A transmissão de conhecimentos constitui a grande diferença dos portugueses que vivem e trabalham em Angola comparativamente a outras comunidades estrangeiras residentes no país, disseram à Lusa cidadãos portugueses ligados à banca e cultura.
Para António Direitinho, nascido há 63 anos em Minas do Lousal, concelho de Grândola e antigo funcionário do Banco de Portugal, de que foi representante em Angola, esta é a terceira experiência em Angola e, de comum a todas, tem o trabalho de formação em que se envolveu.
"A diferença dos portugueses e outras nacionalidades é que nós fazemos a diferença porque ajudamos a formar. Portugal, inicialmente no tempo colonial, sempre fez desta terra a sua terra e, como sua terra, construiu para ficar", afirmou.
"Eu próprio sinto isso: nunca vim com objetivos de me fixar, sempre fui um consultor, um técnico. Aqui o meu objetivo de vida é formar quadros que me substituam e tenho um prazo curto, porque os vistos de trabalho são muito limitativos, de três anos", acrescentou.
Álvaro Candeias, nascido no Porto há 59 anos, mas desde 1980 em Angola, "com breves interregnos em Portugal", anui na importância da formação.
Ele próprio foi um dos primeiros 500 professores que ao abrigo da cooperação luso-angolana em 1982, espalhados pelas 18 províncias de Angola, veio ensinar e divulgar a língua portuguesa. E formar professores.
Hoje, fora da cooperação, Álvaro Candeias prossegue a formação, agora na Universidade Lusíada e, mantém um amor antigo, o atletismo, treinando atletas a quem transmite a sua experiência na modalidade, que o teria levado aos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscovo, não fora o boicote dos países ocidentais devido à invasão soviética do Afeganistão.
António Direitinho e Álvaro Candeias são ainda da mesma opinião relativamente à integração dos portugueses em terras angolanas e aos motivos que leva cada vez mais conterrâneos a seguir-lhes as pisadas.
"As dificuldades que a Europa está a passar, o próprio Portugal, é que faz com que as pessoas tenham necessidade de emigrar e fazer a sua vida noutras partes do mundo e Angola é um país que fala a mesma língua, que recebe bem, e há uma proximidade muito grande, até ao nível familiar", considerou António Direitinho.
Álvaro Candeias também acha que "no geral" os portugueses são bem aceites.
"No geral somos bem aceites. Há um caso ou outro, mas na generalidade estamos bem vistos. Luanda é hoje uma cidade cosmopolita, que vai aceitando naturalmente os estrangeiros, como fazendo parte do social, como as outras sociedades", completa.
Este poder de atração de Angola só é limitado pela burocracia dos vistos.
"A burocracia ainda é o grande tampão. Os portugueses vêm à procura de uma oportunidade que não têm em Portugal, procuram uma vida estável, de trabalho", mas, alerta, "Angola não é o 'El Dorado' Que muitos julgam ser".
"Hoje em dia, as pessoas vêm pensando que isto é um 'El Dorado'. Quando se fala que um português vai ganhar para Angola 3 ou 4 mil euros, é um atrativo, mas quando se chega aqui, não vale porque Luanda é a segunda cidade mais cara do mundo", destaca.
"Deparam-se com um embate que os leva a pensar se realmente valeu a pena ou não vir para aqui. É uma vida diferente, um clima agressivo", acrescenta.
A distância de casa, dos familiares e amigos é mitigada pelo acesso a bens e serviços iguais aos de Portugal.
"Temos os mesmos canais na televisão por cabo que em Portugal e há sempre bacalhau", elogia António Direitinho, que sente sempre saudades de Portugal.
"Tem-se sempre. Mas temos projetos de vida e eles (a mulher e os dois filhos) sabem porque é cá estou", consente.
Diferente é a posição de Álvaro Candeias, que embora vá duas a três vezes por ano ao Porto, continua a ter em Luanda o desprendimento que o levará a fazer as malas e a regressar finalmente a casa se o que faz não for mais necessário.
"Realizei-me nas duas coisas, no ensino e formação na língua portuguesa e no atletismo. Se perceber que já não sou necessário, faço as malas e vou-me embora", rematou.
EL.
Lusa – 28.08.2012