Entre a possibilidade de ter sido uma acção meramente vândala ou o prolongamento da desgovernação daquela área administrativa em face do poder que detêm os estrangeiros ilegais que instrumentalizam os nacionais para se envolverem no garimpo ilegal, violando as leis do seu próprio Estado e a conivência dos servidores deste, dadas as quantidades de dinheiro que circulam naquela região do distrito de Montepuez, não é fácil encontrar a racionalidade do que ali está a acontecer.
O nosso primeiro contacto com a mina de Namanhumbir, aconteceu a 18 de Março de 2010, uma quarta-feira, porque nos assistia o dever de acompanhar a ministra dos Recursos Minerais do nosso país, Esperança Bias, que decidira deslocar-se aonde se dizia, não se brincava, pois a tensão e o ambiente era de guerra, entre a empresa que havia sido concessionada a área mineira em disputa e as comunidades locais.
Antes passávamos por Namanhumbir, sem parar, muito embora soubéssemos que o movimento desusado de estrangeiros em viaturas não nossas familiares, implicava que, na verdade, a ocorrência do rubi, de que ouvíamos falar, poderia ser uma realidade. Ninguém ousava parar na sede daquele posto administrativo, a 30 quilómetros da cidade de Montepuez, desde que não se quisesse meter em alhadas de negócio obscuro então vigente.
Mesmo assim, Esperança Bias decidiu deslocar-se a Namanhumbir, depois de um encontro, na cidade de Montepuez, com os líderes de opinião e autoridades político-administrativas daquela região e do distrito em geral. A viagem da governante visava, entre outras coisas, tactear o ambiente e encontrar-se com a população local, a quem queria transmitir uma aula de educação cívica, ligada ao ABC da exploração mineira em Moçambique, a partir do que está legislado.
Antes esteve na mina de Muapia, onde já decorria a exploração e pesquisa, e não faltaram queixas do sócio-gerente, da Mwiriti, Lda, Asgar Fakher, pois ainda continuava a exploração ilegal do minério por parte das populações locais, então associadas a cidadãos de Nampula, Niassa e Zambézia, que depois vendiam o produto a estrangeiros, a quem os acusava de serem os fomentadores da violação da legislação em vigor.
A ministra dos Recursos Minerais de repente viu-se envolta em ambiente tenso e até ouviu denúncias de que alguns funcionários da sua direcção provincial, em Pemba, inclusive, poderiam ser coniventes, pela forma profissional e aparentemente fácil com que localizavam e extraiam o minério, para além da conivência de agentes da polícia e da segurança da empresa concessionária.
O nosso jornal acabava de ouvir uma história de alguns dias atrás, segundo a qual, um popular havia precisado de fazer apenas 3,7 quilómetros da sede de Namanhumbir e foi directamente a um local onde cavou cerca de metro e meio e conseguiu extrair pedra de alta qualidade. O gerente acreditava, então, que havia funcionários que estariam a passar a informação aos exploradores ilegais de minérios.
O ponto mais alto, porque tenso, terá sido o encontro que a ministra dos Recursos Minerais teve com uma parte da população interessada no assunto que dividia as autoridades à comunidade local, que serviu para dizer que quem pretendesse desenvolver a actividade no ramo mineiro precisava de estar registado, sob o risco de ser confundido com os fora-da-lei, apesar de as riquezas serem nossas.
Esperança Bias provou naquela data ser uma mulher que valia para além do facto de ser simplesmente um membro do governo central, pois pôde enfrentar homens altamente exaltados, que chegaram a apontá-la com dedo indicador em riste, mas sem ela desarmar, tendo inclusive recorrido à sua língua materna, macua, para tentar demover os seus contrários.
Uma chuva terá contribuído, ao que deu a entender o ambiente envolvente, para que a reunião popular não terminasse de forma violenta, pois estavam a ser criadas as condições para que a Polícia da República de Moçambique pudesse intervir em defesa da governante.De como o diálogo é importante
Já passava um ano e três meses sobre a data da reunião polémica com a ministra dos Recursos Minerais. No dia 13 de Junho de 2011 a mina de Rubi, depois de muita tinta gasta a seu respeito, constrangimentos à volta de pertença ou não, e sobretudo, envolta em muita tensão social, perturbação da ordem e segurança, que chegou a provocar mortes, conseguia um novo rumo.
Na verdade, tal foi alcançado depois de um diálogo que terminou numa aparente cedência da Mwiriti, Lda, face à pressão das comunidades, tendo-se anunciado medidas e um plano, concretos, de exploração, com um peso específico na melhoria da vida das populações locais.
O nosso jornal veio a saber que tudo tinha como reforço o facto de a Mwiriti, Lda ter conseguido constituir uma “joint venture” com um poderoso grupo britânico da aérea de mineração, a Gemfields, na verdade, uma empresa pública daquele país, que tem uma quota na bolsa de valores, considerada a nível planetário, a primeira na exploração e tratamento de pedras preciosas de cor.
Dados reunidos, a seguir, pelo “Notícias” confirmaram tratar-se duma empresa que opera na Zâmbia, numa parceria com a Kagen, uma sociedade estatal daquele país da África Austral, em que aquela detém 75% e a empresa nacional os restantes 25 porcento, a mesma percentagem que encontramos na Montepuez Ruby Mining, Lda, a maior para a Gemfields.
O nosso jornal tem conhecimento de que no quadro da “joint venture” a Gemfields se responsabiliza por toda a cadeia produtiva, desde a exploração do mineral à colocação nos mais cotados mercados da especialidade no mundo, passando pelo processamento.
Parecia terem sido ultrapassados os pontos de penumbra entre a empresa e as comunidades locais, que representadas pelas suas lideranças tiveram que fincar pé, para que do negócio não saíssem a perder totalmente, questionando inclusive, os seus benefícios.
Do encontro de 13 de Junho de 2011, saiu o compromisso de a empresa promover o desenvolvimento comunitário, através de iniciativas sociais, cujo alcance passaria pela selecção de 72 famílias, para além da sede do posto, nas aldeias circunvizinhas de Nsewe, Nanune, Nanhupo (A e B), Mpene e o aglomerado populacional de Ntoro, que iriam beneficiar de um projecto de criação de aves.
Para o início do projecto de aviários, a empresa iria atribuir a cada família escolhida 25 pintos, comedouros e bebedouros, ração e vacinas para o primeiro mês. Por outro lado, ela mesma compraria os primeiros 12 frangos dai resultantes, ficando para cada beneficiário os restantes, que poderia vender no mercado.
Um outro grupo de beneficiários seria de carpintaria, constituído por 20 pessoas, para o qual a concessionária, iria comprar todo o material de trabalho, que iria extrair a madeira no interior da sua área e o produto seria absorvido pela empresa, na fase inicial em que iria precisar de se equipar e, mais tarde, poderia estar disponível a outros clientes.
Deste modo, seria com base na madeira extraída na área concessionada, que seriam produzidas carteiras escolares para, numa primeira fase, a escola primária local, cuja reabilitação foi concluída, no quadro dos melhoramentos prometidos.
Entretanto, mais um grupo de beneficiários, desta feita de produção de hortícolas seria identificado. Seriam 25 elementos da população, a quem a empresa se comprometia a apoiar, fornecendo semente melhorada e pesticidas, instrumentos de trabalho, para no fim o produto ser comprado pela mesma, se bem que, mais tarde poderia até pôr no mercado.
Escola de Nsewe 1 em reabilitação
Força invisível (?) gora todas as iniciativas
A liderança tradicional, ouvida pelo nosso jornal, logo a seguir ao anúncio das promessas da empresa, apresentou-se particularmente satisfeita por entender que o desenvolvimento da futura empresa far-se-ia sentir nas comunidades locais.
Terenciano Dinis, régulo do primeiro grau, que encarna o nome do seu antecessor, Nánhoma, falando em moldes elogiosos, por aquilo que dizia ser um reconhecimento das razões que sempre assistiram às populações locais, disse ser o que as populações necessitavam para uma boa convivência com a empresa.Ficava ainda mais satisfeito por, entre as beneficiações constar a construção de uma campa do seu antecessor, Nánhoma, para o que a Mwiriti (mesmo antes de absorvida na actual sociedade), já alocara 22 chapas de zinco, 20 barrotes, cinco sacos de cimento, cinco quilos de pregos, quatro litros de tinta e um pincel.
É dentro deste quadro que a empresa resultante da fusão das duas acima reiteradas, inicia com o processo da sua instalação, que culminou com o primeiro sinal da actividade de exploração mineira, oficialmente lançado a 23 de Agosto passado, depois de a 3 de Abril ter chegado àquela vila mineira o equipamento pesado destinado à extracção industrial do minério.
Porém, concomitantemente, multiplicou-se a apetência pelo rubi de Namanhumbir, obtido pelas vias ilegais, o que fez com que, em menos de dois meses houvesse no norte de Moçambique, mais de cinco detenções de pessoas, nas províncias vizinhas, na posse daquele minério mais caro, a seguir ao diamante, a última das quais foi da cidadã norte-americana, em Nampula, apanhada com 6,88 quilogramas, uma quantidade que vale entre 25 e 30 milhões de dólares, segundo estimativas de gente abalizada.
No terreno, os exploradores ilegais não desarmam e usando cidadãos nacionais, os estrangeiros, muitos deles igualmente com presença ilegal em território nacional, incrementam as suas acções, puxando para o seu lado os que, por seu turno, ganham com a exploração do recurso, de forma nociva aos cofres do Estado.
Entretanto, os estrangeiros responsáveis pela manipulação dos moçambicanos são localizáveis, pois vivem nas proximidades da mina de Namanhumbir, a maioria deles de forma ilegal, nomeadamente nas aldeias Nanhupo, Msewe e na sede do posto administrativo, outros ainda na cidade de Montepuez, que as várias rusgas policiais não os conseguiu retirar.
Aliás, segundo fomos informados no local, as intervenções policiais acabam prejudicando os nacionais, que são postos à frente da acção criminosa, pois os seus mandantes não se envolvem directamente na exploração ilegal do minério, criando à sua volta pequenos grupos de moçambicanos que trabalham para si.
Destruição do pouco que se ia conseguindo
A concessionária da mina de Namanhumbir (antes e agora) sempre se dispôs a colaborar com as comunidades, através das suas lideranças, na perspectiva de ir melhorando as condições de vida da região, a partir dos projectos pensados e a que fizemos referencia atrás.
O director do projecto, Sanjay Kumar, pediu no dia 23 de Agosto, mais uma vez, a colaboração das autoridades, principalmente no que aos aspectos ligados à legislação diz respeito, alegadamente porque é sua intenção ver o empreendimento abraçado no seio das comunidades locais, bem assim sem desentendimentos de qualquer espécie com o governo.
Trata-se do prosseguimento do trabalho de Asgar Fakhr, considerado o “rebenta-mina” de Namanhumbir, pois lidou com todas as vicissitudes na altura em que aquela região mineira era um verdadeiro barril de pólvora, que muitos pensavam tivesse sido dissipado.
Numa altura em que está em construção a vila mineira e a exploração industrial praticamente em curso desde o dia 23 de Agosto, esperando a montagem de casas para o alojamento de técnicos e especialistas do ramo de mineração e a implantação do equipamento de lavagem, eis que de novo rebenta uma onda de mal-estar entre os populares, postos como escudo dos estrangeiros, que os terão maquinado para uma possível manifestação em jeito de assalto à mina, à qual a polícia se antecipou.
Em resposta à acção policial, os manifestantes escolheram, curiosamente, as infra-estruturas que estavam a ser reabilitadas pela empresa com que, aparentemente, não se simpatizam, para as destruir.
A concessionária ainda está na fase do cumprimento das promessas por si feitas, havendo até aqui, conforme se pode ver, escolas reabilitadas e cerca de 17 poços de água que se encontravam inoperacionais.
Na opinião de pessoas que acompanham o evoluir da situação de Namanhumbir e que não se deixam levar pela pretensa insatisfação popular, resta concluir que a Montepuez Ruby Mining, Lda enfrenta, neste momento, resistência de duas proveniências que se completam.
Por um lado, segundo sustentam, está o facto de que os estrangeiros ilegais não querem desarmar e não pretendem dar a cara no garimpo, pois encontraram nos moçambicanos uma fragilidade que lhes faz pensar que vale a pena ganhar o pouco que eles dão ao invés de ser o Estado que tem a responsabilidade de distribuição da riqueza existente.
Há muito interesse em algumas pessoas locais, mesmo fora das lideranças comunitárias, que prossiga a desgovernação em Namanhumbir, para que disso obtenham os dividendos directos, ainda que tal signifique somas em dinheiro avultadas, perdidas pelo Estado moçambicano.
Uma outra variante coloca-se em quem tem que tomar a decisão de expurgar a região dos estrangeiros ilegais, considerados pela empresa e analistas atentos, como os promotores de todas as acções que emprestam um carácter rebelde às populações de Namanhumbir.
O facto é que corre muito dinheiro na mina de Namanhumbir e casos de conivência têm sido detectados, mas ainda ao mais baixo nível, suspeitando-se que haja mais gente interessada na desordem que se vive naquela região, a sul da capital provincial de Cabo Delgado.
Não se percebe que na mesma altura em que os líderes comunitários da zona, sob a solicitação da empresa, acabam de entregar 70 jovens, apenas para serventes de casas que já estão a ser implantadas, a reabilitação de poços continua e se fala em cerca de 500 postos de emprego, seja o momento exacto escolhido pela dita população para perpetrar acções de vandalismo contra o empreendimento que assim procede.
A situação de Namanhumbir está a clamar por uma maior e menos duvidosa intervenção dos poderes existentes, sob o risco de se perpetuar o actual clima em que parece não haver autoridade instituída, conforme alguns funcionários do Estado ali afectos, que não se sentem confortáveis face às desconfianças mútuas existentes de aparente conivência de alguns sectores, ainda não identificados, da administração local.
O posto administrativo de Namanhumbir, a cerca de 170 quilómetros de Pemba, tem 22.140 habitantes, tendo fé nos dados estatísticos do recenseamento populacional e de habitação, que teve lugar no sétimo ano desta década.
Deste universo, 2.379 habitantes vivem na aldeia-sede do posto, que hoje deve ter mais gente, tendo em conta o número de estrangeiros que lá existem, bem assim, as aldeias Nanhupo e Msewe, para além dos que fixaram residência na cidade de Montepuez, sede do distrito do mesmo nome.
- Pedro Nacuo