A prática "kutchinga", que obriga uma viúva a ter sexo desprotegido com um parente do defunto, foi abolida, informa o site alemão Deutsche Welle.
A abolição da kucthinga ou kupitakufa deve-se a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO). Agora, os curandeiros filiados à AMETRAMO ficam proibidos de recomendar práticas tradicionais de purificação de viúvas através de relações sexuais desprotegidas.
A crença local de que era necessário o ritual para purificar as viúvas poderá ter contribuído para a propagação da SIDA no país que, com 11,5% da população atingida, regista um dos maiores índices de seroprevalência no mundo. De acordo com os dados revelados pela DW, a infecção com HIV no país é mais elevada entre mulheres e homens viúvos, situando-se respectivamente em 36% e 29%.
Rituais de purificação alternativos não nefastos
Para além de obriga a viúva a relações carnais desprotegidas, o kutchinga ainda pode implicar o seu casamento com um parente do defunto, mesmo que aquele já seja casado. Como alternativa, pode ser indicado um membro da comunidade considerado purificador nato e com experiência suficiente para realizar o ritual.
Baseado na crença de que a purificação da viúva afasta os azares e infortúnios que vêm dos espíritos e ancestrais, o kucthinga é praticado sobretudo nas zonas rurais.
Fernando Mathe, porta-voz nacional da AMETRAMO e curandeiro há vinte anos, explica que o que levou a sua organização a abolir este ritual foi a constatação que por vez o indivíduo que vai concretizar o ritual é seropositivo. Citado pela DW, Mathe acrescenta que "também pode ser a senhora que está afectada. Então a crença acaba por expandir a infecção e ser prejudicial".
Questionado pela DW África sobre que rituais estaria a AMETRAMO a considerar para substituir a prática do kutchinga, o porta-voz aponta "o uso de algumas ervas para se fazerem os banhos, dar um banho à pessoa, limpar a casa e usar outros meios".
Mulheres acolhem abolição de forma positiva
As mulheres já atingidas por esta prática acolheram de forma positiva a abolição. Deolinda Khossa, residente no bairro 25 de Junho, nos arredores de Maputo, partilhou a sua história à DW África. Khossa explicou que perdeu o marido há alguns anos e a foi forçada pela família a faz kutchinga com o cunhado. "Nessa relação contraí uma tosse que não passava. No hospital diagnosticaram-me tuberculose e SIDA." A ex viúva refere que desde então não conseguiu fazer mais nada para se sustentar e que a família do actual marido abandonou-a, sem dar qualquer tipo de assistência a ela e aos filhos. Citada pela DW, Deolinda Khossa afirma com clareza, "Estou feliz pelo da kutchinga".
Multas para quem persistir na prática
Segundo Fernando Mathe estão previstas sanções para os curandeiros que persistirem na prática destes rituais,como uma multa de 2500 meticais. Se o curandeiro reincidir poderá ser interditado a exercer a sua profissão.
A mudança de atitude dos vários actores da sociedade é um dos desafios mais imediatos. Teresa Xavier, membro da Kindlimuka e da MONASO, rede de organizações não governamentais ligadas ao combate da SIDA, saúda a decisão de abolir o kuchtinga: ”É a decisão acertada”. Isto porque “era uma cadeia de transmissão que nunca mais parava a propagação do HIV em Moçambique”.
@SAPO – 04.06.2012