MARCO DO CORREIO, por Machado da Graça
Olá, amigo Luís
Como estás tu? Do meu lado tudo bem, felizmente.
Mas hoje queria falar-te de um assunto que, mais uma vez, me está a preocupar.
Como tu sabes, e como dizia o outro, graças a deus sou ateu. E sou ateu porque, desde que o homem anda ao cimo da terra, até hoje, nunca ninguém foi capaz de provar, por A + B, a existênca de deus, de qualquer um dos muitíssimos deuses que têm sido inventados. Desde os gregos e os romanos, com os seus Zeus e Júpiter, e dezenas ou centenas de outros menores, até aos hindus Brama, Shiva e Vichnu ou a Tezcatlipoca e mais centenas de outros, dos aztecas, Viracocha, dos incas ou Tepeu, dos maias, ou Jeová, dos Judeus, Cristo dos cristãos e Allah dos islâmicos ninguém conseguiu, nunca, provar a sua existência.
Vais-me perguntar a que propósito vem tudo isto, e eu respondo-te que vem a propósito de mais uma onda de violência, desencadeada pelos crentes de uma determinada religião, por causa de um filme que, segundo eles, ofende as suas crenças.
Violência que chegou já ao assassinato de pessoas que, muito provavelmente, não tinham nada a ver com o tal filme. Cuja única ligação era, muito provavelmente, terem a mesma nacionalidade que o realizador do filme, tal como milhões de outras.
E esses religiosos violentos não se apercebem, sequer, que os seus actos são a maior publicidade ao filme que, pelo que me dizem, é uma boa porcaria. A maior parte das pessoas que o terão visto terá sido por curiosidade, provocada por esses desmandos, em várias partes do mundo. Sem isso a obra teria passado completamente despercebida, ocupando o seu lugar na lixeira cinematográfica mundial.
Mas não é de agora esta sanha de matar em defesa de coisas tão pouco prováveis como são os deuses. Recordarás as cruzadas, e outras “guerras santas” em que povos inteiros se envolveram em matanças, das formas mais bárbaras, para provar que o seu deus é mais deus do que o deus dos outros.
Ou que pessoas foram horrorosamente torturadas e, muitas vezes, queimadas vivas, porque não compartilhavam as crenças religiosas dos tribunais da Inquisição, ou outros semelhantes.
Voltando ao caso concreto, será que os praticantes desta histeria religiosa não percebem que a Constituição e as leis dos Estados Unidos não permitem ao Governo americano proibir que se faça um filme como este, ou outro qualquer? E que não vão conseguir, com ataques a embaixadas dos EUA, que a tal Constituição e as tais leis sejam alteradas?
Por muito que em símbolos importantes da América se afirme que “Confiamos em Deus”?
Estamos já no século 21 e penso que devíamos já ter chegado a um ponto em que cada pessoa tivesse a liberdade de acreditar no que quisesse, sempre com o limite de não tentar impor a sua crença a outros ou, pior ainda, desatar a agredir e matar quem não compartilha os seus deuses.
Não gostam do filme? Façam como eu, que não tenho nenhuma intenção de o ver. E deixem os outros em paz!
Não achas, Luís?
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 21.09.2012