Angelina, mãe de quatro filhos, tinha três casas antes da implantação do projeto Vale em Tete, no centro de Moçambique, mas perdeu duas ao ser transferida para Cateme, onde "a terra não é favorável para fazer machambas" (hortas).
Em janeiro, 750 famílias protestaram contra a mineira brasileira Vale por terem sido transferidas para Cateme, na província de Tete, denunciando as dificuldades de acesso à água potável, terra arável e energia elétrica.
Mas volvidos nove meses, as casas ainda "têm problemas de racha", diz Angelina Fulano em declarações à Lusa, encostada a parede da sua casa rodeada de seus filhos.
"Na primeira zona eu tinha três casas, mas quando saímos viemos para outra zona, fizemos uma casa grande que tinha dois quartos, uma dispensa, uma sala e uma varanda", descreve. "Nós perdemos aquela casa grande, eles vieram e construíram estas duas casas. Agora já não são três. Perdemos uma casa", afirma.
O processo de realojamento das famílias abrangidas, lançado em 2009, estava avaliado em 120 milhões de dólares (91 milhões de euros), mas até à altura das reivindicações foram investidos cerca de 100 milhões de dólares.
A Vale reconheceu a justeza das reivindicações, pois havia "melhorias a serem feitas" para corrigir os defeitos das casas atribuídas pela empresa às famílias que foram transferidas para Cateme, no entanto, a situação continua a não agradar os afetados.
"Estamos a sofrer", resume Angelina Fulano, que lembra as más condições dos solos para a prática de agricultura numa província onde chove, em média, 72 dias por ano.
Para minorar o sofrimento das famílias, a Vale e o governo local decidiram doar bens alimentares durante três meses, programa que já parou.
"Não nos dão (alimentação). No mês de maio/abril recebemos mas foi a primeira e a última vez, até agora", conta Angelina, enumerando, de seguida, os produtos doados pela Vale à população afetada: "Três sacos de farinha, dois quilogramas de sal, dois de açúcar, 12 litros de óleo, 15 quilogramas de feijão".
O rancho só "fez um mês, como era (uma alimentação à base de) farinha".
"Só se fosse milho, fazia três meses. Como foi farinha não deu certo para nós acabarmos três ou quatro meses a comermos. Acabou".
Hoje, Angelina Fulano e as diversas famílias anteriormente camponesas, fazem biscates na movimentada região de Moatize para sobreviver, porque "ir lá meter o problema" de que se perdeu uma casa "não deu certo".
"O meu marido disse que não é preciso ir meter queixa sobre a casa. E, como mulher, o que posso fazer? Estamos assim com estas duas casas, duas dependências e esta casa que tem uma sala e um quarto", aponta.
A relação com a Vale e governo local agora "está normal", mas o sonho de ter a sua própria machamba permanece.
"Nós não temos machambas. Estamos a sofrer por causa de machambas", diz.
A Vale é uma das companhias mineiras que exploram carvão mineral em Moçambique, tendo iniciado as suas exportações em agosto do ano passado.
A multinacional investiu cerca de 1,9 mil milhões de dólares nas operações em Moatize, província de Tete, centro de Moçambique, e investirá mais 6,4 mil milhões de dólares na expansão da produção da mina e nos projetos de logística.
MMT
Lusa – 16.09.2012