TEMAS ACTUAIS Por: Afonso Almeida Brandão
A pesar das diferenças e do combate ideológico que travávamos em "trincheiras" opostas e que existiam entre nós de uma forma salutar e sincera, nunca as nossas
relações de amizade e profissional foram afectadas, por sabíamos separar as coisas. Havia respeito nas opções de cada um. A nossa luta tinha em comum dois factores: o País e o Povo Moçambicano. «O resto são "balelas", Meu Querido Irmão...» dizia-me, amiúde, o Hilário Matusse, com um sorriso e um brilho nos olhos que eu compreendia bem.
Mais um colega que nos deixa. Um colega de quem já tenho saudades. Um vazio que dificilmente será preenchido tão depressa. O Hilário Matusse eram/foi um daqueles colega com quem partilhei horas-a-fio ao serviço do jornal NOTÍCIAS, na década de 90. Um colega com quem tive algumas confidências.
Um colega com quem falei de sonhos que ficaram por realizar e que acabaram, agora, para sempre adormecidos no fundo das nossas gavetas.
Hilário Matusse foi daqueles jornalistas que apesar de conhecer «tudo e todos» nunca deixou de ser um «ser solitário», daqueles que caminhou pela estrada da Vida Terrena em silêncio, sem dar muito nas vistas. Refugiava-se dentro de si, no seu "casulo", como ele gostava de deixar claro a todos com quem partilhou a convivência diária ou os encontros ocasionais...
Conheci Hilário Matusse em Outubro de 1994, quando fui trabalhar para o Jornal Notícias, a convite de um outro colega e amigo recentemente desaparecido: o Augusto Carvalho. Não sei o que anda a acontecer comigo ultimamente, mas a verdade é que nestes últimos 10 anos já perdi amigos que cheguem: Lina Magaia, Heliodoro Baptista, Kok Nam, Ricardo Rangel, Albino Magaia, Miguéis Lopes Júnior, Carlos Cardoso e agora o Hilário…
O Jornalismo Moçambicano está de novo empobrecido com a partida de mais um dos seus "filhos" e consagrados vultos.
Recordo o facto de o ter ajudado um pouco nas funções que manteve como Secretário do Sindicato dos Jornalistas por mais de 10 anos, com sugestões e ideias, pois era necessária a criação urgente de uma Carteira Profissional do Jornalista para a Classe que a dignificasse e autenticasse. Também trocamos ideias relacionadas com outras regalias e ajudei-o a estruturar aquilo que viria a ser, à época, a hipótese da criação de uma Caixa de Previdência de Jornalistas - à semelhança da que já existe noutros país. Não sei em que pé ficaram as coisas até hoje. Em suma: o percurso sindicalista de Hilário Matusse foi notório e os resultados também, apesar das dificuldades e da falta de apoio com que sempre se confrontou. «Além do mais os jornalistas são "uns tipos complicados" e uma classe desunida, não é mesmo, ó Brandão?!?» - questionava-me ele várias vezes, com alguma amargura.
«Pois são, Meu Caro, pois são...» - retorquia-lhe eu.
Chegados aqui importa dizer que sabia da doença do Hilário e que ele não andava bem de saúde há vários meses.
Encontrava-se retirado da profissão e do convívio habitual entre amigos e conhecidos. Os nossos encontros já rareavam, cortados apenas por um ou outro telefonema, de tempos a tempos.
Quando em Setembro de 2010 regressei a Portugal com a Família, as nossas últimas palavras trocadas ao telemóvel foram breves, lacónicas mesmo - mas sentidas: «Lá vais tu novamente para fora... Desejo-te as maiores felicidades, Meu Irmão. Até um dia desses e vai dando notícias de ti» - foram as suas últimas palavras.
Mais tarde enviei-lhe um "e-mail" a dizer que me encontrava a trabalhar e a viver na «terra dos Cangurus», lá para o fim-do-mundo australiano. Ficou delirante com a novidade e foram vários os "e-mails" que chegamos a trocar desde então ao longo destes últimos dois anos. Recebo agora, de chofre, a notícia da sua morte. Estremeço e fico arrepiado. Uma lágrima, teimosa, desliza-me pela face... Não estava à espera que o Hilário partisse assim tão de repente. Sem avisar ninguém, ainda por cima. Era um tipo tão novo, cheio de energia, com tantos sonhos por realizar, com tanto para dar de si aos outros e à profissão. Efectivamente, não há justiça alguma na Morte. Nem na Vida, por assim dizer. Nascemos e morremos da mesma maneira. Só que alguns vivem mais do que outros e deixam obra feita. Há aqueles que não deixam nada-de-nada e passam "por cá" sem que ninguém dê por eles…
Não foi o caso do Hilário Matusse, que recordo já com imensa saudade.
Até um dia destes, Meu Amigo! Até breve...
WAMPHULA FAX – 26.09.2012