A questão da liberalização total do espaço aéreo não depende somente de Moçambique, mas de uma série de negociações que precisa ser feita com outros países. A posição é defendida pelo ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula face às reclamações apresentadas pela Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), que alega a existência no país de barreiras ao funcionamento do mercado de aviação civil.
Na matriz de prioridades para 2012,a CTA considera que a liberalização do espaço aéreo não é total. Para os privados, não obstante ser permitida a entrada de companhias estrangeiras e/ou nacionais para explorar certas rotas em território nacional, persistem, barreiras que consistem, por exemplo, na imposição de acordos que favorecem a companhia de bandeira, em detrimento de outras mais eficientes.
Como exemplo aponta-se a rota Maputo-Joanesburgo-Maputo em que, segundo eles, pelo poder dos acordos entre os governos sul-africano e moçambicano, apenas são permitidas a operar nessa rota em presas de bandeira dos dois países: South Africa Airways (SAA) e Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).
Na entrevista, Paulo Zucula nega qualquer proteccionismo à LAM por parte do Governo e considera que em Moçambique, a liberalização do espaço aéreo é total.
Observa, no entanto, que o importante é perceber que quando se fala da liberalização total do espaço aéreo, nem tudo depende de Moçambique, porque existem outras questões que mexem com a soberania de outros estados e que precisam de ser alinhavadas antes.
A fonte chega mesmo a afirmar que aqueles que continuam a dizer que o espaço aéreo moçambicano não está aberto estão a promover mentira ou mesmo agitação.
Siga a entrevista:
Notícias (NOT) – O sector privado queixa-se de excesso de burocracia na liberalização do espaço aéreo nacional, chegando a dizer que em Moçambique não há abertura total. Que comentário faz?
Paulo Zucula (PZ) - Penso que há várias coisas que precisam ser percebidas. A liberalização aérea, duma maneira geral, é regida pela Convenção de Chicago que compreende nove passos. Aqui estou a falar de liberalização significando espaço aéreo completamente aberto onde pode entrar qualquer avião que pretende escalar o país. A implementação das nove modalidades do ar é feita ou bilateralmente ou multilateralmente. A nível multilateral, aqui em África existe outra convenção, chamada Convenção de Yamosocro... Ao nível bilateral, o país tem acordos com quase toda a gente.
NOT – Porquê acordos bilaterais se já temos a duas convenções de dimensão internacional?
PZ - É assim porque o espaço aéreo de cada país é soberano. Além de ser soberano, tirando os países vizinhos, quando um avião voa, por exemplo, de Nairobi para Maputo tem que sobrevoar espaços aéreos de mais do que dois a três países, portanto, não compete a um único país decidir sobre esta matéria. É assim universalmente, não basta a vontade de cada país liberalizar o espaço. As nove modalidades de liberalização também passam por acordos de Mono ou Dua-designação. Significa que cada país autoriza uma linha aérea a ir para outro país. Depois daí passa-se para uma fase em que se autoriza duas companhias em cada Estado e por aí em diante. Existe ainda um acordo que se chama Quinta Liberdade que é, talvez, o mais crítico, neste momento, que passa pela autorização entre dois países ou seja, uma companhia aérea dum país pode ir para o outro passando por um terceiro país com direito a carga. É o mesmo que dizer que os Emirates podem vir a Maputo, passando por Joanesburgo com direito a carga. Portanto, para a gente tomar essa decisão têm que estar envolvidos pelo menos três países. Não pode ser somente Moçambique a decidir que os Emirates possam passar por Joanesburgo, porque isso seria uma ingerência. O mesmo não pode acontecer se a África do Sul decidir que a Luftansa tenha que passar pelo nosso país para carregar passageiros antes de entrar em Joanesburgo. É importante perceber-se que a liberalização total de espaço aéreo não é uma questão de Moçambique, havendo que negociar com outros países.
NOT – Qual é o nível actual da liberalização aérea em Moçambique?
PZ - No caso concreto de Moçambique, em 2008 tínhamos a Mono-designação ou Duo-Designação. Era a LAM que ia a Joanesburgo, tinha também autorização para ir a Harare e cada um desses países tinha a sua linha aérea autorizada a voar para Maputo. A África do Sul tinha a SAA, o Zimbabwe tinha a linha aérea local que mesmo sem usar tinha autorização para voar. Há dois anos fizemos a Duo-designação com a África do Sul em que temos duas empresas a voarem para Moçambique. Do nosso lado não temos a segunda companhia para lá. Quem ganhou o concurso foi a TTA, mas ela não tem meios. Do lado sul-africano tivemos a One-time e a SAA. Para Beira e para Nampula vai a Air Link além SAA. De Lanseria para Vilankulos vai a Britsh, portanto, o espaço está aberto.
NOT - (…) Mas mesmo assim há quem diz que não há liberalização…
PZ - Aqueles que dizem que o espaço aéreo moçambicano não está aberto estão a mentir. Qualquer avião que queira vir directamente do seu país para aqui pode o fazer. Agora existe o problema de a própria linha aérea dizer que não tem tráfego suficiente para vir para aqui e para poder o fazer temos que deixar ir a Joanesburgo ou ir ao Leshoto ou ao Botswana para reforçar o tráfego. Aceitamos só que a autorização não é nossa. Isso faz com que tenhamos que ir a outras conversações com os países onde eles queiram pousar.
LAM é invocada desnecessariamente
NOT - A CTA diz que o Governo deve deixar de proteger a LAM. Afinal que tipo de protecção é dada à LAM?
PZ – Primeiro, dizer que não há protecção nenhuma à LAM. Esta empresa é sempre chamada para o debate desnecessariamente. A LAM nem sequer entra nas negociações para a liberalização do espaço aéreo. Os acordos para liberalização são assinados entre as autoridades civis dos países. Não há nada escrito, publicado nem dito que diz que qualquer companhia que queira voar para Moçambique tenha que falar com a LAM. A negociação do espaço aéreo é entre governos, através da autoridade de aviação civil. Depois dos Governos acordarem, os países signatários indicam as companhias que devem exercer esse direito. Acontece muitas vezes que uma companhia vem dizer que quer voar para Maputo. A gente não pode aceitar de ânimo leve porque podemos estar em ingerência num país qualquer. Então o que temos de fazer é dizer a esse país que uma companhia sua quer voar para Moçambique, cabendo a esse país indicar qual é a companhia que deve vir para aqui. Em Moçambique isso é através de concurso. Portanto, repito; não há nada nem escrito, nem publicado, nem dito, sobre a autorização da LAM estabelecer acordos ou negociar a liberalização, essa é a impressão que as pessoas têm.
NOT – (…) O que será, então, que cria essa impressão de proteccionismo à LAM?
PZ – A questão central é que quando dizem que estamos a proteger a LAM não sabemos bem o que querem dizer. Mas, na verdade, quando alguém cria uma empresa tem que depois olhar para ela e não a abandonar. Não conheço nenhum membro da CTA que criou uma empresa e a abandonou. Penso que o Governo tem a obrigação de olhar para a sua companhia sem necessariamente dar o monopólio. A indústria de aviação civil é complexa. Por exemplo, a liberalização do espaço aéreo doméstico, que é voar para Beira, Nampula ou outro ponto está completamente aberta. Significa que se alguém quiser pode, amanhã, criar uma empresa, comprar os seus aviões, registar e depois voar. Até temos exemplos vários, já voou a Air Corredor, está a voar a Kaia Airways e há mais duas empresas. O mais importante é adquirir aviões e ter o licenciamento da ICAO e não é o Governo que proíbe que se criem companhias aéreas para competir com a LAM. Agora, ainda não percebo nada quando dizem que estamos a proteger a LAM.
NOT – Nalgum momento, a CTA diz que quando as companhias aéreas estrangeiras querem voar para Moçambique são obrigadas a assinar acordos com a LAM. Quer comentar?
PZ - Isso não é verdade. Isso se não é percepção é uma mentira ou agitação. Nenhum caso se pode provar de uma obrigatoriedade semelhante. É preciso ver que a LAM voou muito tempo sem acordo com ninguém. Agora, voa para Angola.
NOT – Mas quando é que se assinam acordos?
PZ - No caso de Angola, foi assinado um acordo para a TAG vir a Maputo e a LAM ir à Angola. Entretanto, a TAG não quer voar para Moçambique, então, negociou com a LAM para esta passar a levar os passageiros da TAG. Esse é o acordo que existe, mas é um entendimento entre as empresas.
NOT – E com a SAA?
PZ - Com a SAA, numa primeira fase, não havia acordo, a competição era aberta. Quando se abriu a Duo-designação as duas empresas entenderam rubricar o acordo de partilha de códigos. Então, hoje já é fácil ter um bilhete da LAM e voar na SAA e ter um bilhete desta e voar na LAM. Antigamente isso não era possível. Tinha que cancelar num e depois comprar outra passagem isso gerava uma confusão muito grande. Se hoje você vem de Joanesburgo e perde o voo da LAM e falar com esta companhia a pedir para voar na SAA e se esta tiver espaço, lhe dão a possibilidade de voar com o bilhete da LAM e elas depois se compensam. Todavia, não há absolutamente nada que o governo tenha dito, feito ou publicado para que a LAM fale com a SAA. Nós assinámos acordos com os países e o que podemos fazer é nos certificarmos se essa companhia que nos indicam está nos padrões da IATA ou da ICAO. Portanto não há nada que obriga que as empresas para voar para Moçambique tenha de negociar com a LAM. Podem vasculhar onde quiserem desde actas, Boletins da República, ou outros documentos.
Qatar Air Lines só se for voo directo
NOT – Recentemente a Qatar Air Lines anunciou que vai voar para Moçambique. Tem esta informação?
PZ - Bom, tenho essa informação pelo anúncio, mas tenho a dizer que o Qatar é um dos países com o qual estamos a negociar desde o início deste ano, não com a companhia, mas com as autoridades de aviação civil, há desejo de voar para o nosso país. Já dissemos que podem voar se for um voo directo. Mandámos uma delegação para falar com a autoridade para ver se se assina um acordo, mas o Qatar pediu para pousar num terceiro país, de preferência a África do Sul. O que dissemos é que para pousar num terceiro país tem que se falar com esse país. Outra solução é que há países que fazem isso sem falar com outro país, por exemplo, quando são os casos de Lesotho, Botswana, ou seja, países pequenos que têm Linhas Aéreas pequenas que podem dar o direito ao tráfego a um terceiro porque eles não têm como exercer. Se for Moçambique a dar essa autorização ao Qatar para pousar e carregar em Joanesburgo as autoridades sul-africanas vão dizer que levem apenas passageiros da sua companhia aérea e nesse caso seriam da LAM. Se a gente aceitar isso eles podem pousar na RAS mas estaríamos a colocar a LAM em risco sob ponto de vista de competição e de eficiência e não sei se seria correcto.
NOT – Desde que foi liberalizado o espaço aéreo moçambicano, sente alguns resultados do ponto de vista de serviços e de preços praticados para os utentes?
PZ - Sem dúvidas. Por exemplo, há dois anos, a ligação com a Europa e Ásia só tinha uma saída: África do Sul. Com a Duo.designação, com a Kenya Airways e a Etiophia Air Line a pessoa pode ir para Londres sem passar de Joanesburgo e pagar menos. De Nairobi pode ir para a Índia, para a China, também tem Addis-Abeba de onde pode se ir para maior parte dos destinos do mundo. Esta talvez seja uma rota não muito conhecida porque é uma saída nova que para os moçambicanos só existe há dois anos. Nalgumas rotas os preços são muito baratos do que a via Joanesburgo. Provavelmente, o que é mais complicado ainda é que os tempos de trânsito ou de ligação na África do Sul são mais curtos porque tem uma frequência forte. Mas, eventualmente, de Addis-Abeba os preços são mais baixos. A experiência pessoal que tenho é que viajando para Londres de Addis-Abeba os custos ficam 30 a 40 porcento mais baixos. É preciso ver também que com a liberalização a própria LAM aumentou as frequências, os destinos como é caso de Luanda, Addis-Abeba, Dar-es-Salam e Nairobi. Pode ir a Nairobi não no voo na Kenya Airways mas como passageiro da LAM. Aumentaram ainda as frequências dentro do país, Tete por exemplo, já tem dois voos por dia, em 2008 esta província só tinha três voos semanais.
NOT - Muito recentemente as companhias que operam em Moçambique reclamaram que devido à Lei Cambial não conseguem expatriar os valores das passagens vendidas a partir de Moçambique. Tem conhecimento deste problema?
PZ - Já ouvi falar, mas o que apercebi é que é um problema que tem a ver com os acordos sobre a dupla tributação. Temos locais em que estão abertas as linhas aéreas, mas ainda não há acordos de tributação. O mesmo acontece com a LAM quando vende os seus bilhetes no exterior. Em Lisboa, em Paris existe problemas de expatriação de capitais, mas penso que esse é mais uma questão de acordos entre países no sentido de se perceber como é que são feitos os investimentos e como é que são tributados.
- Titos Munguambe e António Mondlhane