Por Noé Nhantumbo
A inconsequência da SADC entanto que organização regional para a integração política e económica já não é uma invenção de analistas pessimistas. Não é pessimismo afirmar que “a montanha pariu um rato” e que esta como tantas outras organizações não passam de “clubes de amigos” ou confrarias alargadas com as suas características específicas mas semelhantes à Maçonaria ou Opus Day.
Para uma organização que foi criada com sonhos e faíscas bem altas, os resultados conseguidos até aqui são irrisórios e nalguns casos o que se regista são autênticos retrocessos.
Correu-se para a criação de uma entidade regional sem terem-se analisado as condições reais e principalmente a motivação de uns e outros.
Decerto que para a potência regional, à África do Sul nada de melhor poderia ter acontecido. Chegou no fim, mas acabou por vencer a corrida deixando os demais com a sensação de que não passam de convenientes amigos do País de Mandela.
Estrategicamente atenta aos fenómenos regionais, às tendências mundiais e utilizando o seu poder real a África do Sul tem simplesmente vindo a aproveitar as condições e regulamentos da própria SADC para ressuscitar a Constelação de Estados advogada pelo antigo primeiro-ministro do apartheid John Vorster.
Hoje temos uma SADC para a qual a África do Sul não teve que utilizar força militar para se instalar mas que completamente serve a estratégia e a política externa do governo de Pretória. Nada diferente entre o “antes” e o “depois”…
Devido à fraca análise dos pontos de convergência que unem os países, face a um fraco conhecimento do passado colonial e do tipo de acordos que as antigas potências colonizadoras estabeleceram entre si durante o seu período de dominação os governos actuais encontram-se embrulhados em desinteligências de carácter diplomático com forte potencial explosivo.
Partindo de uma organização regional de natureza política que visava acelerar o fim dos regimes racistas da região, servindo uma tese da guerra fria que decorria naqueles anos estabeleceram alguns presidentes da região um arranjo a que se denominou de Linha da Frente. Desta organização informal que decerto teve o seu papel para a desintegração dos regimes racistas da região e para a independência da Namíbia, houve uma alteração ou extensão da agenda para abarcar assuntos económicos.
Também se acordou admitir no seu seio outros países vizinhos.
Nascia uma SADC logo à partida com problemas relativos a inexistência de critérios políticos de adesão.
Os países que se apresentaram sempre com aspirações de liderança no seio da organização foram a Tanzânia, Angola, África do Sul. Se a Tanzânia tinha potencial político devido ao seu papel preponderante durante as lutas de libertação nesta zona do continente o mesmo não se passava com Angola que contava unicamente com sua preponderância financeira devido ao petróleo. Aos poucos, sorrateiramente a África do Sul, que estava do lado de lá da barreira até certa altura, entra em cena e guinda-se à posição de líder e começa efectivamente a arrastar os outros países membros para a sua esfera de influência de uma maneira bastante directa. Dita as regras de convivência económica que se traduziram depois na assinatura de um acordo de integração económica que não foi abraçado por mais de seis membros.
Como dos doze países membros só seis é que assinaram até agora o acordo de integração económica que prevê a livre circulação de pessoas e bens não se pode dizer que mesmo nesse objectivo a SADC tenha triunfado.
Sem fricções abertas ou tentativas de mostrar protagonismo aberto, os mais poderosos dentro da SADC rápido procuram dar a entender que estavam dispostos a prosseguir na rota da integração desde que isso tivesse significado e impacto para os seus países. Aqueles países sem expressão ou simplesmente periféricos limitaram-se a assinar instrumentos que agora em nada os beneficiam. O dumping de produtos agrícolas desde Kinshasa a Maputo passando por Luanda é uma verdade. O negócio da construção civil feito de maneira concorrencial é dominado por Pretória.
Quando há questões que requerem a intervenção de comandos militares, serviços especializados de mergulhadores ou de bombeiros é de Pretória que vem os equipamentos e os executantes. Nos casos de pirataria no Índico são os sul-africanos que apresentam corvetas rápidas, helicópteros. Quando há inundações também é a África do Sul que intervém.
Isto equivale a dizer que a África do Sul é a potência hegemónica na SADC. A complementaridade, a cooperação com benefício mútuo, a integração económica não estão acontecendo. Pode parecer duro afirmá-lo mas esta é a realidade. O que a África do Sul proporciona é afinal de contas pago pelo lucros exorbitantes do negócio regional lhe proporciona.
Neste momento a SADC tem um problema de instabilidade política em Madagáscar. As relações entre o Malawi e a Tanzânia estão azedas em torno das reivindicações de soberania sobre o Lago Niassa, com o Malawi a decidir avançar com a prospecção de petróleo e gás em parte do lago que a Tanzânia se diz com direito. Até agora a conversações entre os dois países não produziram resultados. Da cimeira de Maputo ficou apenas a aparência de que estão a saber por eles próprios – Malawi e Tanzania – entenderem-se. Veremos para onde vai evoluir o caso.
As pretensões de malawianas de utilizar o rio Zambeze como via fluvial de entrada e saída de suas mercadorias tem encontrado pouca simpatia e acordo por parte das autoridades moçambicanas.
Na RDCongo os confrontos militares entre as tropas governamentais e milícias alegadamente apoiadas pelo governo do Rwanda estão a fazer mortos e refugiados numa escala crescente.
De Angola espera-se um processo eleitoral complicado por suspeitas fundamentadas de probabilidade de manipulações e fraudes. O potencial de violência pós-eleitoral não se pode ignorar atendendo que num passado bem recente a guerra em Angola era uma realidade que levou décadas a resolver.
Quanto ao Zimbabwe até agora não se vislumbra uma saída que garanta que os direitos políticos dos cidadãos daquele país serão respeitados, com os impasses em aprovar-se uma constituição política consensual.
O apego ao poder e a manipulação da vontade popular já significou violência política e eleitoral que não está esquecida nem seu potencial de ressurgimento eliminado.
Entanto que SADC com responsabilidades concretas na arena regional o que se pode dizer é que estamos perante uma organização deficitária e de fraco desempenho geral.
Dá para dizer que se colocou a “carroça à frente dos bois” e que a organização, tendo surgido por decisão política das lideranças regionais, tida logo após seu parto, como esperança e galvanizadora do desenvolvimento, redundou em mais uma plataforma de burocracia política inconsequente. As pretensões e agendas nacionais são tão díspares que não são de possível convergência. Para consumo público os líderes políticos dizem que estão promovendo o desenvolvimento regional. Mas realisticamente falando, cada governo está procurando sacar benefícios e vantagens através de arranjos institucionais.
Os receios de entregar algumas franjas do que consideram soberania têm travado a aplicação de toda uma série de acordos e a discussão de outros que poderiam transformar radicalmente o panorama regional.
A SADC é uma das regiões de África com um potencial geológico de nomeada. Praticamente em quase todos os países há algum tipo de mineral importante para a economia global. Diamantes, titânio, platina, carvão, ferro, ouro, prata, ferro, gás natural, petróleo, areias pesadas, grafite, urânio, pedras preciosas existem em abundância na região. A nível hidrológico existem e passam pela região alguns dos maiores rios de África. Os solos são ricos e o clima é variável.
Embora não se possa dizer que existam recursos humanos preparados tecnicamente nas quantidades que a região necessita para explorar economicamente os seus recursos, há uma base tecnológica regional para se avançar no sentido de uma interdependência produtiva, promotora de um desenvolvimento económico estruturante e a favor da satisfação das necessidades dos cidadãos da região.
Depois de mais uma cimeira da SADC desta vez em Maputo, Moçambique mais vez não se produziram deliberações consequentes.
Mais uma vez a SADC provou ser um grupo de amigos embora já comecem a aparecer no seu seio os inimigos entre si.
Fome, deficits crónicos em produtos agrícolas, infra-estruturas de comunicação aquém das necessidades da economia regional, delimitação de fronteiras que vá de encontro com a estabilidade política regional, transferência de tecnologias de forma rápida e eficiente, regulação da transferência de capitais entre os países membros, construção de um enquadramento legal vinculativo ao nível dos tribunais dos países que se traduza em segurança para os operadores económicos, estabelecimento de pacotes legislativos promotores de democracia política nos países, cooperação militar e em segurança que protejam os países membros do flagelo do narcotráfico e da proliferação do extremismo político de inspiração religiosa são alguns dos assuntos que não se podem continuar a adiar.
A cooperação regional faz sentido e pode constituir-se numa plataforma vital para o desenvolvimento rápido dos países num ambiente de confiança, segurança dos investimentos e de participação efectiva do empresariado da região. Quando a sociedade civil dos países membros se congrega e manifesta suas preocupações isso deve ser escutado e respeitado pelos governos numa perspectiva de participação democrática útil, necessária e vital para o empoderamento das sociedades constituintes. Mas nada disso tem estado na agenda com os olhos postos nos cidadãos da região.
Governar e cooperar regionalmente aprende-se construindo confiança entre parceiros numa base equitativa, séria, regulamentada e implementada numa perspectiva de avançar com agendas centradas nos cidadãos.
É de uma SADC com objectivos dessa natureza que os cidadãos esperam.
Uma congregação de estados representados por seus governos que não sejam capazes de resolver os problemas que minam o desenvolvimento equilibrado e com vantagens mutuas não é mais desejável.
Não é amanhã que os nossos líderes nos devem oferecer as soluções para os problemas que sentimos hoje.
Os povos de cada um dos países membros exigem dos seus líderes uma liderança capaz de inverter os actuais cenários de retrocesso económico, desemprego generalizado, aumento do fosso entre ricos e pobres nos países, corrupção política institucionalizada e organização dos governos de maneira mercantilista e afastada dos ideais de serviço e responsabilidade para com os governados.
Os cidadãos dos países membros da SADC têm de sentir que a organização lhes serve… De grupo de amigos que é tem de mudar de paradigma. Os cidadãos dos países membros da SADC ainda se sentem estrangeiros nos países da SADC que não o seu próprio.
A integração regional deve começar por ser sentida com vantagens por cada um de nós. Agora só há vantagens para as confrarias dominantes.
Canal de Moçambique – 22.08.2012