QUANDO chegamos a Michangulane, uma pequena localidade do Posto Administrativo de Changalane, distrito de Namaacha, província do Maputo, dois funcionários do Posto dirigiram-se a equipe de jornalistas do “Notícias”, com um olhar de desconfiança. Eram caras novas na localidade que, raras vezes, recebe visitas. “Não é fácil ser dirigente nesta localidade. A população acusa-nos de não trabalhar porque falta quase tudo”, reclama Alfredo Macaringue, secretário do bairro Michangulene sede.
Michangulane localiza-se entre o cruzamento de Goba e Changalane. Com mais de dois mil habitantes, divididos em dois bairros, Michangulene Sede e Mafavuca, a zona não tem unidade sanitária, posto policial, salas de aulas suficientes para todos os alunos. Tem apenas dois furos de água a funcionar e três salas de aulas para leccionar de 1ª até a 7ª classe. A corrente eléctrica foi estabelecida apenas nas casas próximas da estrada.
Entre casas, maioritariamente de pau a pique, Macaringue conta que, há alguns anos, se morria muito no povoado. As crianças eram as principais vítimas e não se encontrava explicação para estas mortes. As pessoas adoeciam e em pouco tempo pereciam. A vida na localidade estava quase que paralisada.
“Já não conseguíamos ir a machamba. Enterrávamos as pessoas quase todos os dias”, contou o interlocutor. Geralmente, no campo, quando há infelicidades, a vizinhança não trabalha na machamba, em gesto de solidariedade.
O secretário do bairro de Michangualane , relatou-nos um episódio segundo o qual uma criança contou aos amiguinhos que a avô lhe ensinava a enfeitiçar. Dizia ela que quando a avó fosse a casa de alguém e lhe dessem esteira para sentar ou se ela oferecesse algo, especialmente plantas ou flores, era sinal de que essa pessoa seria sua vítima.
A menina, na altura com três anos, apontou outras quatro idosas como cúmplices dá avó. O relato espalhou-se por todo o bairro. Consequência: dois jovens da zona armaram-se de catanas, paus, facas e machados e dirigiam-se a casa das cinco anciãs . Sem piedade, nem compaixão pela pessoa idosa, espancaram-nas violentamente. Três delas perderam a vida no local e outras duas foram socorridos e levadas ao hospital.
“Ouvimos gritos. Era noite. Corremos para a casa de uma das idosas, a avó menina, e a encontramos estatelada no chão. O sangue escorria. Até introduziram paus nos seus órgãos genitais”, contou Carolina Sitoe, 62 anos de idade.
Enquanto olhavam para esta idosa, os assassínios matavam outras vítimas. “Foi uma noite horrível, que marcou a todos nós” lamentou.
Os assassínios destas idosas foram detidos e levados à cadeia. “Não voltamos vê-los mais na zona. Acredito que ainda estão na prisão”, suspeita Macaringue.
Enquanto a população chorava pela morte das anciãs pela forma bárbara como foram assassinadas, uma outra residente perdeu o braço, amputado por desconhecidos. “A vítima deslocava-se para a casa da vizinha no final do dia quando surgiu uma viatura e a encostou. Sentiu o braço cortado e gritou”, relatou Carolina Sitoe.
Não se sabe ainda que instrumento foi usado para o cometimento daquela barbaridade.
A população acredita que as pessoas que cortaram o braço a esta cidadã estão envolvidas em crimes de extracção de órgãos humanos porque nas localidades circunvizinhas se assistia muitos assassinatos e extracção de partes do corpo.
Estes crimes deixaram os residentes de Michangulane aterrorizados. Os residentes não usam as casas de banho externas nas noites. Colocam baldes ou bacias dentro de casa para satisfazerem as suas necessidades biológicas porque tem medo de bandidos.
O clima de medo é tal que as meninas temem muito ir a escola as primeiras horas da manha , sobretudo no inverno, quando não tem dinheiro para apanhar um carro até ao estabelecimento de ensino em Mahelane ou Changalane.
“Elas queixam-se de existirem homens que lhes perseguem. Temem ser violadas”, diz Angelina Leonardo, 27 anos de idade.

Ana Fernando
Os partos a luz da vela
A população da pequena localidade de Michangulane, queixa-se de muito mais coisas que as afligem. Não há iluminação nas ruas. Quando anoitece, tudo fica as escuras. Alguns partos são feitos a luz de vela ou candeeiro num casebre que funciona como posto de primeiros socorros. O centro de saúde mais próximo localiza-se em localidades distantes e é preciso carro para transferir os doentes sobretudo mulheres em serviço de parto. Há partos feitos a caminho do hospital.
“Por falta de uma maternidade, uma parturiente não conseguiu chegar ao hospital. Deu a luz pelo caminho e não tínhamos instrumentos adequados como facas, tesouras para assistir o parto. Recorremos ao caniço para cortar o cordão umbilical e embrulhamos numa capulana que tivemos que rasgar na hora”, lembra Sitoe.
Ana Fernando, agente comunitário da saúde presta os primeiros socorros. Faz o teste de malária e medica aos doentes.
Ela também ajuda as mulheres durante a gravidez. Em dois meses, atendeu 1383 doentes. Destes, 118 fizeram o teste de malária e acusou positivo.
Enquanto conversávamos, Ana atendia uma criança que tinha malária.
“Os doentes de malária tomam os medicamentos aqui no posto para melhor cumprirem com a medicação”, explicou.
No posto não se faz o teste de HIV/SIDA. Estão lá disponíveis preservativos para quem quiser.
Os moradores de Michangulane não se recordam não tem memória da presença da presença, naquela localidade, de uma organização ou agentes do Ministério da Saúde a fazer campanhas de sensibilização para a prevenção do HIV/SIDA e testagem voluntária. Para se informarem do seu estado serológico, as pessoas deslocam-se a Mahelane ou Changalane ou ainda Goba.
“Visitamos as pessoas em tratamento antiretroviral e fazemos perceber a importância do medicamento na melhoria da qualidade de vida do paciente”, informou-nos.

Alfredo Macaringue
Sexo e bebidas divertem jovens
Quando anoitece, a maioria dos jovens desloca-se as barracas que se encontram junto a estrada que liga Boane e Changalane. É lá onde quase tudo acontece: Bebe-se, fuma-se e pratica-se sexo ocasional.
A bebida chamada “Tentação” , com alto teor alcoólico, é a preferida por muitos jovens e idosos por ser a mais barata e acessível. Quando os jovens estão sob efeito de drogas, já não olham para a mulher com a qual se envolvem.
“ As meninas daqui não são sérias envolvem-se com muitos parceiros. Uma rapariga pode se envolver com cinco homens”, lamentou Gildo Massingue, 22 anos.
Nestes locais de diversão nocturna, frequentam também crianças e adolescentes. Em Moçambique, a lei não permite a entrada em locais de diversão nocturna, a pessoas com idade inferior a 18 anos, mas em Michangulane, como em outros locais, este instrumento legal não é cumprido.
As raparigas ficam grávidas ainda cedo. Não tem marido. Acrescem a responsabilidade aos pais de cuidar de mais crianças. “ Quando estão grávidas desistem a escola mesmo tendo condições para lá chegar” observa Leonardo, um morador do bairro.
“A localidade precisa de ser parcelada e definir-se locais para a construção de parques de diversão para menores de idade porque acabam recorrendo a barracas por falta de alternativas”, sugere Inácio Massinga, 23 anos.
Em caso de briga nas barracas não há posto policial onde a população possa recorrer na hora. “Os dirigentes e representantes de organizações passam por esta localidade para Goba e Changalane, mas se esquecem de nós”, queixa-se Macarringue.
Para os habitantes e autoridades locais, Michangulane está abandonado. É uma localidade esquecida e que reclama por uma maior atenção por parte das autoridades governamentais a todos os níveis.
Muitas mortes poderão continuar a ocorrer se não for instalado um posto médico condigno em Michangulane . Também muitas vidas estarão em risco pelo ascendente da criminalidade e também por causa do HIV/SIDA que periga a vida de milhares de jovens.
- Evelina Muchanga