As dívidas
contínuas contraídas junto de compradores estrangeiros do pescado, como
congoleses, tanzanianos e zimbabweanos, estão a deixar os pescadores artesanais
sufocados na albufeira de Cahora Bassa, que banha os distritos de Mágoè, Zumbo,
Marávia e Cahora Bassa, na província de Tete.
Esta situação foi apresentada ao vice-ministro das Pescas, Gabriel Muthisse, na
sua recente visita à província de Tete, onde durante a sua estadia se reuniu
com pescadores dos distritos de Mágoè e Cahora Bassa, com o propósito de se
inteirar do desenrolar da actividade piscatória naquela região.
Alguns pescadores intervieram nos encontros para reforçar o teor das mensagens
apresentadas, explicando que eles praticamente se tornaram trabalhadores dos
estrangeiros, porque passam todo o tempo a pescar só para estes compradores.
Segundo explicaram, as dívidas são contraídas através de fornecimento de
material de pesca a título de empréstimo, com a promessa de saldá-las após à
venda do pescado, mas nunca conseguem pagar os valores combinados, porque
muitas vezes as redes por exemplo rasgam-se antes da devolução ou reembolso, o
que lhes obriga a pedir mais dinheiro.
“Lamentamos o facto de nós os pescadores estarmos descapitalizados, pois isso faz com que tenhamos as dívidas que nunca mais acabam. Casos há em que mesmo para ter o peixe para o consumo é preciso pedir ao comprador, porque este não nos larga antes de terminar a dívida. É uma situação bastante complicada para nós” — explicou o pescador Henriques Chitere, da região de Daque, no distrito de Mágoè.
Revelou haver casos já em tribunal, remetidos por compradores estrangeiros, que recorrem a estas instâncias para recuperar os seus valores monetários, cedidos tanto em dinheiro como em material de pesca, como forma de potenciar os pescadores para a sua actividade.
“Estamos sufocados, porque a dívida não acaba. Também lamentamos o facto de os materiais estarem a ser vendido a preços bastante altos. Por isso, a nossa actividade quase que não rende nada. Só estamos a trabalhar para os estrangeiros” — alertou um outro pescador, que se identificou por Luís Manuel Conde.
Uma mensagem lida no encontro refere que são mais de 500 pescadores que passam por aquela situação, exactamente porque os congoleses, zimbabweanos e tanzanianos, entre outros, desembolsam valores para uma determinada quantidade de peixe e antes de atingi-la, eles não largam sequer um minuto para o descanso, o que faz tornar o pescador verdadeiro trabalhador do comprador.
No mesmo documento, os pescadores solicitaram ao vice-ministro a disponibilização de fundo para alguém instalar uma loja de venda de materiais de pesca naquela região, uma medida que evitaria que eles estivessem completamente dependentes dos estrangeiros.
Um congolês, que compra o peixe pende, vulgo chicoa, naquela albufeira, Richard Loshita, pediu a palavra no encontro orientado por Gabriel Muthisse, para reconhecer que, realmente, os pescadores artesanais estão “amarrados” a eles, porque estão sempre a contrair dívidas para sustentar as suas famílias e também a própria actividade piscatória.
“Temos problemas, de facto. O pescador tem razão, mas nós não viemos para pôr os pescadores como escravos. É que nos pedem apoio em material de pesca e dinheiro também. Nós não negamos porque queremos que eles nos forneçam o peixe. Nós damos o dinheiro sem qualquer forma de juro e eles ficam muito tempo sem pagar. Por isso, achamos que devem pescar até conseguir a quantidade correspondente à dívida, mas porque sentimos por eles, acabamos dando mais dinheiro e daí a dívida não acaba” — explicou.
Richard Loshita disse que o problema pode acabar com a disponibilização de materiais de pesca aos pescadores pelo Governo. Esta medida, segundo ele, vai-lhes livrar dos conflitos entre eles, pois passarão simplesmente a pagar o peixe nas quantidades que querem. “A falta de fundo é o que está a originar estas situações, mas quando o Governo der, penso que vamos fazer um negócio limpo” — concluiu, para depois afirmar que “nós estamos baseados aqui para comprar o peixe pende, porque este é muito procurado no nosso país e até no Gabão”.
“Nós ajudamos muito aos pescadores que já estão a construir as suas casas bonitas e bancas também. Por isso, gostaríamos que não nos vissem como pessoas que vieram para fazer os moçambicanos de escravos” — solicitou o congolês, que disse que são muitos os congoleses envolvidos na compra do pescado, os quais chegam a permanecer em Moçambique durante um período de seis meses e depois transportam a sua mercadoria para a revenda no estrangeiro.
FEIRA PARA VENDA DE MATERIAL
Depois de auscultar as preocupações dos pescadores nos encontros que manteve, tanto em Daque como na região de Nova-Chicôa, em Cahora Bassa, o vice-ministro das Pescas disse que a solução do problema é encontrar um comerciante que possa vender os materiais de pesca nas feiras, porque uma loja como tal pode não justificar muito, visto que, pela sua natureza, estes materiais não são comprados todos os dias.
“Mas havendo feira, os pescadores podem comprar o que necessitam para a sua actividade. As feiras também podem ser promovidas para a venda do pescado. Esta actividade não pode ser vista como de problemas, mas sim de geração de riqueza para os moçambicanos” — disse.
O vice-ministro das Pescas afirmou que os pescadores não devem hostilizar os estrangeiros, porque estão no país para ajudar aos moçambicanos, porque compram o seu produto. Apelou ainda para que a comercialização do pescado pudesse envolver também os nacionais, por forma a melhorar as suas condições de vida. “Esta albufeira é uma grande riqueza para nós. Por isso, o nosso apelo é no sentido de que aproveitemos os recursos existentes de forma sustentável, pois nos gera riqueza para podermos educar os nossos filhos e fazer muito mais” — sublinhou Muthisse.
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 31.08.2012