Trata-se de pessoas idas de vários pontos da província de Maputo que, nos últimos tempos, se tem socorrido do transporte ferroviário para fazer face às enchentes e à demora que se vive um pouco por todas as paragens do transporte rodoviário da cidade de Maputo.
O congestionamento, causado pelo crescimento do parque automóvel, faz com que o comboio passe a ser o meio mais “veloz”, pois tem poucas paragens e pelo percurso não corre risco de congestionamento, tal como acontece no transporte rodoviário.
Antes com linhas a servirem utentes da Matola Gare, Ressano Garcia, Goba, Manhiça e outras rotas mais distantes que se ligam a Maputo, hoje o comboio é um meio muito procurado por pessoas a residirem nos bairros que crescem no contexto da expansão urbana e que têm a cidade de Maputo como local de trabalho e espaço para as suas mais diversas actividades.
Para além dos assalariados e/ou de pessoas com emprego fixo estão os informais que vendem um pouco de tudo aos passageiros. No terminal rodoviário e ferroviário que estão defronte e no interior dos Caminhos de Ferro de Moçambique não falta o famoso amendoim torrado, a castanha, as bolachas, bolos e refrigerantes. Vende-se quinquilharia diversa na esperança de ganhar algum dinheiro dos que não se lembraram de comprar um corta-unhas numa loja.
Sérgio Machava é um adolescente de 14 anos. Contou-nos que aos nove anos já vendia amendoim nas imediações dos Caminhos de Ferra de Moçambique para ajudar a sua avó. Não vai à escola há dois anos e preferiu trocar os livros pelo negócio porque em casa havia falta de tudo e até de dinheiro para comprar um simples lápis.
Contou-nos que ele na companhia de alguns amigos fazem aquele tipo de negócio que não traz grandes rendimentos, mas que combate um dos mais básicos problemas que uma família pode ter: a falta de comida.
“Saio muito cedo para a estação e até às oito horas inicio com o trabalho. Quando não há movimento de passageiros de comboio, vendo lá a frente procurando os que vem apanhar chapa e quando é hora do comboio entro nas carruagens à procura de clientes, porque há sempre alguém a solicitar alguma coisa”, disse Sérgio.
À semelhança do nosso interlocutor estão muitos jovens de sua idade, para além de mulheres e crianças que têm a estação ferroviária e as imediações como ponto para realizarem os seus negócios. Para além de comboio aquele ponto é também terminal rodoviário, onde se cruzam autocarros de vários pontos da cidade e província de Maputo, que dificilmente respondem à crescente demanda.

Julião da Silva
Como regressar à casa
É triste, arriscado e nalguns casos divertido como parte dos trabalhadores que vivem distante do centro da cidade regressam a casa.
Julião da Silva é utente assíduo do meio de transporte ferroviário. Reside em Malhampsene, Município da Matola, e tem o seu emprego na zona da baixa da cidade de Maputo. Diariamente faz um exercício que o obriga a procurar pelos “chapas” e/ou autocarro nas manhãs. No final do dia, a sua salvação é o transporte ferroviário. Falou à nossa Reportagem do seu dia-a-dia no comboio e dos seus anseios no que diz respeito aos serviços lá prestados.
Utente há cerca de seis meses, Julião da Silva disse que tudo partiu de uma conversa com alguns amigos da sua zona residencial. “Eles convenceram-me a experimentar o comboio e de lá para cá passou a ser o meio que mais uso. Prendeu-me lá a rapidez com que chego a casa, comparativamente ao meio rodoviário”, justificou a nossa fonte.
Como Da Silva existem outros utentes a trabalharem na zona baixa e que vêem no comboio mais vantagens, comparativamente ao transporte rodoviário.
Ana Rita Tene é uma jovem jornalista que recorreu àquele meio de transporte no princípio do ano em curso.
“Tudo começou num dia chuvoso, marcado de incertezas quanto à chegada do autocarro. Uma amiga que também estava desesperada sugeriu que fôssemos tentar a sorte no comboio que estava prestes a partir, no terminal dos CFM. Desde esse dia para cá conto com os dedos da mão o número de vezes que viajei de carro”, disse a nossa interlocutora.
Sobre as vantagens, Ana Rita evoca a rapidez pois, no lugar de duas horas que levaria de carro, viajando de comboio chega ao destino em 30 ou 45 minutos. “O meu comboio favorito é da Matola-Gare e leva algo como 30 a 45 minutos. De vez em quando apanho o de Ressano Garcia que parte ligeiramente mais tarde, às 18.15H e o tempo de viagem é mais ou menos o mesmo”, disse Ana Rita.

Falta de iluminação e os “fura-bilhetes”
Entretanto, grande parte dos comboios circula mesmo ao cair da noite, mas há um pormenor essencial em falta: a iluminação. O facto, segundo os utentes abordados pelo Notícias, propicia a ocorrência de roubos. Soubemos que os amigos do alheio, à semelhança do que acontece nos “chapas”, obstruem a entrada, na hora do desembarque, com finalidade de se apoderarem dos bens dos passageiros.
“Houve vezes que testemunhei casos de roubo de telemóveis, que se supõe terem sido protagonizados por pessoas que barram a entrada e, na luta pela passagem com menos cuidado há algo que fica. Do rol das desvantagens está ainda o factor segurança. É um aspecto que dificilmente se pode controlar porque tem a ver com pessoas de má fé que arremessam pedras para o comboio em marcha, sobretudo na zona das bananeiras”, disse Ana Rita.
Não há dúvidas que o transporte ferroviário preenche uma lacuna deixada pelos meios rodoviário. Prova disso é o número de passageiros que diariamente aflui à estação central dos CFM. A título de exemplo, os comboios de Goba e de Ressano Garcia levam cada uma entre cinco a sete carruagens que andam todas superlotadas.
Estima-se em cerca de 90 o número de passageiros sentados em cada carruagem e em pé pelo menos 40, o que perfaz um total de 130 passageiros.
Margarida Cuna reside no bairro da Machava e é uma das utentes do meio de transporte ferroviário há cerca de dois anos. Lamentou o facto de nalgum momento, senão sempre, alguns passageiros viajarem empoleirados e sem que alguém faça algo para travar essa situação.
Falou da impressão que se pode ter de que as carruagens estão lotadas quando se viaja em condições extremamente arriscadas, quando nem sempre se está perante essa situação. De alguns passageiros ouvimos que nem todos os que viajam em pé fazem-no por falta de espaço no interior das carruagens.
“Há pessoas que ficam empoleiradas nas entradas pelo simples facto de não quererem pagar o bilhete. Nem sempre as carruagens estão totalmente preenchidas mas, porque a fiscalização apenas se ocupa de controlar os bilhetes, as pessoas vão fazendo anarquia baloiçam e pulam sempre que lhes for conveniente e nada lhes acontece”, afirmaram as nossas fontes.

O meu comboio favorito é da Matola Gare” (C. Bernardo)
É um meio promissor!
Julião da Silva considera o comboio como um meio que promete mas, avança que para tal, os Caminhos de Ferro de Moçambique têm muito ainda por fazer, pois a demanda suplanta a oferta. Para além de crescer em número têm que apostar também num serviço de qualidade para fazer a diferença. A qualidade, é na óptica da nossa fonte acompanhado pela segurança, comodidade e fiscalização “Acho que eles devem investir em mais carruagens e/ou comboios porque o número de utentes não pára de aumentar e os meios são os mesmos. A expansão urbana é inquestionável e o transporte rodoviário revela-se deficiente a cada dia que passa”, considerou Julião da Silva.
Para sustentar a sua opinião, o nosso interlocutor dá o exemplo do comboio que liga Maputo a Ressano Garcia que anda lotado diariamente.
À semelhança de outros passageiros por nós abordados, Julião da Silva vem no comboio mais vantagens que desvantagens: respeito do horário de partida e da rapidez com que chega a casa, o que não aconteceria se viajasse de carro.
Da Baixa para a zona da Indústria Moçambicana de Aço (IMA) são necessários 30 a 40 minutos, quando do meio de transporte rodoviário, seja chapa ou autocarro, se precisaria de algo como duas horas, sobretudo nas horas de ponta.
O nosso interlocutor o facto de algumas pessoas residentes ao longo da linha férrea, concretamente na zona da Machava aproveitarem-se da escuridão para arremessarem pedras contra os passageiros. A falta de fiscalização permanente é outro problema apontado pelo nosso entrevistado, pois cria espaço para a acção dos oportunistas que viajam a custo zero.
Um senão apontado pelos nossos interlocutores relaciona-se com o curto espaço de tempo que se leva nas paragens, que não permite a saída atempada dos passageiros abrindo espaço, vezes sem conta, para saídas precipitadas o que põe em risco a vida dos passageiros.
Se o pior não aconteceu é graças à sorte, pois até agora, muitos passageiros, ávidos de chegarem à casa tiveram muitas vezes que sair de forma precipitada na estação.
- Anabela Massingue