TENDEM a crescer, na cidade de Maputo, os casos de violação sexual de mulheres, particularmente de menores, aliados, muitas vezes, a mitos e crenças, segundo as quais actos macabros como aqueles podem livrar o homem de problemas sociais. No primeiro trimestre deste ano, pelo menos 188 menores foram sexualmente abusadas por indivíduos com idades comparadas as dos seus pais. Só nas últimas três ou quatro semanas, a Polícia registou 15 casos do género na província e cidade de Maputo.
Dos episódios mais gritantes, aconteceu há dias no bairro Campoane, distrito de Boane, onde um jovem de 17 anos de idade estuprou um bebé de apenas 18 meses. Outro caso é de um senhor de nome Simeão que agrediu e violou sexualmente a sua própria mãe, uma anciã de 92 anos de idade.
Líderes comunitários e cidadãos anónimos das zonas onde alguns destes crimes se deram, aventam, quando contactadas pelo “Notícias”, que as violações sexuais de mulheres e principalmente de crianças podem estar associadas ao desespero de busca da cura do HIV/SIDA por parte dos violadores.
“Trata-se de uma prática obscura que os curandeiros incentivam os homens a manter relações sexuais com uma mulher mais jovem para a cura do HIV/Sida”, considera Tomás Cuambe, líder do bairro de Inhagóia, nos arredores da cidade de Maputo.
Existem ainda, segundo a nossa fonte, actos justificados pela pobreza e práticas de enriquecimento fácil, levando médicos tradicionais a incentivar a violação de uma mulher mais velha, podendo ser a mãe.
“Alguns provedores de medicina tradicional incitam ao homem a se relacionar com a própria mãe para enriquecer facilmente. Já tivemos casos deste género aqui no bairro e o jovem em causa acabou enlouquecendo”, explicou o ancião.
Por sua vez, o secretário de 25 de Junho B, Fernando Bila, considera as violações sexuais de mulheres e crianças um “cancro” que preocupa as autoridades e que está longe de ser resolvido.
“Este é um cancro que dificilmente venceremos no bairro. Só nas últimas semanas registamos dois casos graves, excluindo aqueles que se consegue resolver a nível familiar”, disse Bila.
Falando sobre como aqueles crimes são protagonizados, a fonte relacionou-os ao consumo de bebidas alcoólicas e a falta de iluminação pública.
“Temos alguns casos de criminosos que em altas horas da noite se encontram nas barracas a consumir álcool, interceptam as vítimas quando regressam do seu local de trabalho e/ou das escolas”, disse a nossa fonte.
Outro cenário que se assiste nas comunidades tem a ver com pais ou padrastos que violam seus filhos ou enteados, muitas vezes, com conivência das mães.
Fernando Bila disse que recentemente no bairro 25 de Junho um padrasto violou sexualmente a respectiva enteada e, por medo de perder o marido, a mãe preferiu não denunciar o sucedido junto das autoridades, tendo as estruturas locais descoberto o caso mais tarde.
Corredores de morte
O cenário de violações sexuais nos bairros atingiu grandes proporções nos últimos tempos ao ponto de as mulheres sentirem-se proibidas de circular nalgumas ruas, consideradas de “corredores de morte”.
A nossa Reportagem escalou vários bairros com elevados índices deste tipo de crimes, com destaque para os vizinhos 25 de Junho e Inhagóia, onde ouviu os residentes preocupados por não mais poderem circular em alguns pontos das suas zonas de habitação a partir mesmo das primeiras horas da noite.
“Sempre que fico fora de casa até às 19 horas o medo de ao voltar deparar-me com o grupo de malfeitores que acampa no mercado a espera de mulheres para assaltar e violar me consome”, afirmou Laurinda José, residente do bairro de Inhagóia.
Ao que soubemos naquele ponto da capital, pelo menos dois casos registam-se por semana e não raras vezes alguns resultam em morte da vítima.
“Por semana ouvimos no mínimo dois casos de violação em que um é protagonizado dentro de casa e às vezes termina com a morte das vítimas”, lamentou Virgínia Artur.
Quanto às explicações do fenómeno de violência intra domiciliar, o secretário do bairro disse que muitas das vezes as mulheres, receando perder o lar, acabam omitindo os abusos protagonizados pelos pais contra elas e/ou filhas.
Uma das preocupações do ancião de 25 de Junho é o facto destes casos serem mantidos em segredo nas famílias alegando protecção da harmonia no lar.
“Muitas família acobertam este problema sempre que acontece, em nome da protecção da família o que contribui para que continuem a ser perpetrados e nunca estancados tal como devia acontecer”, lamentou Bila.
Entretanto, alguns líderes dos bairros não tomam conhecimento da sua ocorrência, levando-os a ignorar a sua existência.
O secretário do bairro de Inhagóia, Felisberto Soquiço disse ao “Noticias” não ter registado nos últimos tempos, algum sinal de violação, quer contra a mulher, quer contra a criança.
“Este bairro é muito calmo, o que faz que todas as tentativas de cometimento de qualquer crime sejam frustradas pela corporação do Posto Policial”, disse Soquiço.
Fenómeno inconcebível - condena Reverendo Dinis Matsolo
O reverendo Dinis Matsolo, da Igreja Metodista Wesleyana de Moçambique, considera inconcebível que a pessoa a quem é dado o dever de proteger seja o actor de crimes contra mulher e criança.
“De facto, todo o processo de violação constitui um fenómeno muito estranho. Não existe uma explicação possível para o desrespeito aos direitos da criança e da mulher que devem ser assegurados por este homem que as viola”, lamentou Matsolo.
Como caminho para a redução dos casos de violação sexual, o pastor defende a necessidade da igreja intensificar o seu papel educador dos homens e de busca de equilíbrio espiritual entre todos os membros da sociedade.
“As igrejas devem continuar a levar avante o seu papel de moralização da sociedade e de dar voz aos que não têm para que possam se defender e capacitar as pessoas para que consigam falar por si”, afirmou.
O líder religioso vincou ainda a necessidade de desenvolver acções concretas para estancar o cenário que pelas proporções que atingiu nos últimos tempos a responsabilização se torna fraca.
“A mulher e a criança ao longo dos tempos mereceram atenção espacial e é por isso que se deve para além de punir os irresponsáveis que o causam, mas também proteger as vítimas”, explicou o reverendo Dinis Matsolo.
Devemos prestar atenção aos sinais – explica Delfina da Silva, psicóloga
Uma mulher ou criança que viva num ambiente que possa culminar ou propicie a ocorrência de estupro tende apresentar alguns sinais comportamentais diferentes.
Segundo Delfina da Silva, psicóloga e docente da Universidade Eduardo Mondlane, as crianças que vivem em lares ou meios violentos emitem sinais que, se os vizinhos, amigos e/ou professores estiverem atentos, podem evitar que ela seja abusada.
“Um dos sinais é a mudança de humor sempre que entra o agressor e tendências agressivas diante deste quando se trata de alguém com quem convive”, explicou a nossa fonte.
Outras vítimas tendem a ficar retraídas e começam a ter medo de ficar sozinhas com algumas pessoas e caso o agressor seja alguém de fora elas tendem a apresentar medo de sair às ruas sem acompanhamento.“Um homem que tenha tendências a ser agressor manifesta através da vontade de dar carinho e tocar nas partes íntimas de uma criança”, referiu Delfina da Silva.
Quando questionada sobre as motivações deste tipo de comportamento, a nossa fonte referiu que muitas vezes está aliado a um desequilíbrio emocional ou psicológico do violador que gera a necessidade de satisfação sexual de forma fácil.
“Muitos homens, que aparentemente sejam normais, podem ter intervalos intensos de descontrolo, daí que tendem a se arrepender após o acto e não conseguem explicar que motivações estariam por detrás da acção”, disse a nossa interlocutora.
Falando à nossa Reportagem, Delfina da Silva referiu que as violações sexuais têm consequências trágicas nas vítimas, que vão desde a regressão no desenvolvimento e na aprendizagem até ao trauma.
“Este crime sempre resulta em trauma tanto para a criança e para mulher que pode ir até a perda do esfíncter que é responsável pelo controlo da expulsão de fezes e de urina”, concluiu Delfina da Silva.
Nunca mais se é a mesma pessoa – defende a psicóloga
Uma vítima que tenha passado por uma situação de violação sexual fica, quase sempre, com lembranças que a perseguem para o resto da vida. Uma das saídas para minimizar esse trauma é o acompanhamento psicológico, que ajuda a superar alguns medos.
Tal como defende a psicóloga Delfina da Silva, é imprescindível o acompanhamento por parte de um especialista, para qualquer pessoa que tenha sido vítima ou tenha vivido um cenário de agressão.
“Uma criança que tenha sido estuprada, nunca mais volta a ser a mesma, o que há a fazer é fornecer ajuda para superar o medo de conviver e de voltar a se envolver num novo caso”, explicou a psicóloga.
O “Noticias” conversou com algumas mulheres que terão sido vítimas deste acto macabro e afirmaram que desde que aconteceu, as lembranças as perseguem, dia após dia, não esquecendo de como tudo aconteceu.
“Quando ele tentava concretizar o acto peguei nos seus órgãos genitais, machucando fortemente como forma de se proteger, e depois enfureceu-se e bateu-me violentamente causando ferimentos graves na cara e deslocamento de dentes”, disse C. Mulhuine.
Uma das piores consequências deste crime é a falta de reintegração nas suas famílias e na sociedade onde vivem, passando a ser vítimas de preconceito.
“Crianças estupradas quando muito novas podem até não casar e o preconceito faz com que elas não superem os medos e o trauma de alguma dia ter sido abusada, o que se pode agravar se for por alguém da família”, explicou Delfina da Silva.
Mudanças podem ainda ocorrer na rotina e no relacionamento com as pessoas, na forma de encarar a vida, e em caso de ser menor, em todo o seu processo de crescimento e aprendizagem.
“O medo toma conta das pessoas, daí que tende a estar mais retraídas e fechadas ao mundo, e uma mulher pode até não conseguir se envolver com outro homem, porque nunca se esquece da violência sofrida”, frisou a psicóloga Delfina da Silva.
Polícia incapaz de evitar violações – segundo Arnaldo Chefo, da PRM
A Polícia da República de Moçambique (PRM) mostra-se incapaz de conter as violações sexuais porque na sua maior parte ocorrem dentro das residências.
Arnaldo Chefo, porta-voz da PRM ao nível da capital, disse ao nosso Jornal que a luta contra os crimes que acontecem dentro das residências é mais difícil devido as limitações que as autoridades têm para invadir as habitações.
“Existem os chamados crimes intra-domiciliários, os que acontecem no seio da família, e limitam a actuação da Polícia, contrariamente aos delitos públicos, os que ocorrem em espaços abertos”, disse Chefo.
Contudo, disse que quando estes delitos vêm ao conhecimento das autoridades, a actuação vai desde a responsabilização do violador até ao acompanhamento da vítima pelo Gabinete de Atendimento a Mulher e Criança Vítima de Violência.
Chefo disse ainda que em termos numéricos, o crime não representa motivo de grande alarme, mas a repercussão que tomam na sociedade faz com que ganhem notoriedade.
“A Polícia tem registado casos de abuso sexual de menores que, pelas cifras não são assustadores, mas pela dimensão e consequências que trazem a sociedade, despertam muito interesse e reflexões”, afirmou a nossa fonte.
Quando questionado sobre os factores que condicionam ou propiciam a ocorrência desta brutalidade, Chefo disse que se deve, geralmente, a vulnerabilidade das vítimas, aliado ao desequilíbrio psicológico dos criminosos.
“Na maior parte de casos, este fenómeno é condicionado pelo consumo de álcool e de drogas pelo violadores que perdem controlo emocional e da necessidade de suprir carências por parte das mulheres e crianças em situação difícil”, revelou o porta-voz da PRM.
A falta de iluminação pública nos bairros e de condições básicas de segurança nas noites concorre também a actuação dos malfeitores, uma vez que muitas áreas da periferia não possuem iluminação pública.
O que se passa na cabeça deles?
Uma das grandes perguntas que inquieta a sociedade e as autoridades quando casos destes são despoletados é perceber o que estaria por detrás do comportamento do violador ao abusar sexualmente uma mulher ou criança.
Uns chegam a confessar o crime e outros alegam ser fruto de negociação com a vítima. É o caso de um jovem de 22 anos identificado apenas por Silva, que violou sexualmente uma mulher e disse ao “Notícias” ter sido fruto de negociação prévia.
“Eu não a violei, pois combinamos tudo antes. Só que eu não tinha o dinheiro suficiente para lhe pagar”, disse Silva, reconhecendo não ter agido correctamente com ela, ao não ter lhe dito antes do acto sexual, que não possuía o valor completo.
Alguns violadores assumem serem autores de tal crime, e quase sempre afirmam não ser a primeira vez que o fazem. É o caso de Aly de 28 anos que tentou violar uma anciã de 77 anos de idade e alegou i efeito de álcool para justificar o crime.
“Esta não é a primeira vez que faço isso, trata-se da quarta situação em que me envolvo. Não sei o que me acontece, sempre que bebo tenho comportamento agressivo”, explicou o jovem, para quem o avançado estado de embriaguez influenciou o seu desequilíbrio.
Os agressores contactados pela nossa Reportagem, dizem estar arrependidos pelo crime que cometeram, apesar de já terem cadastro sujo nos bairros onde vivem.
“Nunca faria isso se não tivesse perdido o controlo emocional. Por conta disso já tenho uma má imagem no seio das pessoas e eu mesmo não sou mais o mesmo depois daquilo”, narrou Silva, arrependido.
- Ana Rita Zucule