Esta afirmação foi feita esta semana em Maputo, pelo general na reserva, António Hama Thai, durante uma palestra dirigida a funcionários da Autoridade Tributária de Moçambique, subordinada ao tema “25 de Setembro – Dia das Forças Armadas de Libertação Nacional”. A mesma se insere nas celebrações do 48.º aniversário das Forças Armadas de Moçambique e 50º do desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, efeméride que se assinala no dia 25 de Setembro.
Na ocasião, o ex-combatente da luta de libertação nacional afirmou que a insatisfação dos moçambicanos aliada à intolerância do Governo colonial português em negociar a independência fez com que o povo liderado pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) recorresse às armas para libertar a terra e os homens.
“Este posicionamento do Governo colonial português aconteceu apesar do ambiente internacional ser favorável à descolonização, pois, as Nações Unidas, aprovaram, a 14 de Dezembro de 1960, a Resolução 1514 que estabelecia o direito à autodeterminação e independência dos povos colonizados. Portugal fez tábua rasa a todos os ventos da história e com ouvidos de mercador reforçava o seu sistema e a máquina de opressão contra o povo. A cultura moçambicana foi irradiada; É assim que para aquilatar a situação penosa prevalecente em Moçambique nasceram as organizações nacionalistas: UDENAMO, UNAMI e MANU, no exterior de Moçambique. São estas organizações, cuja fusão a 25 de Junho de 1962, fez nascer a Frente de Libertação de Moçambique – FRELIMO, organização que liderou a insurreição armada contra o jugo colonial português”, explicou o antigo comandante militar.
A aversão de Portugal em conceder a independência às suas ex-colónias chegou ao ponto, segundo Hama Thai, de o Governo colonial afirmar, junto das Nações Unidas e outros fóruns internacionais, que em África não tinha colónias mas sim “províncias ultramarinas que faziam parte integrante do território português”.
“Portanto, o contexto político da época foi determinante para se tomar a decisão de recorrer à luta armada para se libertar o país”, sublinhou Hama Thai, para quem os que afirmam hoje que o país poderia ter logrado a sua independência sem recurso às armas “são pessoas não atentas e que não fizeram a devida leitura do contexto da época”.
Hama Thai sublinhou o facto de o primeiro presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, na qualidade de funcionário das Nações Unidas e mediador da independência do Quénia, ter feito uma carta ao Governo colonial português, solicitando a concessão da independência de Moçambique por via pacífica, acto que não teve a resposta desejada.
Na ocasião, Hama Thai, que foi o primeiro governador da província de Tete, após a independência nacional, fez também questão de frisar que o golpe de Estado em Portugal que teve lugar a 25 de Abril de 1974, foi consequência da guerra colonial, pois, Portugal encontrava-se sem hipótese de continuar com a guerra, uma vez que já tinha dificuldades de recrutamento a nível da metrópole, assim como a nível das colónias, onde iniciou, alguns anos depois da eclosão do conflito, o recrutamento para o Exército regular, assim como para as tropas especiais.
Para o palestrante, a derrota do Exército colonial em Moçambique começou a consumar-se com o fracasso da operação “Nó Górdio”, cujo epicentro foi a província de Cabo Delgado e que tinha por objectivo “acabar completamente com a FRELIMO”, movimento a quem os colonialistas designaram por terrorista.
“A determinação do povo de lutar contra o colonialismo e a clareza da FRELIMO sobre os objectivos da luta levaram ao fracasso não só desta operação considerada crucial pelos colonialistas portugueses, como da própria guerra que se arrastou por dez anos”, afirmou.
O caso “Rombézia” e a criação da Renamo
O GENERAL na reserva foi solicitado a debruçar-se sobre alguns constrangimentos verificados ao longo da luta de libertação nacional, sobretudo no que respeita às clivagens ou mesmo divergências verificadas no seio da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
De entre os casos apontados, destaque vai para a tentativa de se constituir um “Estado moçambicano” que se estenderia do rio Rovuma ao rio Zambeze, conhecido como “caso Rombézia”.
Segundo Hama Thai tal situação foi despertada por alguns elementos que deixaram as fileiras da FRELIMO para abraçarem “projectos pouco claros”, como é o caso de Adelino Guambe, pessoa que chegou a liderar a UDENAMO, um dos três movimentos nacionalistas que viriam a constituir a FRELIMO.
“Depois de militar algum tempo na FRELIMO e frustrado por não ter sido eleito presidente, Adelino Guambe abandonou a organização e constituiu um movimento que tentou actuar em Tete sem no entanto lograr sucesso. Ele tinha como ideia estabelecer um território independente, que tinha como limites os rios Rovuma, a norte, e Zambeze, a sul, dai o nome de Rombézia”, explicou.
Outro tema abordado relaciona-se com a guerra de desestabilização, iniciada poucos anos após a proclamação da independência nacional.
Segundo Hama Thai, esta guerra foi movida a partir da então Rodésia do Sul com o objectivo de desestabilizar a governação da Frelimo em Moçambique, e criar dificuldades para o alcance da independência do Zimbabwe.
O antigo combatente da luta de libertação nacional referiu ainda que para lograr os seus intentos, o regime de Ian Smith, assistido por pessoas como Orlando Cristina e Jorge Jardim, moveram uma insurreição armada que teve como protagonistas alguns moçambicanos.
“É a partir desta situação que nascem grupos como a Renamo. Aliás, o primeiro grupo de membros da Renamo, que integrava André Machangaíssa, foi treinado na Rodésia do Sul e teve como instrutor Ken Flower, um elemento preponderante da hierarquia militar e política do regime de Ian Smith”, explicou o general Hama Thai.
De acordo com o general, a génese da Renamo não mudou com o andar dos anos daí que em 1994, após a assinatura do Acordo Geral de Paz e da realização das primeiras eleições multipartidárias, o ex-movimento rebelde propôs, na Assembleia da República, a criação de uma Lei de Desnacionalizações.
“Essa lei iria beneficiar a quem? De certeza que não ao povo moçambicano”, referiu o nosso interlocutor.
General Hama Thai
A vitória da Frelimo
UM momento marcante da intervenção do General Hama Thai, que teve como interlúdio a actuação do músico Filipe Nhassavele, relaciona-se com a consumação da vitória da Frelimo sobre o colonialismo português.
Segundo disse, tal vitória foi conseguida porque Portugal começou a ter limitações de recrutamento de soldados para suportar o seu Exército. Conforme disse, Portugal tinha, no início da luta, uma população de cerca de 9 milhões de habitantes.
Ora, segundo os manuais de estratégias militares, o recrutamento para o Exército só pode ir até 10 por cento da população o que, no caso de Portugal, seria cerca de 900 mil soldados. Só que para Portugal, que travava a guerra em simultânea em Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, teria que distribuir os 900 mil soldados em três países e Moçambique, teria não mais de 300 mil soldados. Com este número, segundo Hama Thai, Portugal não seria capaz de suportar 10 anos de guerra.
Dadas essas limitações segundo conta, generais como Khaulza de Arriaga começaram a recrutar nas próprias colónias ou, se preferir, nas províncias ultramarinas. Um dos problemas é de que esses soldados não podiam oferecer tanta confiança como os naturais de Portugal.
O segundo factor que ditou a derrota é o facto de a população portuguesa não “aplaudir” a guerra, ou seja, havia, em Portugal, um sentimento generalizado de repúdio de guerra e vários círculos de opinião aconselhavam ao fim do conflito armado.
O terceiro factor e último está relacionado com as frustrações dos próprios generais. Conta Hama Thai, que em Moçambique, houve casos de generais que, ao invés de canalizarem o material bélico ao Exército que tanto necessitava, às vezes, deitavam-no nas matas numa clara indicação de sabotagem e contestação silenciosa da guerra.
Este aspecto foi muito importante, uma vez que culminou com o desânimo de alguns generais.
Com o avanço da Frelimo de Cabo Delgado para o sul, Portugal estremeceu e os generais precipitaram-se, o que conduziu ao golpe de Estado a 25 de Abril de 1974.
Um elemento importante a considerar para a vitória da FRELIMO é a evolução qualitativa do seu armamento e o seu emprego combativo, como é o caso da “estrela 2M”, uma anti-aérea portátil que abateu muitos aviões ou o canhão “B11”, instalação portátil de artilharia com calibre de 122 milímetros, que usa um foguete reactivo que tem cerca de 10 mil estilhaços, um raio mortífero de 50 metros.
“O seu emprego combativo não era fácil por que exigia muitos cálculos”, reconhece, o general.