Com um olhar fixo, Vena Manuel, 24 anos e quatro filhos, passa a mão na cabeça da mais nova, de dois anos, e implora que pare de chorar, enquanto se arranja numa esteira à espera do parto, numa casa próxima da maternidade.
"Eu trouxe esta criança comigo para a maternidade porque a irmã (a primogénita de seis anos) tem outras duas a cuidar", disse à Lusa Vena Manuel, esperando que nasça o "varão" da casa.
Várias mulheres do interior de Manica, centro de Moçambique, recusam-se a participar nas iniciativas governamentais de planeamento familiar, devido ao cumprimento de doutrinas religiosas e tradicionais, uma situação que tem vindo a aumentar o índice de desnutrição em crianças, alertam as autoridades locais.
Algumas seitas religiosas proíbem a medicina convencional, vedando os seus fiéis a participarem nas reuniões sobre planeamento familiar.
Várias práticas tradicionais acreditam também na ideia de que "gerar filhos é riqueza", opondo-se a métodos que possam equilibrar a reprodução.
"Há regiões que quando fala de planeamento familiar é um insulto quando estão misturadas práticas religiosas e tradicionais", disse à Lusa Alice Trinta, enfermeira do Serviço Materno Infantil no centro de Saúde de Chiuala-Honde, distrito de Barue.
"O resultado disso é o maior índice de desnutrição em crianças, porque depois a mãe já não dá atenção às crianças para ficar com o bebé", explicou.
Estatísticas da Direção Provincial de Saúde (DPS) de Manica indicam que das mais de 450 mil crianças, submetidas anualmente à triagem nutricional, pelo menos 14 mil sofrem de má nutrição e mais de um terço apresentam desnutrição aguda.
Dados do Instituto Nacional de Saúde e da Associação para Nutrição e Segurança Alimentar (ANSA) apontam para uma média de 41 por cento das crianças moçambicanas com desnutrição crónica, existindo províncias com cifras de desnutrição que vão até mais de 55 por cento.
A taxa de desnutrição varia de 20 a 55,6 por cento a nível nacional em todos os escalões etários.
"A participação das mulheres no planeamento familiar é variável, mas muito baixa. Em cada uma das seis unidades sanitárias semanalmente registamos uma mulher. Por vezes nem uma conseguimos", disse à Lusa Dickson Buanar, médico chefe do hospital rural de Tambara, norte de Manica.
"O risco de má nutrição em crianças com poucos cuidados é maior, sobretudo em distritos com carências alimentares", prosseguiu.
Apelos são diariamente lançados pelos serviços de saúde aos líderes comunitários em Manica para intensificarem a sensibilização nas suas comunidades sobre a necessidade de cuidados sanitários para o seu desenvolvimento.
"Por vezes fazemos buscas ativas nas comunidades, para que algumas mulheres façam planeamento familiar para o seu próprio bem. Há situações de mulheres de 18 anos com quatro filhos. Qual o intervalo de nascimento destas crianças?", questiona Alice Trinta.
Como forma de ajudar as mulheres com muitos filhos menores, a DPS abriu quatro centros de reabilitação nutricional, exclusivamente para atender crianças mal nutridas em Mossurize (sul), Manica e Chimoio (centro) e Barue (norte), distritos com altos índices de desnutrição.
Os centros oferecem serviços de triagem nutricional, tratamento para prevenção e controlo da má nutrição, palestras nutricionais, além da demonstração culinária para melhoria da dieta alimentar das crianças, baseado em produtos locais.
AYAC
Lusa – 07.07.2012