A União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO) jogou um papel decisivo na fundação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) a 25 de Junho de 1962, de tal ordem que os seus estatutos constituem a base sobre a qual assenta toda a filosofia política do partido no poder, com as devidas adaptações.
Esta é a ilação a que se pode chegar das intervenções ontem feitas pelos oradores do primeiro tema do simpósio que decorre na Escola Central do partido Frelimo por ocasião do quinquagésimo aniversário da Frelimo.
Com o título “Fundação da Frelimo e a realização do I Congresso”, o tema teve como oradores o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, o veterano Marcelino dos Santos, Feliciano Gundana, Lopes Tembe, João Munguambe, Inácio Nunes, entre outras individualidades que estiveram na primeira linha da fundação da Frente de Libertação de Moçambique.
Nos primeiros momentos da sua intervenção, Joaquim Chissano disse, entre outras coisas, que a Frelimo que a 25 de Junho corrente celebra 50 anos da sua fundação é a mesma de 1962. Segundo afirmou, a Frelimo nasceu com ideais que foram mais do que um sonho, ideais pensados e que a geração da época procurou materializar.
Os ideais que constam dos estatutos do primeiro I Congresso são os mesmos que hoje são prosseguidos pelo partido Frelimo. O antigo Presidente da República afirmou que a criação da Frelimo não foi repentina. Muitos passos foram dados por moçambicanos para se chegar à sua fundação, e não foram fáceis.
Joaquim Chissano disse que em Moçambique, antes da fundação da Frelimo, houve movimentos clandestinos que culminaram com a criação da UDENAMO, MANU e UNAMI. A UDENAMO foi criada na ex-Rodésia do Sul (actual Zimbábwè) por moçambicanos que lá viviam, tendo sido escolhido Adelino Guambe como seu líder, a 18 de Outubro de 1960.
Revelou que antes do surgimento da UDENAMO, havia no país um movimento denominado MANC (Congresso Nacional Africano de Moçambique), liderado por Khamba Simango. Este movimento não teve muita expressão e o resultado final foi o seu desaparecimento. Para além da UDENAMO, como um movimento expressivo, existia em Cabo Delgado a MANU (União Nacional Africana de Moçambique), que ganhou corpo e formado na Tanzânia, onde residiam muitos emigrantes fundamentalmente makondes.
Havia igualmente em Moçambique associações de diversa índole, de entre elas a associação dos negros, associação africana, o movimento dos estudantes, que era a continuação do NESAM (Núcleo dos Estudantes Secundários de Moçambique). Este núcleo e outras associações tiveram um papel fundamental na fecundação do nacionalismo. Segundo Joaquim Chissano, em 1963 o movimento da clandestinidade teve como base o núcleo.
Foi o movimento dos estudantes, alguns deles já em Portugal, que contactou Eduardo Mondlane, tudo na tentativa de aproximar os movimentos nacionalistas à união. Aliás, de acordo com o antigo Presidente da República, o movimento dos estudantes ameaçava em não aderir aos movimentos nacionalistas caso estes não se unissem. Foi preciso convencer a UDENAMO e a MANU de que a união faz a força.
Joaquim Chissano afirmou que em Dar-es-Sallam, Tanzânia, muitos moçambicanos pertencentes a UDENAMO aderiram à ideia de unidade.
Em 1961, Eduardo Mondlane, que já estava nos Estados Unidos, por exemplo na Filadélfia, falava da necessidade de unidade dos estudantes das colónias portuguesas. Visitou Moçambique e jogou um papel fundamental para a união dos movimentos nacionalistas. Joaquim Chissano disse que Eduardo Mondlane não estava à busca de liderança mas sim da unidade, tanto é que se recusou a fazer parte de qualquer dos movimentos nacionalistas.
À medida que as ideias de unidade corriam, falava-se, na altura, de uma frente unida. Eduardo Mondlane é convidado pela UDENAMO, ao que acedeu. Isso foi em Junho de 1961. Adelino Guambe e Mateus Mole (da MANU) haviam-se deslocado a Acra, Ghana, para participar num encontro sobre os movimentos de libertação e quando tomaram conhecimento de que Eduardo Mondlane chegaria a Dar-es-Sallam, no quadro do convite que lhe fora formulado, trataram de forjar um documento, assinado por eles próprios, que dava a indicação de que a Frelimo já havia sido fundada.
Joaquim Chissano disse que Adelino Guambe esquivou-se da ideia de que Eduardo Mondlane era um homem de consenso e refugiou-se no exterior. Adelino Guambe e Mahluza tentaram formar a sua UDENAMO. Mesmo assim, Eduardo Mondlane pediu a Guambe e a Mateus Mole para que nomeassem as suas delegações a fim de se debater a ideia de formação duma só frente. Só no dia 25 de Junho é que se chegou à conclusão da formação da Frente de Libertação de Moçambique.
Nesse dia houve eleições e Eduardo Mondlane foi eleito presidente da Frelimo e o Reverendo Urias Simango, que também já se encontrava em Dar-es-Sallam, ocupou o cargo de vice-presidente. O elenco convocou o I Congresso para o dia 23 de Setembro de 1962.
Joaquim Chissano explicou que Adelino Guambe não era popular e foi por isso que não queria participar na criação de uma frente unida. Ele não era popular de tal maneira que o seu nome não constou da lista eleitoral.
Antes da realização do congresso, Eduardo Mondlane escreveu a Joaquim Chissano e a Pascoal Mocumbi, que se encontravam em Portugal, convidando-lhes que fossem a Dar-es-Sallam para participar no evento. Mas por imperativos de estudos, Chissano não pôde se deslocar a Dar-es-Sallam.

Marcelino dos Santos
Unidade nacional fundamental
O veterano Marcelino dos Santos, que antes da fundação da Frente de Libertação de Moçambique era membro da UDENAMO, cujos estatutos foram por ele redigidos, destacou a unidade nacional como tendo sido fundada sobre o princípio de igualdade de todos os moçambicanos sem distinção de qualquer espécie. Segundo afirmou, na fundação da Frelimo foi definido que a luta pela independência seria de todos e se utilizariam todos os meios para o alcance desta.
Marcelino dos Santos disse que no congresso não estava implícita a ideia de que a independência seria conquistada por via da luta armada, em obediência a um aconselhamento dos tanzanianos de que se devia ter muita cautela na linguagem para não dar a entender que a Tanzânia albergava terroristas para atacar os portugueses em Moçambique.
O veterano começou a sua intervenção, afirmando que era difícil falar da Frelimo. Disse que antes do 25 de Junho de 1962, um primeiro momento foi o de busca intensa (de união), pois havia muitos movimentos. Falando sobre a MANU, Marcelino dos Santos afirmou que inicialmente ela se chamou associação dos makondes de Moçambique e mais tarde união dos makondes.
“Inicialmente, pensávamos que era uma organizacao tribalista. Mas havia em Moçambique muitas associações”, disse, sublinhando que a MANU tinha muita inserção em Moçambique, sobretudo em Cabo Delgado.
Sobre Eduardo Mondlane, afirmou que o arquitecto da unidade nacional foi um grande astro. Tinha o sentido das coisas. Marcelino dos Santos também disse que Eduardo Mondlane dissera que se os movimentos nacionalistas não estivessem unidos ele não iria a Dar-es-Saalam.
Afirmou que a 25 de Junho de 1962 foi feita a declaração da unidade na forma da Frelimo e que três meses depois deveria ter lugar o I Congresso. Assim, os membros e os bens dos três movimentos nacionalistas deveriam ser transferidos para a Frente de Libertação de Moçambique.
“Libertamos a terra e os homens. Cabe agora aos homens construir o futuro melhor para todos e este é o nosso esforço. A nossa luta continua para um futuro melhor, de igualdade. Temos que continuar até ao fim. Não podemos parar”, disse.

Lopes Tembe
A “esperteza” de Adelino Guambe
Lopes Tembe foi um dos poucos moçambicanos que estavam na Rodésia do Sul. Inspirados pela criação do movimento que lutava pela independência do Zimbabwe, a ZAPU (União Patriótica Africana do Zimbabwe), decidiram também fundar um partido, a quem designaram por UDENAMO, a 18 de Outubro de 1960.
Segundo Lopes Tembe, os dirigentes da ZAPU, dentre eles Joshua Nkomo (já falecido), ficaram muito satisfeitos ao tomarem conhecimento de que os moçambicanos haviam, também, criado um movimento. Mas a UDENAMO não devia funcionar na Rodésia, porque a lei vigente na altura não permitia. Por isso, os dirigentes da UDENAMO foram aconselhados a partir para a Tanzânia que estava em transição para a independência.
Chegados a Tanzânia, Adelino Guambe concede uma conferência de imprensa na qual disse que o movimento dispunha de 15 mil homens prontos a invadir Moçambique, o que provocou pânico entre os brancos rodesianos. A UDENAMO era apoiada por Ghana.
Em Janeiro de 1962, um grupo de 11 elementos do movimento partiu para o Ghana a fim de estudar. Lopes Tembe fazia parte do grupo. Numa ocasião, Adelino Guambe visitou o grupo no Ghana e disse aos seus componentes que os escritórios da Frelimo em Dar-es-Saalam haviam sido encerrados e que estava a pensar em mudar-se para a Somália.
Mas o grupo não acreditou e insistiu em regressar a Dar-es-Saalam para se inteirar da veracidade dos factos. Uma mentira orquestrada sobre a sua decisão, os elementos do grupo foram presos, com o risco de serem mortos.
Na sua intervenção, Lopes Tembe destacou o papel de Eduardo Mondlane para a formação duma frente única.
Foi explicado no simpósio, que hoje termina, que o nome Frente de Libertação de Moçambique vem da UDENAMO e a primeira bandeira da Frelimo foi inspirada na da Tanzânia.