No afã de tentar compreender melhor o fenómeno e colher mais subsídios para enriquecer o nosso trabalho, falamos com três personalidades ligadas à área académica na cidade da Beira. Começamos por entrevistar José Chuva Cafuquisa, sociólogo e antropólogo, docente universitário e ligado ao ARPAC. Como início de conversa, ele afirmou que o conceito de curandeiro é muito vasto porque existem várias categorias. Há o curandeiro, o adivinhador, o exorcista e o feiticeiro, segundo disse.
“São categorias completamente diferentes, mas o curandeiro é aquele que conhece apenas os medicamentos e cura as pessoas. Porém a mesma pessoa pode também ser um advinhador. Às vezes entra em transe para tentar fazer a advinhação, depois disso é que vai tentar saber que tipo de medicamento vai usar”, explicou.
“Depois há o curandeiro que apenas só conhece as plantas. Existem os chamados exorcistas, aqueles que induzem as pessoas a entrarem em transe e, por fim, existe a categoria daqueles que apenas são feiticeiros. Estes têm uma parte enigmática, não tem explicação porque é muito oculta, é mitológica, que pode ser considerada como ondas magnéticas, invisíveis, que podem ser enviadas para fazer mal a alguém, ou usando algumas plantas medicinais que têm certas propriedades que ele sabe como se manipulam”, salientou Chuva.
“Dessas várias categorias que temos - prosseguiu a fonte - sabemos que um curandeiro também pode ser feiticeiro. Por isso, entre eles (curandeiros) há segredos que não se podem transmitir. Há experiências que entre eles não se podem transmitir porque trata-se de segredos pessoais. Então, é essa parte que muitas vezes tentamos não compreender. Por isso, na AMETRAMO há aspectos entre os membros que não se transmitem. O que acontece é que até hoje eu conheço poucos curandeiros que sejam ricos”, avançou o antropólogo e sociólogo.
“Se eles conhecem essas propriedades, essa magia para conduzir alguém a ser rico ou tratar alguém para ser rico, mas eles próprios curandeiros, quantos é que são ricos?” — perguntou o nosso entrevistado, para de seguida referir que “o que está a acontecer ultimamente é que dessas várias categorias, há uns que dizem que para ser rico ou para manter ‘um alto tacho’ nas instituições do Estado, porque não se mata pessoas apenas para se ser rico, mesmo os directores de empresas ou membros do Governo passam noites em branco no curandeiro para ‘se defenderem’, por exemplo, quando há uma visita do Presidente da República, para ‘agarrarem’ os tachos”.
“Há um sofrimento mental em que muitas vezes, se a pessoa não consegue realizar uma promessa que lhe foi feita, fica frustrada, porque aparecem aquelas chamadas alucinações auditivas em que ela parece ouvir dizer que você não conseguiu realizar isto ou aquilo e vai sofrer as consequências. Então isso altera psicologicamente a pessoa”, afirmou Chuva.
A fonte recordou-se de uma entrevista que concedeu há anos a um canal televisivo, em que fez alusão a um proprietário de uma moagem na zona de Savane, distrito do Dondo, que mandou matar uma criança para se dar bem na vida, isto é, para ter muitos clientes. “Matou a criança, meteu o corpo num poço depois de ter extraído alguns órgãos que levou para Grudja, no distrito do Búzi. Conheci o curandeiro que tratou o tal cidadão. A sua moageira quando está cansada, dizem que reclama. Na altura, quando se descobriu este crime, entrevistaram-me na televisão e eu disse que estas coisas acontecem de verdade, na tradição local”, anotou.
O nosso interlocutor fundamentou que acontece isso de matar para conseguir enriquecer. “Só que no fundo essa riqueza não vai trazer felicidade, porque tem um prazo que pode variar até cinco anos, se não fôr renovado o tratamento. Até pode acabar com a família, com mortes misteriosas. Existem vários exemplos de pessoas que fizeram esse tratamento, mas o preço pago foi ver familiares a morrerem sem motivos plausíveis. Como compreender esta situação? Porque depois de acabar o prazo, morre toda a família, a riqueza desaparece e nada se aproveita ou ninguém da família do ‘tratado’ aproveita nada”, elucidou.
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 20.07.2012