REFLEXÃO de Adelino Buque
Existe sempre o risco de ser conotado com este ou aquele desejo, num contexto em que o debate é bipolar, ou se é "não seguidista" ou se é "seguidista".
Ou seja, do ponto de vista do exercício do direito à liberdade, as pessoas manifestam-se em função desses dois desígnios, o que me parece empobrecer a nossa liberdade de expressão e de opinião. Quando o partido Frelimo lançou as teses ao X Congresso, escrevi um artigo cujo título era "Contribuição ao X Congresso", onde sugeria que, como forma de provar a maturidade do partido no poder, a Frelimo deveria passar a ter um presidente que fosse diferente do da República. Considerando os actuais desafios nacionais e internacionais, este desiderato, cedo ou tarde, poderá acontecer, sendo esse presidente da Frelimo Armando Guebuza ou outro nome. Mas me parece importante deixar a liderança do partido aos combatentes da Luta Armada de Libertação Nacional, enquanto os destinos do país como um todo nas mãos de outras gerações que se mostrem competentes para o fazer.
A ideia defendida por algum sector de opinião, segundo a qual "há negócios que só podemos proteger enquanto dominamos o jogo político", é real e aplica-se a economias que ainda não estão assentes em bases sólidas.
Na minha opinião, não devemos deixar de introduzir inovações só porque existe esse tipo de conotações.
O importante é avançarmos e vermos como as coisas acontecem nesse contexto específico, devendo recordar que o presidente da Frelimo não é executivo. Existe o secretário-geral e o respectivo Secretariado, cujas competências em nenhum momento colidem com as do Chefe do Estado. O debate em torno da revisão do artigo 75 dos estatutos da Frelimo pelas diferentes sensibilidades da nossa sociedade, por si só, mostra o interesse que o povo tem na vida do partido Frelimo; mostra o quanto, quer se queira quer não, a Frelimo está sempre presente nas nossas vidas. Esse debate não deve coarctar a tomada de decisões consentâneas com a actual fase do crescimento do partido.
A confusão entre o partido que governa e o partido que sustenta o Governo continuará enquanto os eleitos do povo nos diferentes escalões não desempenharem o seu papel. Exemplos disso existem aos montes. Por exemplo: o edil da Beira queixa-se do boicote que sofre na Assembleia da Cidade da Beira protagonizado pelas bancadas da Frelimo e da Renamo. Creio que o mesmo acontece em Quelimane, mas estes encontram algum conforto nos seus próprios partidos. Se estes dois edis tivessem bancadas nas respectivas autarquias, essas bancadas não operacionalizariam os seus programas? Outro exemplo vem da Assembleia da República. Desde que a Renamo é partido nunca aprovou um orçamento, sabendo que este é condição de base para o funcionamento das instituições e até para o pagamento dos respectivos honorários, mas, porque a Frelimo esteve sempre em maioria, os programas do Governo foram sendo implementados até hoje. Por isso é importante olhar para aquilo que são os benefícios de uma determinada forma de estar e ser.
Como disse acima, este debate mostra o quão a Frelimo é importante nas nossas vidas privadas e públicas.
Mostra que a sociedade quer uma Frelimo à altura dos desafios actuais do mundo. Num processo em que haja transparência, esta vontade dos cidadãos, esta vontade nossa, não significa que deva interferir negativamente nas perspectivas de crescimento do partido Frelimo, e tão pouco os dirigentes da Frelimo devem olhar para as pessoas que pensam diferente como sendo "anões mentais". Estamos cientes de que a Frelimo funciona com base nos seus órgãos. No caso em debate, caberá ao Congresso decidir se quer avançar ou se prefere estagnar na velha fórmula de 1975 em relação a estas e outras matérias sensíveis de governação, sem ser necessariamente a captura do Estado pelo partido. Sabemos porque estamos atentos aos factos que ao Comité Central saído do X Congresso a realizar-se em Pemba caberá a honrosa missão de indicar o concorrente da Frelimo para as eleições presidenciais de 2014. Sabemos tudo isso. O que estamos a fazer, cada um no seu canto, é pensar naquilo que achamos adequado para a Frelimo, o que pode não coincidir, naturalmente, com o pensamento dos órgãos do partido, o que não significa ser, necessariamente, um anão mental.
Reitero que seria demonstração de grande maturidade que o presidente da Frelimo fosse diferente do Presidente da República, porque o capital político exigível para presidir a Frelimo é diferente do capital político para o Presidente da República e inversamente também se pode dizer que o saber, o domínio científico do Presidente da República não é o mesmo relativamente ao do líder do partido.
Recordar que estamos na era das tecnologias de informação e comunicação, da descoberta dos recursos minerais, hidrocarbonetos, entre outros. Hoje falamos de biliões de USD. Com uma boa gestão, corremos o sério risco de não dependermos da ajuda externa. Vamos olhar para a frente sem receios. A Frelimo não deve negar o seu próprio crescimento; isto é, a governação ao mais alto nível continuará sob liderança dos "jovens" do 25 de Setembro de 1964 ou alguém de outra geração "pensa” que pode liderar a Frelimo como seu presidente?
Haja paciência.
CORREIO DA MANHÃ – 17.09.2012