“Não foi um mero capricho o que me levou a propor a criação da Associação Cívica Pró-Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe. Decidi fazê-lo em face da situação muito específica em que nos encontrávamos”. É um artigo de Gastão d´Alva Torres, para pôr luz na verdade histórica do país.
Não foi um mero capricho o que me levou a propor a criação da Associação Cívica Pró-Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe. Decidi fazê-lo em face da situação muito específica em que nos encontrávamos.
Tinha-me deslocado a Libreville para relatar à direcção do MLSTP os
resultados altamente positivos dos nossos encontros com o Major Melo Antunes, coordenador do Movimento das Forças Armadas e ministro sem pasta, que liderava o dossier da descolonização; Dr. Álvaro Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português e o Dr. Salgado Zenha e o Prof. Jorge Campinos, estes representantes do Partido Socialista, e da brevíssima conversa tida com o primeiro-ministro, o Brigadeiro Vasco Gonçalves, em que todos manifestaram o seu apoio inequívoco ao nosso desejo de independência.
Tendo também informado que a nossa delegação era sempre constituída por três dos quatro seguintes elementos: António Figueiredo da Graça do Espírito Santo; Quintero Amaral Aguiar; António Pires Lombá e eu.
Foi então que me informou o secretário-geral do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, Dr. Manuel Pinto da Costa, que receavam ir para São Tomé e Príncipe promover a mobilização da população, pelo facto de ainda não se encontrar estabilizada a situação política em Portugal e poder dar-se uma reviravolta, dado o confronto que opunha a facção spinolista, que mantinha uma indefinição suspeita em relação à independência de São Tomé e Príncipe, ao Movimento das Forças Armadas e partidos de esquerda, que apoiavam sem ambiguidades a sua descolonização.
Regressado a Lisboa e perante o facto de constatar que os nossos elementos – estudantes e outros – que militavam em São Tomé e Príncipe necessitavam de uma estrutura que representasse o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe de forma organizada, e dado que não tinha trazido qualquer instrução de Libreville sobre o assunto, optei por me aconselhar com o Prof. Jorge Campinos, com quem tinha boas relações, à busca de uma solução.
E foi dele a sugestão de que uma associação cívica poderia colmatar a necessidade que eu sentia da existência de um corpo, devidamente organizado, dentro do território, que prosseguisse os objectivos pretendidos pelo Movimento.
Segui imediatamente para São Tomé e Príncipe e comuniquei aos nossos militantes que a direcção do Movimento, sediada em Libreville, não tencionava entrar então no país e que se deviam organizar, a fim de a representar perante o povo e as autoridades coloniais, dado que o não podia fazer, porque então não me era possível fixar-me no território, por causa das constantes deslocações que a minha tarefa me impunha.
Em seguida, falei com o governador da colónia e anunciei na Rádio que ia ser criada uma organização, que representaria o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe no território e parti para Lisboa.
Nem sequer tomei parte em qualquer reunião, em que se tenha debatido qual seria a constituição dessa organização, nem tão pouco interferi na escolha de qualquer dos seus dirigentes.
E assim foi, porque desde Novembro de 1962 dirigi internamente, ainda que clandestinamente, a actividade possível do Comité e do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe e tive a oportunidade de nas nossas longas reuniões de muitos anos acompanhar a evolução dos nossos elementos que então se encontravam no território e em Lisboa, pelo que os considerava devidamente aptos para a ingente tarefa que os aguardava.
Essa organização disporia de total autonomia, desde que agisse em prol dos objectivos prosseguidos pelo Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe.
Depois do anúncio de que iria ser criada a Associação Cívica Pró-Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, parti confiante, porque certo de que nos encontrávamos profundamente irmanados no mesmo desígnio e de que reuniam todos os requisitos para levar a bom termo a sua missão: Inteligência, coragem e determinação.
Que mais lhes poderia dar eu?
Que me lembre, apenas regressei a São Tomé e Príncipe em Setembro de 1974, já decorridos muitos meses após a criação e a actividade da Associação Cívica.
Diga-se que essa estada no território deveu-se a um pedido do governador da colónia, através do Dr. Vítor Pereira de Castro, aquando da morte de Giovani, por ter receado que a difícil situação então vivida, descambasse em algo ainda muito mais grave, dado que esse acontecimento provocou uma profunda emoção nos militantes da Associação Cívica.
Daí que rejeite em absoluto essa obcecação dos que pretendem que partilhe o que me não pertence, até porque, e digo-o sem a menor veleidade, estou consciente de também ter dado algum contributo, ainda que modesto, para a independência do nosso país, o que, de resto, era o meu dever.
É, porém, verdade que sempre apoiei a Associação Cívica. E não só nos momentos em que toda a direcção do MLSTP se aproveitou dela, mas também naqueles em que foi injustamente caluniada e perseguida pelos que viram frustrados os seus intentos e pelos que passaram a temê-la, porque recearam que os seus elementos viessem a disputar-lhes o poder, porquanto a independência do país já se encontrava assegurada.
Que se informem junto de qualquer dos seus elementos, mesmo daqueles que mais tarde se bandearam para o campo dos que a caluniaram e traíram, se alguma vez instiguei os seus elementos à prática de qualquer acto. Para quê, se tudo corria conforme o almejado?
Mas se tal tivesse acontecido, certamente só teria motivos para me sentir orgulhoso, pois sempre considerei meritória a sua decisiva contribuição para a independência de São Tomé e Príncipe, verificada em 12 de Julho de 1975, graças à sua actividade.
De facto, foi a proficiente actuação da Associação Cívica que peremptoriamente convenceu os colonialistas de que o povo de São Tomé e Príncipe pretendia pura e simplesmente a sua independência total e imediata e fez gorar as manobras dos pseudo-anti-colonialistas e dos colaboracionistas, demonstrando-lhes que não estávamos interessados em qualquer autonomia regional ou federação.
Não é justo que me queiram atribuir os louros da Associação Cívica, porque não são meus; mas repito, não tenham a menor dúvida, sentir-me-ia muito feliz e honrado, se também os pudesse compartilhar com os membros dessa organização, cujo admirável trabalho é a todos os títulos louvável e será um dia devidamente reconhecido pelos historiadores que, espero-o, também não se esquecerão daqueles militantes, como: Norberto Cordeiro Nogueira da Costa Alegre, Quintero Amaral Aguiar, Pedro Bragança Gomes, José Amílcar d’Alva, Lereno da Mata, este cobarde e inexplicavelmente assassinado pelos esbirros do governo, e alguns outros elementos nossos, que nem sequer conheci, porque era imprudente contactarem-me, nessa fase clandestina em que todas as cautelas eram poucas.
Pois, não obstante o terrível massacre de 1953 e a incessante vigilância da temível Pide, acolitada pelos seus inúmeros informadores (alguns destes bem conhecidos, que mesmo agora se atrevem a emitir opiniões), durante muitos anos esses nossos militantes puseram as suas vidas e a subsistência das suas famílias em risco, deslocando-se semanalmente a várias localidades do país, para preparar a população para a ansiada independência e enviando informações para o exterior.
Felizmente têm sido reconhecidos os relevantes serviços prestados à Nação por Alda da Graça Espírito Santo.
Apenas caluniaram a Associação Cívica e não reconhecem a verdadeira importância da sua excelente actuação em prol da independência de São Tomé e Príncipe, os que se limitaram a desfrutar o trabalho alheio, muito requentadinhos no seu ripanço em Libreville e, mais tarde, vieram usufruir os resultados das actividades levadas a cabo pelos que se entregaram generosamente ao árduo trabalho de mobilizar o povo, sem quaisquer calculismos e sem se preocuparem que as suas vidas estariam em risco, caso houvesse a tão temida mudança da situação política em Portugal.
Muitos deles óptimos estudantes que, por iniciativa própria e não por qualquer directiva do MLSTP, se prestaram a ir para o território para cumprir o que tinham como um dever sagrado.
Enquanto outros entenderam que a preservação das suas vidas se sobrepunha ao que estava em causa, a independência do país.
Esses caluniadores, enquanto precisaram dela, até a defenderam das “prepotências” do regime colonial, considerando todos os seus actos legítimos, como se verificou na seguinte alocução do primeiro-ministro, Leonel Mário d’Alva, proferida em 13 de Março de 1975 e nessa comunicação do Bureau Político, lida na Rádio Libreville, por um dos seus membros, José Fret Lau Chong, em 14 de Março.
Alocução do primeiro-ministro, Leonel Mário d’Alva, proferida em 13 de Março de 1975
clique - Anexo 1 http://www.telanon.info/wp-content/uploads/2012/07/Anexo-1.pdf
Comunicação do Bureau Político,
lida na Rádio Libreville por José Fret Lau Chong, em 14 de Março
clique – Anexo 2 http://www.telanon.info/wp-content/uploads/2012/07/Anexo-2.pdf
De resto, a actuação da Associação Cívica foi sempre apoiada e incentivada pela direcção do MLSTP nas suas emissões de rádio, emanadas de Libreville.
Ainda que, após o Acordo de Argel, em que ficou definitivamente assente a data da independência do país, nada mais no essencial pudesse ser modificado, tudo se transformou, perante mais uma ameaça do alto-comissário e que consistiu em que iria sugerir ao governo português:
A antecipação da data da independência para fins de Março ou para Abril;
A retirada de todos os portugueses do território;
O cancelamento de toda a ajuda económica de Portugal ao território.
Uma ameaça que, ainda que pudesse ser concretizada, pouco afectaria o fundamental, a independência do país.
Pelo que confesso com toda a humildade a minha incapacidade, até aceito, que digam, a minha incompetência, por não ter até hoje compreendido a verdadeira causa da viragem que se processou em quase todos os membros do Bureau Político do MLSTP em relação aos elementos da Associação Cívica, que dias antes tinham sido ardorosamente defendidos pelo primeiro-ministro em “patriótica” alocução e numa inflamada comunicação da direcção do Movimento, não menos “nacionalista”, mas que, afinal, não passou de uma cantilena.
Mas o que é insofismável, inventem eles o que quiserem, é que toda a actuação da Associação Cívica, pelo menos até 14 de Março de 1975, foi inteiramente sufragada pela direcção do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, com excepção de Carlos Graça, que confessa, que já anteriormente vinha tramando a sua destruição com as autoridades coloniais.
Pelo que, se houvesse um mínimo de dignidade, acontecesse o que acontecesse, a nossa postura devia permanecer sempre a mesma.
Como explicar essa mudança tão repentina, sabendo sobejamente toda a direcção do MLSTP que tudo quanto diziam contra a Associação Cívica não passava de uma execrável maquinação movida por pessoas sem o menor escrúpulo, que inventavam as mais soezes mentiras?
O que aconteceu foi que perante uma divergência entre a direcção do MLSTP e o alto-comissário acerca da dissolução da companhia de caçadores, seguida de algumas ameaças suas, decidimos, o Bureau Político, em Libreville, que o assunto deveria ser discutido com o governo português, que era a entidade competente para o efeito, segundo o estabelecido no Acordo de Argel. Para isso, tinha ficado assente que se enviaria uma delegação a Portugal.
Essa delegação deveria ser constituída por Miguel dos Anjos Trovoada, João Guadalupe Viegas de Ceita e António Barreto Pires dos Santos, tendo o primeiro, no que era useiro e vezeiro, invocado doença súbita para se descartar dessa missão.
Daí que tenha recusado acompanhar o secretário-geral do MLSTP, quando em 17 de Março de 1975 apareceu inesperadamente em São Tomé e Príncipe para se submeter ao alto-comissário. Nunca me prestaria a tal humilhação.
A que se deveu essa inadmissível submissão do secretário-geral do MLSTP? Teria receado ser chantageado por algo que teria cometido, que ignoramos?
Terá sido simplesmente por uma pura cobardia?
Ou será que apavorados com a grande aceitação e influência que os elementos da Associação Cívica tinham sobre a população e temendo que lhes viesse a disputar o poder que ansiosamente queriam desfrutar e certos de que não compactuariam com a sua aspiração de se virem a apoderar dos bens públicos, como se de herança paterna se tratasse, coligaram-se numa momentânea aliança espúria com os que também os odiavam por terem frustrado as suas pretensões neocolonialistas?
Posteriormente, pretendendo justificar o injustificável, afirmaram que pretendíamos tomar o poder, o que sabiam ser absolutamente falso.
Que actos pratiquei eu individualmente ou em conjunto com a Associação Cívica que indiciassem que pretendíamos tomar o poder? Que mencionem, ainda que seja apenas um.
O Pinto da Costa conhecia-me suficientemente bem, pelo que não ignorava que lhe teria dito e a todos os demais, frontalmente, aquilo com que não concordasse. Sempre o fiz nas nossas reuniões do Bureau Político. Jamais traí quem quer que seja.
Nunca receio desagradar, desde que fique de consciência tranquila. Sempre tive o maior desprezo pelos traidores.
Como disse atrás, conheci muito bem esses jovens, em Lisboa, nos inúmeros encontros clandestinos, de longos anos, que tivemos em Benfica, Cruz de Pau, Odivelas e Olivais Sul.
Eram jovens inteligentes que sabiam que a prioridade então era a libertação do país do jugo colonial, mas que, necessariamente, também não ignoravam que a conclusão da sua formação académica era essencial para o seu futuro e o de São Tomé e Príncipe, pelo que teriam de terminar os seus cursos.
Não tinham grandes ambições políticas? Claro que sim. E ser-se-ia muito ingénuo, se se pensasse que as não pretendiam concretizar.
Só que, em devido tempo, porquanto não podiam desconhecer que as suas qualificações académicas também seriam fundamentais para tal.
Mas se, de facto, os elementos da Associação Cívica pretendiam trair o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, o que em absoluto me
recuso a acreditar até prova (e não puras maquinações) em contrário, uma coisa garanto eu sem o mínimo receio de desmentido: nunca me aliei a quem quer que seja para traições.
Jamais pactuei com patifarias, pelo que tenho a absoluta certeza de que qualquer pessoa realmente honesta é incapaz de me atribuir algo desonroso. Quanto aos demais, direi apenas, os cães ladram e a caravana passa …
A excessiva dramatização de certos actos menos ortodoxos, mas que eu saiba nunca violentos, praticados por alguns elementos da Associação Cívica, que vem sendo orquestrada pelos tais pseudo-anti-colonialistas e pelos colaboracionistas tem como único objectivo descredibilizar essa extinta organização, porque frustrou por completo o que pretendiam. Crucificando-a, pensam que lhe retiram os méritos.
Se se comparar o que se passou em Cabo Verde nesse mesmo período com o que se verificou em São Tomé e Príncipe, até se poderá chegar à conclusão de que os da Associação Cívica actuaram como uns meros “meninos de coro”, muito longe do que é habitual em tais circunstâncias.
Mas esses militantes cabo-verdianos não só tiveram todo o apoio do PAIGC, como também não viram nenhuma Maria Madalena a carpir constantemente as suas mágoas pelas perdas sofridas ou outras destilando o veneno das suas mentes pestilentas, sedentas de vingança.
O que hoje lamento profundamente é que muitos elementos da Associação Cívica se tenham deixado contaminar pela insaciável voracidade dos bens públicos que grassa no país, desvinculando-se totalmente dos nobres ideais que inicialmente os nortearam.
Pobre País.
Gastão d´Alva Torres
Tela Non 5 Julho 2012
http://www.telanon.info/suplemento/opiniao/2012/07/05/10767/associacao-civica-pro-movimento-de-libertacao-de-sao-tome-e-principe/