Por Noé Nhantumbo
Mais uma conferência de resultados magros e inconsequentes, apenas bons para amigalhaços e sem benefícios para os povos dos respectivos países membros
Afinal mais uma vez se comprovou que diplomacia turística é o que fazem os dirigentes dos países congregados na CPLP. Mesmo naquilo que seria fácil de decidir os chefes de Estado saem de mais uma cimeira sem resultados concretos. Muito verbo e pouca substância é o que se pode dizer.
Na verdade seria importante perguntar para que se criou a CPLP. O que tinham em vista os mentores? A quem beneficia a sua existência?
À Guiné-Bissau decerto que não interessa ouvir falar de CPLP. Mesmo que se diga que a posição de apoio às autoridades legítimas era o único caminho a seguir não deixará de ser claro para muitos que havia uma concertação entre alguns países membros da CPLP favorável ao regime do dia em Bissau que ouvindo-se todas as partes ficava com o seu prestígio beliscado.
Que legitimidade tinha o governo angolano em estabelecer uma cooperação militar suspeita numa situação conturbada? A tentativa de esconder o dossier do narcotráfico como problema real vivido pela Guiné-Bissau que se estende a todos os graus da hierarquia pública não tem ajudado a resolver os problemas naquele país. As notícias cada vez mais frequentes de que a Guiné-Bissau está sendo tomada pelo narcotráfico encontram confirmação e ressonância internacional se atendermos que tanto a ONU como todos aqueles que possuem capacidade de verificação assim o afirmam. A DEA, Administração Norte-americana Anti-droga está montando no Gana, um esquema parecido ao que está implantado nas Caraíbas para monitorar e apertar o cerco às transacções dos narcotraficantes latino-americanos e mexicanos em África.
Está fora de questão e não existe qualquer dúvida que alguns países africanos estão sendo utilizados como plataformas para fazer a droga chegar aos mercados de consumo de maior importância como a Europa.
A CPLP distraída na sua agenda e desinteressada em resolver os reais problemas dos países africanos-membros, só consegue proferir declarações inconsequentes.
A CEDEAO e os países francófonos e anglófonos da região ocidental de África vão aproveitar o distanciamento da CPLP e ocupar o espaço deixado por Lisboa, Brasília, Luanda e Maputo.
Convenhamos que se o golpe de Estado em Bissau tivesse sido perpetrado por “um camarada” não haveria tanto barulho. Lisboa logo se calaria com Angola manifestando apoio aos golpistas.
De Brasília sabemos que também não haveria levantamento de ondas nem proclamações contra o golpe. A diplomacia económica dos brasileiros até queria trazer o ditador da Guiné Equatorial para a CPLP. Nem o carácter do regime os preocupa. É preciso é business e quando esse corre a contendo do lado que convém está sempre tudo bem.
O problema é só quando está na mão dos adversários. Um jogo sujo, de interesses em que só saem a perder os povos.
Com tanto potencial de conhecimentos em diversos ramos da ciência e tecnologia é de admirar como Portugal e Brasil, impulsionadores da CPLP, não tenham até agora conseguido direcionar a sua cooperação bilateral no sentido de alavancarem o desenvolvimento dos tais países irmãos de África. Está claro que a lógica emitida pelas chancelarias portuguesa e brasileira é mais no sentido de garantirem o aceso privilegiado aos recursos naturais da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.
A incursão de companhias brasileiras e da banca portuguesa estão claramente apontados para aí. Aquele sentido de intermediário entre a Europa e as ex-colónias portuguesas, papel que terá sido entregue a Portugal por Bruxelas não passa despercebido.
Construir uma organização como a CPLP como cópia do que os ingleses e franceses fizeram com suas ex-colónias redundou no que temos hoje. A CPLP é efectivamente uma organização promotora de um neocolonialismo económico. O assalto aos recursos naturais da África lusófona faz-se em total consonância de agendas com lideranças africanas pouco interessadas em democratizar seus países. Mais uma vez o que interessa é que existam organizações que propiciem o business a uns certos senhores.
Neste aspecto importa denunciar a atitude cúmplice da diplomacia portuguesa e brasileira.
Angola quando se meteu no assunto da Guiné-Bissau cumpria uma agenda de potência com meios para influenciar a seu favor os acontecimentos no terreno.
Sua confrontação e desejo de mostrar musculatura a nível africano, colocando-se ao nível da Nigéria e da África do Sul teve um desfecho desfavorável mas que continuará a ser perseguido por um país governado por uma oligarquia baseada no nepotismo, corrupção e repressão.
Portugal e Brasil tiveram e continuam a ter uma oportunidade de influenciar no desenvolvimento sustentável de seus parceiros africanos de língua portuguesa mas alguma coisa tem de mudar profundamente ao nível dos conceitos de cooperação posta em prática. Se calhar o problema está nas cliques instaladas nos respectivos países.
Uma visão de cooperação que aponte e se circunscreva a promoção de acções que empoderem os parceiros numa perspectiva de interdependência e defesa de bloco não se pode concretizar sem que os benefícios de tal cooperação sejam compartilhados e os povos todos beneficiem disso.
A CPLP não pode continuar a ser uma organização de confrades que só se sente que existe quando a inevitabilidade de cumprimento de estatutos os expõe. Todo o resto do tempo é só businesses de amigalhaços ou comparsas.
Brasil não precisa da intervenção do Japão para cooperar com Moçambique no domínio da agricultura. Uma injecção de professores para as áreas específicas identificadas como constrangimentos para o avanço da educação em países como Angola e Moçambique bem como outros membros da CPLP seria muito mais produtiva do que conferências-cimeiras que só se traduzem de declarações de intenções. Em países como Portugal e Brasil há centenas de professores qualificados que seriam úteis em países como Moçambique para ensinarem.
Todos ganhariam com isso, mas essas coisas que possam levar os povos a abrirem os olhos mais rapidamente não convém que se concretizem. Seria CPLP a mais para as cliques instaladas.
É preciso desamarrar a cooperação dos tentáculos empresariais das duas potências da CPLP, Brasil e Portugal. É vital que se crie um ambiente de verdadeira cooperação, em que os fluxos se alarguem e em que se apoiem acções estruturantes visando conferir estabilidade e capacidades aos parceiros.
Convém que fique claro que o modelo posto em prática pela CPLP, não está trazendo benefícios visíveis. Uma diplomacia de “apalpadelas”, procurando dar peso à lusofonia na arena internacional não trará nada de novo se não for capaz de catapultar o desenvolvimento dos parceiros africanos de língua portuguesa.
E os parceiros são sobretudo os povos, não os amigalhaços.
Brasil tem ganho um espaço cada vez maior em África e isso é visível pelo nível de investimentos efectuados no sector da energia e construção civil.
Portugal tem ganho espaço e influência na banca de Angola e Moçambique. Mas o que fica em Moçambique e em Angola é questionável. O que ganham os povos com estes business?
Em termos práticos e claros convém dizer que tanto socialistas como governos de direita em Brasília ou Lisboa tem-se traduzido exactamente no mesmo. Lobbies de políticos como Lula da Silva trouxeram grandes grupos empresariais para Angola e Moçambique.
Do socialista Sócrates ao actual primeiro-ministro Passos Coelho, Portugal tem mantido uma “diplomacia silenciosa” mas activa, atraindo recursos financeiros de “origem duvidosa” de Angola para estimular sua economia em crise e acautelando interesses em Moçambique através de cedências estratégicas em questões como a titularidade da Hidroeléctrica de Cahora Bassa.
Uma “galinha de ovos de ouro” foi encontrada pelos políticos dos países envolvidos numa autêntica trapaça e isso é fielmente interpretado através do envolvimento de interesses empresariais encobertos personificando operações legítimas. Mas como depois sobressai há “luvas” e comissões que são pagas aos políticos que se comportam a contento.
Reduzir a CPLP a um conglomerado de governos agindo sob “orientação” do grande capital não é o que os cidadãos dos países da CPLP querem ou necessitam.
É possível travar esta corrente de políticos de pacotilha assumindo- se como representantes de seus povos mas que não passam de comerciantes de influência.
Como Marcelo Rebello de Sousa bem diz qualquer dia José Sócrates será vítima do Freeport e não acusado. Das capitais africanas lusófonas vai emergindo toda uma situação que consubstancia tráfico de influência religiosamente protegida por órgãos de comunicação social públicos servindo interesses de dirigentes governamentais.
Nada de novo acontece e o que deveria estar acontecendo é adiado porque não convém aos actuais detentores do poder que se saiba as “linhas com que cosem”.
Que se diga que de Belém e de Brasília o que chega cheira bem mal. As esquerdas políticas de Brasil e de Portugal não diferem em nada das suas direitas. Para elas África é um simples depósito de matérias-primas que importa explorar enquanto seus governos “dormem na sombra da bananeira” ou aproveitam para comerem juntos a pretexto de que foram libertadores.
Libertadores de quem?
Os povos dos países da CPLP têm de se envolver mais. As sociedades civis têm de unir para acabarem com uma CPLP assim, que só serve os amigalhaços.
Canal de Moçambique – 25.07.2012