Por: Noé Nhantumbo
De todos os quadrantes se recebem notícias de discordância com o actual de coisas na arena internacional. De crises financeiras cíclicas que viraram praticamente a norma da maneira de estar das finanças internacionais, a todo um emaranhado de assuntos que tem a ver com as relações políticas entre os países, no interior dos mesmos fica uma imagem de crise aberta ou de um somatório de questões não concluídas ou pouco consensuais.
Com um percurso histórico embora já longo, as relações políticas e internacionais continuam a revelar-se instáveis e pouco produtivas no sentido de que delas não estão aparecendo ou surgindo os resultados que se poderiam esperar.
Há motivos acumulados de preocupação pois embora as crises financeiras se possam tratar de maneira pacífica os principais interlocutores não estão conseguindo sair-se bem.
O jogo das vantagens ou jogo pelas vantagens encobre cenários nem sempre tão limpos ou fluidos como seria de desejar.
Numa situação em que a legislação nacional difere de país para país e em que os poderes legislativos de cada país impedem que se assumam responsabilidades multilaterais de forma rápida e conclusiva, arrastam-se assuntos e prolongam-se crises.
Atendendo-se a algumas das principais potências económicas globais, como a China e a Rússia, a coberto de moedas próprias e sendo detentoras de largas reservas monetárias nas denominações que agora se apresentam em crise, há uma relutância óbvia destes países em intervir a favor de uma solução que hipotecaria sua estabilidade financeira.
No âmbito militar as coisas estão mais ou menos estabelecidas.
Todos os interlocutores sabem quem é quem na arena internacional e restam poucas dúvidas sobre a musculatura militar dos outros. Quem se considera poderoso em geral é reconhecido pelos outros e tudo se faz no sentido de evitar qualquer confrontação. Tanto do ponto de vista de armas nucleares, químicas e biológicas, como das armas convencionais, o ambiente está definido.
Mas do ponto de vista político vive-se um ambiente turvo, de indecisão e inconsequência e de crises hibernando e outras se manifestando abertamente.
Não é só em África que ocorrem situações características de crise política. Muitas regiões da Ásia e da América Latina estão vivendo em situação de crise permanente, internamente ou com vizinhos.
Em regime de continuidade o Médio-Oriente é um exemplo das inconsequências das relações internacionais. Posicionamentos extremistas de ambos os lados, fortemente apoiados por parceiros internacionais poderosos como os EUA estão impedindo que se chegue a uma situação de paz consagrada pelos vizinhos.
Dois estados vivendo em paz um com o outro, entre a Palestina e Israel, parece assunto continuamente adiado. Irão, Iraque, Arábia Saudita, Egipto não estão conseguindo unir-se e apresentar-se como uma frente única, possuidora de um pacote credível a apresentar a outra parte. Os receios são mútuos e enquanto não reina a clarividência e responsabilidade histórica dos governos da região, não se dá oportunidade a paz e ao desenvolvimento de relações saudáveis entre as partes.
Em África após um precedente no Sudão onde um país se encontra agora dividido em dois, corre-se o risco de se ver essa modalidade virar moda sempre que uma parte de um país reclamar, alegando assimetrias e desenvolvimento desigual que quer separar-se do resto do país.
Mais uma cimeira africana vai ocorrer na sede da União Africana, na Etiópia, na inviabilidade de Lilongwe (Malawi) acolher a reunião. De tudo o que se vai discutir os africanos já esperam que os problemas das guerras intermitentes na República Democrática do Congo não conhecerão solução.
Há uma questão que os governantes e a liderança africana tem falhado sistematicamente de abordar que é a natureza dos regimes políticos instalados na maioria dos países do continente. Quando de eleições que se pretendem livres, justas e transparentes emergem situações de suspeição quanto aos processos eleitorais, estão sempre criadas as condições para a eclosão de conflitos.
A região dos Grandes Lagos, que num passado recente foi palco de autênticos genocídios, está sofrendo convulsões que a política externa de alguns países parceiros contribui para exacerbar.
Com ou sem Primavera Árabe África vive no meio de preocupações legítimas, seus cidadãos continuam a viver pior que todos os outros seres humanos ao mesmo tempo que se assiste às suas oligarquias assaltando os recursos nacionais em seu proveito próprio, fazendo dos estados suas machambas.
De todos os esforços aparentemente protagonizados por entidades multilaterais como a ONU nem a fome crónica nem as guerras foi possível levar-se a que terminem. O contingente das Nações Unidas na RDC embora seja o maior no mundo, ainda não conseguiu derrotar ou dissuadir os rebeldes que lutam contra as forças armadas do regime instalado em Kinshasa.
A legitimidade das eleições congolesas, a lisura das instituições que conduziram o processo são questionáveis e as reclamações dos opositores merecem outro tratamento diferente do actual. Mas as conveniências têm justificado tudo.
Correr a aprovar os resultados eleitorais nem sempre tem o condão de dissipar questões ou apaziguar ânimos exaltados.
Deixam adiadas as soluções que são do verdadeiro agrado dos povos em nome de quem se instituiu a dita democracia pluralista para se justificar a ausência de guerra.
Parece votada ao fracasso uma cooperação institucional baseada na colheita de vantagens parciais sempre em detrimento de África. Quando as chancelarias internacionais correm a assinar acordos de cooperação com governos saídos de eleições suspeitas, estão efectivamente apoiando a emergência de guerras intestinas, sem se aperceberem disso, cultivam-nas. Levam-nas a germinarem.
E não se estará mentindo quando se diga que a vantagem dos parceiros africanos neste momento é exactamente um estado de indecisão permanente, de uma situação política inconclusiva, de ausência efectiva de democracia económica.
Quanto mais carentes e necessitados estiverem os africanos mais fácil será controlar a situação em proveito de certos grupos de interesse. Quem assina contratos petrolíferos vantajosos não está preocupado com os milhões de angolanos e guineenses equatoriais que vivem na mais repugnante miséria.
Os investimentos reali ados pelas cliques dominantes dos países governados por ditaduras efectivas, ainda que justificadas por eleições, fogem de um ordenamento parlamentarque promova a prestação de contas pelo executivo. A responsabilidade pelos actos governativos é sancionada por parlamentos obedientes e que não representam ninguém.
As cliques dominantes são bem recebidas nas capitais europeias e outras capitais ocidentais.
A teia de corrupção, de negócios ilícitos, de tráfico de armas e de drogas, o contrabando, as redes de tráfico de pessoas, a imigração ilegal não serão temas abordados ou resolvidos na Cimeira Africana que está em preparação e em curso. E esta não é uma opinião pessimista.
Embora se possa alegar algum realismo político, como estando na origem da posição de certos parceiros importantes de África, está demonstrado que a apetência de alguns países pelos recursos naturais de África joga um papel de peso descomunal nas decisões que são tomadas. Numa situação normal, a maioria dos resultados eleitorais ocorridos em África seriam questionados e recusados por países como a França ou Portugal só para dar alguns exemplos. Mas a necessidade de controlo do fluxo dos recursos naturais africanos está a calar vozes que por conveniência abdicam de princípios que até há pouco defendiam.
A fórmula adoptada de governos de unidade nacional é um fiasco e insulto a democracia.
Mais uma vez se vai reunir a Cimeira Africana e se há assuntos urgentes a tratar a impressão que fica a qualquer observador é de que mais uma vez os líderes africanos nos brindarão com um adiamento na tomada das decisões pertinentes.
Oportunidades desperdiçadas é o que me resta prever mas sem nunca abandonar esta luta inalienável pela democracia que é sem dúvida o caminho, mas não desta maneira que nos querem convencer que deve ser.
Mobutu já recebeu um pontapé do seu povo. A história não perdoa. Outros ditos lideres lhe seguiram e outros se seguirão.
O que parece estar estável hoje, quando menos se espera vira do avesso.
Enquanto não se respeitar de facto a democracia, enquanto os processos eleitorais continuarem a ser viciados e considerados “livres, justos e democráticos” sem que o sejam de facto, só se pode esperar por mais sangue mais dias menos dia.
Enquanto os povos não puderem dizer de sua justiça o que realmente querem, quem querem que os governe, as incertezas vão continuar a ser o prognóstico mais provável.
E as instituições que se vão exibindo um dia chegar-se-á á conclusão que não serviram para nada.
Canal de Moçambique – 18.07.2012