Fernando Soares Campos
Eu gostaria de entender melhor a aplicação e o funcionamento da Lei de Causalidade, que também é conhecida como Lei de Causa e Efeito ou Lei de Ação e Reação. Mas não quero me limitar a princípios sintetizados: “toda causa gera um efeito” ou “toda ação gera uma reação”. Isso realmente pode ser verificado através de experimentações científicas, ou simplesmente observado na sucessão contínua de nossas próprias experiências pessoais.
Também não quero me ater a exemplificações específicas sobre causas e efeitos de ordem pessoal, consequentes à vontade e ação do indivíduo, nem a exemplos precisos de causas oriundas de decisões coletivas e que gerem efeitos isolados sobre indivíduos ou atinjam o âmbito total de uma sociedade.
O que pretendo mesmo é compreender por que um princípio tão lógico como a Lei de Causalidade pode ser preterido quando da investigação de certos acontecimentos e, em seu lugar, admitir-se a incidência de “casualidade”, “acaso” – sorte, destino, fatalidade, milagre, vontade de Deus...
As crianças parecem ser as mais renitentes criaturas interessadas em conhecer as causas e as conexões dos acontecimentos.
Por exemplo...
Pai: “O velho Pedro morreu”. Filho: “Morreu por quê?” “Foi atropelando quando atravessava a rua.” “E por que ele foi atravessar a rua?” “Ele ia à padaria.” “E por que ele ia à padaria?” “Ia comprar pão, ora!” “E por que ele ia comprar pão ora?” “Porque estava com fome, claro!” “E por que ele tava com fome claro?” “Ele estava com fome porque já fazia muito tempo que não comia!” “E por que fazia muito tempo que ele não comia?” “Para! Você está me deixando louco!”
Aí, chega a mãe e fala carinhosamente: “Filho, ele morreu por que Deus o chamou”. “E por que Deus o chamou?” “Porque chegou sua hora.” “E por que chegou sua hora?” “Vá dormir, vá, filhinho. Amanhã você precisa acordar cedo, tem que ir pra escola.” “E por que eu tenho que ir pra escola?”
O problema é que os fatos geralmente se encadeiam em causa e efeito-causa (efeito dominó); por isso, às vezes não conseguimos argumentar com objetividade, priorizando o núcleo da argumentação e identificando seus elementos periféricos, supostamente secundários. Ainda mais se alguém nos bombardear com perguntas fixadas no efeito cascata.
A gente nem sempre consegue enxergar a verdadeira relação entre os acontecimentos, aquilo que possa revelar ligação entre as ações de causa e efeito, a “causalidade” dos fatos.
E as “casualidades”? Como se explica um fato ocorrido de maneira aparentemente fortuita, ao acaso, sem que possamos identificar qualquer motivo que justifique seu acontecimento, sem qualquer explicação plausível sobre aquilo que o gerou?
Existiria efeito sem causa, como dizem que alguns especialistas em física quântica pretendem provar? Não seria apenas o orgulho, ou arrogância, de certos cientistas que não admitem assumir que desconhecem as causas de tal ou qual fenômeno? Isso implicaria afirmar que o “acaso” existe. Acredito que a diferença básica entre tais cientistas e determinados religiosos é que estes, invariavelmente, atribuem a suposta ocorrência de um “acaso” à vontade de Deus (sorte, destino, milagre); enquanto aqueles, provavelmente, identificam a fonte do “acaso” no próprio “acaso”. É como se do “nada” pudesse surgir "alguma coisa".
Assim como existe a Lei de Causalidade, existiria uma “Lei de Casualidade”?
Ora, terá pensado você, leitor atento: “Se a 'casualidade’ ocorresse sob as determinações de uma regra, uma lei, nesse caso, deixaria de ser casualidade”.
Concordo, mas veja o que o outro leitor igualmente atento diria: “A Lei de Casualidade é a sorte ou o destino”.
Ou seja: a casualidade seria fruto da casualidade. É isso? Então, voltamos à questão do cientista ateu e do religioso fanático.
Porém, nesse específico caso, o religioso fanático está mais próximo da razão que o cientista ateu, pois este pretende explicar o surgimento de “alguma coisa” a partir do “nada”; enquanto o religioso fanático admite, pelo menos, uma causa a determinado fenômeno “inexplicável”: sorte, destino, vontade de Deus....
Analisando “sorte” e “destino” através de conceitos que conotem, ou denotem, casualidade, ou seja, quando a gente classifica certos acontecimentos como tendo sido o resultado da sorte ou do destino, tais como dependentes do acaso, estamos apenas buscando justificativa para o que ainda não entendemos, ou para as causas que ainda não identificamos.
Acontece que aquilo que costumamos chamar de sorte ou destino tem, na verdade, pai e mãe. E não é a Providência Divina interferindo em determinados casos, beneficiando uns ou castigando outros; mas apenas a própria Legislação Universal, natural, perfeita, atuando em todos os sentidos.
O que chamamos de sorte ou destino são fatores que ocorrem em consequência de nossas próprias ações, reações ou inações: as formas ativas ou passivas como nos comportamos em determinados momentos, diante das situações que se nos apresentem. A “sorte” ou o “destino” seria, portanto, o “efeito” de como agimos, reagimos ou “inagimos”, fazendo uso adequado ou inadequado dos recursos de que dispomos. Daí, a boa ou má sorte, o bom ou mau destino. Por isso mesmo, sorte e destino têm “causas”, não são simples frutos de “acasos”. Assim, podemos continuar chamando de “sorte” ou “destino” aquilo que ainda não entendemos ou não identificamos a origem.
A “lei de casualidade” só “existiria” em função da nossa ignorância, dos nossos parcos conhecimentos, da nossa pouca compreensão do mundo e de suas realidades. Seria ela apenas uma abstração, ou um “cover”, da Lei de Causalidade, pois a distinção entre uma e outra só pode ser estabelecida considerando-se apenas o grau de facilidade ou de dificuldade que tivermos para identificar razões, motivos, causas dos acontecimentos. A questão é que, quando não enxergamos claramente a “causa”, tendemos a atribuir tudo ao “acaso”.
Milagre, por exemplo, é um fenômeno inexplicável através das leis naturais “reveladas” pela Ciência, até onde o processo científico alcançou. Ou seja: inexplicável devido ao nosso limitado grau de conhecimento das leis naturais (não confundir com leis do Direito Natural).
Trocando em miúdos.
Para muita gente, ainda hoje, o simples ribombar de trovões e a precipitação de raios no céu seriam fenômenos milagrosos, ocorridos apenas em função da vontade de Deus, com momento e hora marcada, por merecimento ou necessidade, anunciando boa-venturança ou desgraça... E assim foi para toda a Humanidade, durante séculos e séculos, porém já não é mais isso para a maior parte dos humanos (supõe-se), ou para os humanos razoavelmente instruídos.
Como nos comportamos diante de relatos sobre “milagres” testemunhados?
Ou nos negamos a acreditar nas testemunhas, tratando o caso como fruto de imaginação fantasiosa ou de possível alucinação (individual ou, o que é mais difícil de se aceitar, “coletiva”). Ou atribuímos o fato a certa revogação momentânea e localizada das leis naturais (“sobrenaturalidade”), pela “vontade de Deus”, com o propósito de realizar o tal “milagre” e de transmitir uma mensagem. Ou nos munimos de razões naturais, alicerçadas em conhecimentos científicos, e, a partir daí, elaboramos fundamentos de caráter essencialmente teórico, transcendentes às experiências verificadas pelas nossas funções sensoriais imediatas.
Milagre seria, portanto, para algumas pessoas, uma mentira, invencionice, fantasia, ou nada mais que alucinação; para outros, obra da vontade de Deus, que teria promovido uma eventualidade a fim de atender determinado propósito. Outros tantos tentariam explicá-lo através do conhecimento intuitivo, supra-sensível; mas, na medida do possível, ratificado por detalhes qualitativos e quantitativos do fenômeno, detalhes estes identificados e classificados com base em processos científicos.
Dessas três proposições, cabe desenvolver apenas a terceira, pois as duas primeiras, por si mesmas, pelas suas próprias formulações, pretendem responder à questão.
Quando à explicação “científica” de um “milagre” (explicação em que se leva em consideração a ocorrência de leis naturais reveladas – ocorrência daquilo que delas temos comprovado conhecimento – e, com isso, elabora-se fundamentos teóricos que, por sua vez, possam fornecer subsídios instigantes a pesquisas através de ciências diversas... ), pois bem, quando a essa explicação acrescentamos, além dos caracteres científicos e filosóficos (metafísicos), elementos de “paranormalidade”, afastamo-nos da compreensão da Lei de Causalidade e enveredamos no campo das “casualidades”, simplesmente porque “sobrenaturalidade” e “paranormalidade” redundam em fé cega, crença fanática (apesar de ambas as palavras terem relação semântica entre si, a primeira é bastante utilizada para justificar fatos sob o ponto de vista religioso, e a segunda é muito empregada nas explicações de fenômenos ufológicos, por exemplo).
“Sorte” no jogo “de azar”
Sabemos que ganhar ou perder nos chamados jogos de azar é uma questão inerente à Lei de Probabilidade.
Ao lançarmos um dado, cada face dele tem uma possibilidade de ficar para cima; uma entre seis possibilidades de posição (1/6).
O mesmo acontece quando giramos uma roleta numerada: cada número tem uma possibilidade de parar em posição de premiado; uma entre um número maior de possibilidades de posição (1/n).
(Os matemáticos podem desenvolver teorias baseadas em fatores que devem ser levados em consideração quando dos cálculos estatísticos que determinam as probabilidades, fatores esses que podem interferir no resultado do jogo. Entretanto, sob um conceito geral, tal resultado está sempre determinado por uma possibilidade de ganhar entre tantas de perder.)
Nos jogos de azar, uma das características da Lei de Probabilidade é cada tentativa resultar em um acontecimento, tendo-se um estabelecido número de possibilidades de que ele venha a acontecer. Sendo assim, só haveria razão para se falar em “acaso” se as probabilidades fossem infinitas, o que, por si mesmo, descaracterizaria o sentido do termo, por não haver mais a determinação de como o fato ocorre.
As probabilidades nos jogos de azar somente variam em função da modalidade ou de defeito no sistema de jogo. E nada indica que haja influência de suposto acaso, sorte, boa estrela. A primeira causa de alguém ganhar ou perder num desses jogos é a decisão de jogar. A segunda está submetida à Lei de Probabilidade.
Em se tratando de jogos de azar que exijam atenção, raciocínio e habilidade dos jogadores, como acontece, por exemplo, nos jogos de carta, as probabilidades podem variar no tempo, de acordo com a jogada. Não se pode dizer que, porque alguém deitou, passou ou comprou tal carta, tenha, com isso, aumentado ou diminuído sua “sorte”; mas, sim, suas chances, as probabilidades.
A Lei de Probabilidade, assim como todas as leis naturais, está inserida no complexo da Legislação Universal.
Sincronismo e coincidência de acontecimentos idênticos
Acontecimentos idênticos podem ocorrer ao mesmo tempo ou numa sequência temporal, mas sem relação imediata de causa e efeito entre si, aquilo que a gente costuma dizer: “Um não tem nada a ver com o outro”. Ou: “Um não é a causa nem o efeito do outro”. Em cada um dos acontecimentos, podemos identificar, isoladamente, agentes e motivos que os provocaram Sendo assim, cada ocorrência tem seu relacionamento íntimo-causal independente. No caso, por exemplo, de uma série de incêndio: a causa que levou alguém ou alguma coisa fazer arder as chamas aqui não é a mesma causa (agente e ação) que fez arder as chamas ali ou acolá.
Em acontecimentos meramente sincrônicos, as relações entre eles residem em fatores fenomenais. Ainda como exemplo, analisemos a série de incêndio:
a) Têm causas (agentes e ações) e efeitos. Lei de Causalidade.
b) Ocorreram sob a determinação do mesmo princípio, ou seja: o fogo que queima aqui e o fogo que queima lá ou acolá obedecem à mesma Lei de Combustão.
(Porém não se pode atribuir a causa do fogo à própria Lei de Combustão, visto que não existe autocombustão – combustão espontânea –, como alguns cientistas pretendem provar. Seria basicamente o mesmo que dizer que existe efeito sem causa.)
c) Fatos idênticos podem ocorrer em vários pontos ao mesmo tempo (momento exato, rigorosamente pontual – sincronização linear no tempo e no espaço), ou em tempos distintos; neste caso, poderíamos considerá-los sincronizados em função da abrangência espacial e da frequência temporal: a cada tantos minutos, tantas horas, tantos dias, tantas semanas, tantos meses, tantos anos... tal número de fatos idênticos aconteceram ou acontecem numa determinada área (bairro, cidade, estado, país, continente...). Lei de Probabilidade.
Epa! Mas essa tal Lei de Probabilidade não é para os chamados jogos de azar?
A questão espaço-temporal dos acontecimentos sincrônicos pode ser definida pela abrangência territorial e frequência temporal das ocorrências, e, colhidos estes dados, pode-se estabelecer as probabilidades, usando cálculos fundamentados na teoria de probabilidade, a Lei de Probabilidade.
Coincidência
Os acontecimentos idêntico-sincrônicos são muitas vezes chamados de “coincidentes”, porém o significado de “coincidência” deveria ficar restrito ao fato de que eles se realizaram ao mesmo tempo ou numa definida sequência de tempo.
O problema é que costumamos usar a palavra “coincidência” ou “coincidente” para designar acontecimentos que teriam ocorrido “ao acaso”, ou seja, acreditando que a simultaneidade teria acontecido “por acaso”, sem levar em conta fatores naturais e artificiais preestabelecidos, os quais podem fornecer elementos para cálculos probabilísticos: frequência dos acontecimentos, área de incidência, condições climáticas dessas áreas, condições geológicas dessas áreas, condições de uso social dessas áreas, enfim, ene fatores que podem influenciar a incidência de certos acontecimentos. De posse desses dados e mais os que aí couberem, qualquer matemático pode calcular as probabilidades de vir a ocorrer tal ou qual fenômeno, em tal ou qual área, com tal ou qual frequência. Dessa forma, deixaríamos de chamá-los de “coincidentes casuais” (coincidentes ao acaso) e passaríamos a chamá-los de “coincidentes probabilisticos”.
Conclusão
Se acontecimentos idênticos ocorrerem em série, existem aí três fatores naturais e generalizantes que os relacionam:
1) Qualquer acontecimento encerra, obrigatoriamente, a Lei de Causalidade, nenhum ocorre por acaso.
2) Em todo acontecimento ocorre um fenômeno natural, ou conjunto de fenômeno, que caracteriza sua dinâmica: incêndio/combustão, desabamento/fadiga...
3) A sincronia entre os acontecimentos pode ser evidenciada através de cálculos probabilísticos;
Se fugir aos padrões probabilísticos, há fortes razões para se admitir relação de intencionalidade na produção da série.
Mas nós podemos continuar acreditando na existência de suposta Lei de Casualidade, só não podemos atribuir sua existência à vontade de Deus, mas tão-somente à nossa ignorância. Deus compreende, tanto que já me perdoou por eu ter induzido alguém a ler tudo isso.
14.09.2012