CRÓNICA Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
«Este será um congresso sem nenhuma qualidade institucional, em que as palmas dos congressistas bajuladores incomodarão os habitantes do Índico, para compensar o vazio. Iremos assistir, patrocinados pelos nossos impostos, imagens televisivas de gente a pedir palmas depois de dizer tantas asneiras, quando, normalmente, na qualidade, os aplausos brotam sem recurso à cesariana». (Excerto de uma palestra com os meus sobrinhos).
No momento em que vos escrevo estas linhas o meu vizinho Campira Napumoceno (que se fez membro do seu partido por imperativos estomacais) encontra-se a caminho do X Congresso da Frelimo a realizar-se de 23 a 28 de Setembro corrente, em Pemba, capital da província de Cabo Delgado.
Zeloso pagador de quotas e cumpridor acérrimo da epístola do partido, o « cota » Napumoceno (como é carinhosamente tratado pela rapaziada da zona) há muito que não encontrava no seu regaço um sono reparador, pois fora-lhe dito que, a par da passagem área gratuita, receberia também um cabaz atulhado de guloseimas, camisetas, bonés e até mesmo garrafas de vinho de marca, desde que não falhe na consecução do seu ofício. Qual? A arte de bater as palmas, dançar e de fazer gritos de «hururu» (gritos tradicionais).
Para quem leva no mundo da política anos de experiência, como é o caso do vizinho Napumoceno, qualquer apelo meu no sentido de pedir dele uma redobrada atenção, para armadilhar o jejum prolongado, seria no mínimo encarado como uma tentativa minha de querer ensinar « Pai Nosso » ao vigário.
Se analisarmos o catálogo X Congresso e compararmos com as directrizes dos anteriores congressos, deste mesmo partido, chegaremos a conclusão de que nos anteriores congressos houve um ligeiro interesse em discutir-se os problemas do povo e aplicou-se, pese embora em medidas paliativas, soluções que acicataram o crescimento económico do país.
Contudo, a agenda do X Congresso está longe de trazer soluções para pelo menos remendar a situação da probreza absoluta que grassa pelos poros de milhares de famílias moçambicanas. Não será neste congresso que os camaradas reconhecerão, de alma pura, que as nossas terras estão a ser expropriadas e que os nossos recursos minerais estão a ser pilhados.
Estas e outras preocupações serão relegadas a favor da continuidade no poder do partido Frelimo e do seu actual timoneiro, o poeta Armando Emílio Guebuza, que na impossibilidade moral de alterarem a Constituição da República, levarão à cidade portuária de Pemba a caravana de membros, de simpatizantes, de convidados nacionais e internacionais, para assistirem o « cozinhar » dos Estatutos do partido e assim (com a ajuda da oposição moribunda que temos) perpetuarem-se no poleiro.
A única diferença é que desta vez teremos dois presidentes do mesmo partido que governarão Moçambique: o primeiro será « presidente de conveniência » para tirar fotos e inaugurar infra-estruturas, este estará alojado na Ponta Vermelha; e o segundo, será « presidente de campo » que a pretexto de fortalecimento das bases, continuará, sem bloqueio, com as « presidências abertas » e a reinar…
Este último terá residência arredores da sede do partido.
Em conversa com o meu vizinho Campira Napumoceno, que já anda nestas coisas de congressos do seu partido há muitos anos, e mais, possui uma longa experiência de vida partidária equiparada à coluna vertebral de um burro, afirmou nunca ter visto no seio da Frelimo tanta sofreguidão dos camaradas pelo poder como acontece agora. Todos querem o trono, nem que seja para durar meia dúzia de meses.
Nas palavras do velho Campira, em Pemba o trono será disputado por três concorrentes (com direito a claque): o poder militar (norte), o poder intelectual (centro) e o poder ideológico (sul), respectivamente.
Pode ser que haja exagero de análise do velho Campira, mas não me causaria surpresa se a « roleta russa » colocasse na presidência da República um candidato iletrado, intolerante, arrogante, insensível, ganancioso, enfim, que a sua película regista um passado molesto e corrupto, porque o capital é muito mais forte e reinante do que o valor da consciência. Aqueles que pela sua trajectória durante a luta de Libertação Nacional eram uma autêntica e exemplar válvula da compressão contra o colonialismo, hoje, com raras excepções, tornaram-se válvulas permeáveis à corrupção, ao tribalismo, ao espírito do « deixa andar », ao nepotismo, à inércia, à cobiça, à ganância, à prostituição intelectual e moral, etc.
A herança que construíram como « libertadores da pátria », para as crianças de hoje, tal não passa de um filme … que as entretem … pura e simplesmente. O futuro das nossas crianças está comprometido. Vi isso na minha recente viagem ao país, em particular a província de Tete. Vi habitações, escolas, hospitais e machambas a serem destruídas por máquinas demolidoras para a extracção gulosa dos minerais. Ninguém liga para aquilo, porque o capital « o vil metal » é o que mais ordena. Tete está a ficar careca. Quem assim falou não era gago, realmente não tardará muito para que Tete venha a ser igual à Minas Gerais, no Brasil, em que a gula dos capitalistas deixou buracos na cidade dos sambeiros, criou igrejas em Portugal e construiu indústrias na Inglaterra.
Não seria esta uma grande oportunidade para os congressistas do X Congresso se ocuparem? Não falo da oposição porque, ora vejamos, o MDM (a quem se esperava uma oposição de ferro depois do descalabro da Renamo) tornou no outro ramo da Frelimo.
Realmente há partidos políticos que nascem da podridão, da degeneração do fruto podre, o que não é o caso do MDM.
Criado a partir das agendas intestinas dos ex-militantes da RENAMO, não consegue sair dos cuidados intensivos para onde foi empurrado pela Frelimo.
Eu não consigo ver, neste partido, grandes mudanças. É algo que ultrapassa as minhas antenas.
E os doadores? Perguntei efusivamente ao velho Napumoceno.
Este que na altura me parecia estar ébrio, soluçou e de seguida remeteu à resposta para o seu vizinho de porta,
« Muana Sena », que rematou : «Amigo Chaleca, a Frelimo nesta altura do campeonato, “vira o prego” e põe as Leis acima de tudo, como se de uma sociedade de Direito democrático se tratasse, sossegando “os investidores”, que na maior parte são “aventureiros” que gostam de investir “nos limites da margem da Lei”, aproveitando sempre os “furos na Lei”.
‘Kochikuro’ (Obrigado)
WAMPHULA FAX – 21.09.2012