SR. DIRECTOR!
Agradeço desde já a publicação desta reflexão nesta página que é de todos os moçambicanos. Julgo que não serei o primeiro, quiçá, não seja o último moçambicano a dissertar sobre este assunto, mas tal como os que já o fizeram, considero-o tão pertinente como pontual.
O que me provoca “convulsões no estômago” é o facto de apresentarmos na nossa bandeira uma AK47 (Avtomat Kalashnikov 1947, com cerca de 100 milhões de exemplares que já tiraram a vida de mais de sete milhões de pessoas), vulgarmente tratada entre nós como AKM.
Fica desde já o aviso de que não pretendo aqui, de forma alguma, diminuir a importância que este instrumento teve na libertação e construção desta pátria. Mas, ao tomarmos em conta o simbolismo que a bandeira representa para um povo, se considerada um objecto que por si só caracteriza e identifica os povos, é muito provável que, mesmo antes de se saber, por exemplo, onde fica Moçambique ou quem será o chefe de Estado deste país, se conheça a bandeira deste, dado que a bandeira constitui um instrumento de fundação da nação, de soberania, é a representação máxima de um Estado, quer no seu território quer além deste, é o BI de todos os moçambicanos. O que significa que a sua apresentação deve representar a cultura e ideologia do povo.
Confesso que via com muita graça o facto de apresentarmos uma arma na nossa bandeira, mas a reflexão chamou-me à razão, até porque já tive de responder a várias perguntas desagradáveis por esse facto, perguntas decorrentes da indignação das pessoas, justificada pelo significado sanguinário que uma arma representa.
Reconheço a pertinência e importância que a AK47 teve e continua a ter para os moçambicanos, está mais do que claro que ela faz parte de nós, não reconhecê-la seria amputar a nossa própria história. Portanto, a lei causal que condicionou este facto pode ser perfeitamente incontestável, também este não é o cerne da questão, elemento questionável à partida é a causalidade de este símbolo permanecer num contexto explicitamente diferente. Somos um povo que resistiu secularmente para libertar a pátria, somos um povo que precisou de empunhar armas para construir a moçambicanidade, fizemo-lo com bravura. Somos heróis? Claro que somos! Mas não somos o único povo no mundo que o fez ou que ainda o faz e nem por isso esses povos decidiram colocar armas nas suas bandeiras (até porque, de acordo com o conhecimento que tenho, apenas dois países envergam armas nas suas bandeiras, e um deles é o nosso). A interpretação que nós, moçambicanos, temos para esse facto é bem diferente de quem não conhece a nossa história, pois para este fica a sensação de violência, fica com a impressão de que somos um povo beligerante e intolerante que usa armas de fogo para resolver os seus diferendos, armas que significaram e que ainda significam banho de sangue em várias paragens do mundo.
Mas nós, como um povo culto, inteligente e de valores culturais consagrados na PAZ e que, acima de tudo, teve tristes experiências com armas de fogo, não precisamos ser confundidos. Podemos ultrapassar este imbróglio, da mesma forma que o fizemos com o hino, que não era de consenso para todos os moçambicanos.
Sendo assim, julgo que este momento, em que comemoramos 20 anos de paz e 50 do jubileu da frente que libertou a pátria, constitui uma oportunidade soberana de trazer à tona este debate. O que proponho é uma forma (não me perguntem qual) de demonstrar a nossa bravura, contar esse episódio da nossa história ao mundo, sem ter, necessariamente, de apresentar uma arma na nossa bandeira, até porque agora estamos em outras frentes, a nossa guerra é outra. Esta não precisa de armas de fogo, precisa, sim, de moçambicanos adestrados para livrarem o país da pobreza que já não é absoluta.
Bem-haja a PAZ!
- Edy Adão Matavele