetros da cidade de Tete. Na tarde do dia 16 de Dezembro de 1972, os residentes da região de Wiriyamu ouviram barulho “vindo” dos céus: eram helicópteros dos militares portugueses que pousavam naquele bairro. Militares em número não determinado, que se faziam transportar em cinco aparelhos, desceram e mandaram todos os residentes que se encontravam nas suas casas a amotinarem-se num descampado. Queimaram as palhotas e, mais tarde, disparavam à queima roupa e mataram mais de 200 pessoas.
O PAÍS – 25.06.2012