Jorge Rebelo ao corte da transmissão do seu discurso
A direcção do partido Frelimo tomou uma decisão sob pressão: decidiu no segundo dia dos trabalhos mandar cortar a transmissão directa do congresso na televisão e precisamente na altura em que falava Jorge Rebelo, um dos poucos críticos da Frelimo. Em entrevista ao Canal de Moçambique, Rebelo reagiu a esta decisão com palavras duras: disse que é “estupidez” de quem ordenou a interrupção da transmissão do seu discurso e do congresso no seu todo (que entretanto retomou ontem).
Rebelo falou de outros assuntos do partido e do País. Criticou, ainda na sua entrevista ao Canal de Moçambique, o facto de alguns dirigentes da Frelimo aparecerem constantemente na Imprensa, relacionados com casos de corrupção e os acusados remetem-me ao silêncio.
Acompanhe a entrevista a seguir.
Canal de Moçambique (Canal): Qual é a sua expectativa em relação ao presente X Congresso. O que espera ver decidido?
Jorge Rebelo: A resposta desta questão gira mais ou menos em torno da apresentação que fiz durante o debate do relatório do Comité Central. Comecei por saudar o presidente do partido (Armando Guebuza) por ter conseguido levantar a Frelimo num momento em que ela estava em profunda crise. Em que, por exemplo, na altura da votação, quando era o ex-presidente Chissano contra Dhlakama, Chissano teve 52 por cento dos votos e Dhlakama teve 48 por cento. Então eu chamei a atenção que se os membros da Frelimo se tivessem deixado dormir hoje teríamos Dhlakama como presidente da República, o que seria um verdadeiro desastre.
Canal: Mas porquê?
Jorge Rebelo: Acho que ele não tem condições nem qualidades para dirigir o País. O segundo ponto que falei foi a unidade nacional. Toda a gente fala da unidade nacional. Todos os dirigentes falam da unidade nacional. Mas não indicam qual é a unidade nacional. Então torna-se um simples slogan. Falam de unidade, unidade mas na prática, na realidade o que se entende por unidade?
Canal: Então o que é para si unidade nacional?
Jorge Rebelo: É um elemento fundamental. Foi a unidade que nos permitiu derrotar os colonos e depois da independência, a unidade fez-nos preservar a independência, e avançarmos no caminho do desenvolvimento. Sem unidade nada é possível. Por isso chamei a atenção a certos dirigentes que querem dividir o País entre moçambicanos genuínos e moçambicanos não genuínos. E durante o meu discurso pus em causa se eu era genuíno ou não? Perguntei se era por causa da cor da pele. Estive a olhar para os membros da Comissão Política e vi que Manuel Tomé tem a pele mais clara que eu, Graça Machel tem a pele mais clara que eu. Então pergunto se são ou não genuínos, enfim…
Canal: Mas o que quer dizer com essas comparações?
Jorge Rebelo: Estou a dizer que é uma questão que tem que ser devidamente tomada em consideração. Quero apelar para que não nos dividam por favor.
Crítica interna
O terceiro ponto é o da abertura. Abertura significa que os dirigentes aceitarem as críticas que são feitas às políticas e acções que realizam. Senão houver crítica não vão conhecer os erros que cometem e não conhecendo os erros que cometem nunca vão ser capazes de emendar os erros ou corrigirem. Vão reproduzir constantemente os mesmos erros, e ao invés de avançar o nosso País vai regredir.
Canal: Postas essas todas as questões negativas que tem visto por parte da actual liderança do partido e do País, que tipo de liderança é que gostaria para este País e que talvez pudesse sair deste congresso?
Jorge Rebelo: A esta pergunta já respondi em várias ocasiões. Eu disse que ainda estamos numa fase muito atrasada. Ainda não definimos o perfil do líder.
Para mim, o líder não pode ser escolhido na base de amiguismo, porque é parente deste ou daquele, ser familiar ou ter exercido este ou aquele cargo. Mas tem que ter um perfil bem definido. Na base desse perfil deve-se procurar quem o preenche. E isso não está definido ainda.
Canal: E na sua opinião, quem neste momento reúne o perfil de líder?
Jorge Rebelo: (risos) Não sei. Não tenho ninguém preferencialmente. Não quero entrar em especulações, porque sei que há muitas especulações por aí, mas eu não quero entrar por aí.
Canal: Que tipo de especulações tem ouvido?
Jorge Rebelo: Não pergunte a mim isso (risos). Antes de eu ouvir essas especulações tenho certeza que o senhor como jornalista já ouvia dizer, por isso não sei.
Canal: Em relação à crítica, o que aconteceu para que o partido Frelimo fomentasse internamente o espírito de medo que está a ter sucesso sobre o debate aberto de ideias?
Jorge Rebelo: Sinceramente vou te dizer que este é um fenómeno que eu não consigo compreender! Eu te confesso! Mas eu acho que o partido não tem que ter medo de nada. Não tem que ter medo da crítica, muito pelo contrário deve encorajar a crítica. Isso porque é a única maneira de o partido tomar consciência dos erros que comete. Portanto se me pergunta isso eu respondo que francamente não compreendo esta atitude actual do meu partido.
Canal: Por exemplo, há pouco tempo a direcção do partido ordenou que a Imprensa se retirasse da sala durante os debates e momentos e durante o seu discurso mandou suspender a transmissão dos debates. Qual é afinal o conceito de abertura, democracia interna e tolerância que estão a pregar?
Jorge Rebelo: É muito estranho. A única coisa que eu posso dizer é que é muito estranho. Eu até elogiei o presidente. Mas é o tal fenómeno, têm medo. Como eu costumo criticar quando acho que há coisas a criticar. Tinham medo que eu levantasse questões que talvez os embaraçasse. Então a maneira de evitar que isso aconteça é travar a transmissão e aquilo ficar só ali dentro. Mas, por outro lado, é por estupidez, porque há tanta gente aqui, que essa informação logo circula. Impedindo a transmissão provoca especulações por parte do público. Porque o público vai perguntar “porquê é que eles fizeram isso?”. E isso na minha opinião tem efeitos piores do que se deixassem transmitir.
Canal: O relatório do Comité Central apresentado pelo presidente do partido refere que o País está a crescer (uma taxa de 7 por cento/ano) como corolário do bom desempenho do partido. Acontece que o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentado em Maputo refere que o referido crescimento está a tornar os pobres cada vez mais pobres e o restrito grupo de ricos está a tornar-se cada vez mais rico e esse paradoxo acontece há mais ou menos 9 anos. Em que ficamos?
Jorge Rebelo: Aqui é tal confusão que se tem feito entre crescimento e o desenvolvimento. É certo que a nível macroeconómico o País está a crescer e é bom que isso aconteça. Agora isso não se reflecte na melhoria das condições da população. Portanto, enquanto não se corrigir esse desnível, haverá sempre uma porta aberta para descontentamento, podem resultar em fenómenos muito perigosos.
Canal de Moçambique – 26.09.2012