Já está a
empacotar Nevirapina, um antiretroviral produzido no Brasil, a fábrica na
Matola, um projecto efusivamente aplaudido pelo discurso oficial, mas visto
como faca de dois gumes por várias vozes abalizadas na matéria.
A tenda que acolheu a cerimónia de inauguração da futura fábrica de
antiretrovirais, sábado passado, no bairro Trevo, município da Matola, ficou
pequena para os convidados. Não era para menos, desde 2003 que Brasil e
Moçambique aguardavam pelo momento.
Inicialmente prevista para produzir em Julho, por enquanto a fábrica só embala
comprimidos de 200 gramas de Nevirapina proveniente do Brasil.
“Em Agosto é que virá o técnico da empresa que nos vendeu a maquinaria, para
fazer o teste e o arranque dos engenhos. Depois vai se fazer a formação do
pessoal. A produção propriamente dita arranca em Dezembro”, garantiu Alcino
Mbeve, executivo da Sociedade Moçambicana de Medicamentos (SMM), entidade
que gere a fábrica.
Depois será necessário obter os certificados internacionais de aprovação da qualidade
dos medicamentos.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Brasil, madrinha do projecto, anuncia a futura transferência de tecnologia de 21 medicamentos, contudo não explica quando é que isso vai se materializar. Entre estes, medicamentos para combater a hipertensão, as diabetes tipo 2, anti-inflamatórios e outros, além da produção de cloreto de sódio, de glicose e um produto novo na linha de soros, segundo o portal electrónico da Fiocruz.
Construída entre a parceria dos governos do Brasil, Moçambique e a companhia mineira Vale, o projecto vai custar aos brasileiros USD23 milhões até 2014, em estudos de viabilidade, aquisição de equipamentos, transferência de tecnologias, capacitação técnica, validação e submissão de certificações de âmbito nacional e internacional.
O governo moçambicano disponibilizou o espaço, enquanto a empresa Vale patrocinou 80 por cento das obras de construção, avaliadas em USD4,5 milhões.
A implantação da fábrica foi marcada por diversas dificuldades. Entre elas, como Brasil carecia de uma lei para autorizar a exportação de tecnologia farmacéutica, o parlamento teve que aprovar uma lei a respeito. O equipamento eléctrico teve de ser adaptado à voltagem mocambicana, 220V, enquanto Brasil usa 120V.
Vozes críticas
Representantes de várias organizações da sociedade civil falaram ao SAVANA em anonimato, criticando o populismo com que se aborda o assunto.
Por exemplo, não se fala dos outros países africanos que já produzem antiretrovirais, nomeadamente, África do Sul, Uganda e Tanzânia. África do Sul, desde a década passada, enquanto Uganda deve começar a exportar ARVs este mês aos países vizinhos. África do Sul tenciona aumentar exponencialmente a sua produção de ARVS num futuro próximo, com vista a exportação regional.
Ao contrário do que o governo moçambicano e o brasileiro defendem, a fonte entende que é cedo para saber se a nova fábrica de antiretrovirais trará vantagens económicas para o país. Poderia ser mais caro produzir cá os remédios do que importar dos grandes fabricadores como a Índia, que reduzem os preços pela produção em grande escala.
Outro aspecto criticado é o uso da dose única de Nevirapina (comprimido de 200 gramas) na prevenção da transmissão da mãe para bebé no parto, quando outros países africanos já não usam esta profilaxia. A Organização Mundial da Saúde não o recomenda desde 2010, quando vários estudos constataram que a dose única de nevirapina para a prevenção da transmissão da mãe para o bebé aumenta as probabilidades da mãe desenvolver resistência ao tratamento ARV. (A nova profilaxia recomendada combina o antiretroviral AZT com nevirapina em múltiplas doses muito antes do parto).
Finalmente, a publicidade sobre a fábrica ignorou as messagens de prevenção contra o HIV. “Não é por haver medicamentos no futuro que devemos baixar a guarda hoje”.
“Não temos dúvidas que aparecerão pessoas, sobretudo, menos instruídas, que vão pensar que já não é arriscado contrair o HIV porque haverá abundância de antiretrovirais”, diz uma fonte.
- Sublinhe-se, no entanto, que a nova fábrica trará benefícios, a longo prazo. A produção local de medicamentos há-de contribuir para a autosuficiência e o aumento da capacidade de produção local de fármacos.
SAVANA – 23.08.2012