Conclui estudo do CIP
- 85% das obras executadas nos distritos não têm qualidade
Bernardo Álvaro
Um estudo levado a cabo em 12 distritos do país, cujos resultados foram apresentados semana passada, em Maputo, pelo Centro de Integridade Pública (CIP), indica que o Fundo de Desenvolvimento Distrital (FDD), que tem sido disponibilizado aos Governos distritais, tem sido desviado para cobrir despesas protocolares diversas, mormente as visitas presidenciais.
Por isso, segundo aponta o estudo, pelo menos 12 por cento do referido dinheiro beneficia as despesas protocolares no âmbito da chamada “Presidência Aberta e Inclusiva”.
Desarmonia entre actividades realizadas e inscritas
Num outro desenvolvimento, a pesquisa concluiu que existe uma desarmonia entre as actividades realizadas e as planificadas em 2011 no âmbito do cumprimento do PESOD (Plano Económico, Social e Orçamento do Distrito).
Quando o estudo procurou saber, os dirigentes distritais justificaram que as fragilidades ou desarmonias se prendiam no processo de planificação e alocação do orçamento, dado que a planificação é feita antes de se ter conhecimento dos tectos orçamentais, resultando numa planificação irrealista.
85% das obras sem qualidade
O estudo do CIP diz ainda ter verificado que 85 por cento das obras de raiz que o Governo tem vindo a financiar ou a reabilitar apresentam problemas de qualidade tais como infiltração de águas fluviais, rachas nas paredes e no soalho, baixa qualidade da madeira usada nos aros e na cobertura.
O estudo desenvolve que a baixa qualidade das obras está relacionada também com a falta de honestidade por parte dos empreiteiros contratados pelo Governo (muitas vezes central e provinciais), exiguidade dos fundos disponíveis, desembolsos tardios, desvios de aplicação para a cobertura de despesas protocolares e de funcionamento das Secretárias Distritais.
Outros elementos que se levantam no estudo como estando por detrás da baixa qualidade das obras, é a falta de observância da Lei do Procurement (Decreto 54/2009), falta de fiscalização das obras, abandono, paralisação constante das obras por falta de material e a realização dos trabalhos às pressas nas vésperas das visitas de alto nível, sobretudo as presidenciais e dos governadores.
Por isso, no caso de estradas, em termos qualitativos, muitas delas que supostamente beneficiaram de melhorais, apresentavam os mesmos problemas cujas intervenções pretendiam resolver, nomeadamente, buracos e intransitabilidade.
Quando a culpa é atribuída à natureza
Para as autoridades governamentais não faltaram argumentos para justificarem a baixa qualidade das obras, culpando as chuvas como a principal causa do rápido ressurgimento dos problemas nas vias de acesso.
Contudo, como ficou dito atrás, o trabalho do campo levado no âmbito da pesquisa constatou que o grande problema não são as chuvas, mas, sim, vários factores, dentre eles o desvio de aplicação dos fundos para cobertura de despesas protocolares, realização dos trabalhos as pressas, adjudicação das obras aos artesãos locais sem muita experiência profissional nem equipamento apropriado para o efeito.
Fundo de Água
O mesmo trabalho revela igualmente que no caso do Fundo de Água, para além de problemas verificados na gestão de outros fundos, há falta de transparência, tendo em conta que metade do dinheiro alocado é desviada para igualmente cobrir despesas protocolares durante as “Presidências Abertas”.
Ao invés dos objectivos preconizados, o dinheiro serviu para abertura de furos de água às residências dos administradores distritais, chefes de postos administrativos, chefes das localidades, sedes de postos administrativos, localidades e os locais de comícios populares, em detrimento de locais de maior concentração populacional.
Em termos de qualidade de obras neste sector de água e saneamento, o estudo concluiu que todas as fontes recentemente construídas apresentam-se com problemas de rachas no pavimento e alguns desses tiram água imprópria para o consumo humano.
Por outro lado, as conclusões do estudo apontam ter constatado que na maior parte dos distritos, onde decorreu o trabalho de rastreio da despesa pública do ano económico de 2011, há falta de transparência na gestão pública.
Os chefes é que se beneficiam dos fundos
O estudo diz, por exemplo, que os projectos aprovados e financiados no âmbito do famoso Fundo Distrital de Desenvolvimento (FDD), vulgo 7 milhões de meticais, beneficiam os membros dos conselhos consultivos, líderes comunitários, chefes de localidades, chefes de postos administrativos e funcionários públicos.
O CIP aponta que essas pessoas atrás mencionadas facilmente vêm influenciando o processo de aprovação dos referidos projectos, através de outros meios.
Mas, o estudo identifica aqueles dirigentes como tendo facilidades no acesso ao crédito bancário.
O estudo do CIP destaca, por outro lado, ter constatado que o processo de gestão do mesmo fundo (FDD) não é transparente na medida em que, por exemplo, 15 por cento dos projectos financiados naquele ano económico não tinham contratos celebrados com os mutuários.
De acordo com os resultados, dos contratos verificados pelo estudo, 20 por cento não tinham nenhuma assinatura, 75 por cento não tinham o plano de amortização do crédito financiado, 40 por cento não tinham os projectos desenhados pelos mutuários, para além de que a maior parte dos distritos visados pelo estudo ultrapassou os limites estabelecidos nos guiões de funcionamento do FDD.
Mais estranho, ainda segundo o mesmo estudo, é o facto de alguns distritos terem financiado com os “7 milhões” projectos de aquisição de meios circulantes para esses dirigentes ou funcionários, que com acesso ao crédito bancário poderiam adquirir esses meios.
Para além do FDD, o estudo do CIP constatou igualmente falta de transparência no processo de gestão do Fundo de Apoio Directo às Escolas (ADE), na medida em que nalgumas escolas verificou que os membros da Comissão de Compras eram os mesmos que faziam parte da Comissão de Recepção dos fundos.
Conclusões e recomendações
O documento diz que pelo tipo de constatações, concluiu que a execução orçamental das despesas de investimento nos distritos permanece “aquém do desejado devido a fragilidades institucionais”.
Recomenda outrossim que sejam criados mecanismos de alocação de fundos específicos para acolher as visitas presidenciais e dos governadores de modo a reduzir os desvios, para além de afirmar na necessidade da realização das auditorias sociais pelos beneficiários.
Serve de referência que em 2011, o orçamento total do Governo moçambicano foi de 141.7 mil milhões de meticais, dos quais 77 mil milhões de meticais, ou seja, 54.3 por cento foram aplicados nas despesas de funcionamento, 64.7 milhões, 45.7 por cento das despesas de investimento.
Do orçamento de investimento, apenas 5.1 por cento foram alocados aos distritos reconhecidos pela Lei n.8/2003, de 19 de Maio, que versa sobre os órgãos Locais do Estado e seu respectivo regulamento (Decreto 11/2005, de 10 de Junho como “Pólos de Desenvolvimento.
As conclusões apontam que 88.9 por cento do investimento permanecem ao nível central.
O estudo foi desenvolvido pelo CIP e seus parceiros provinciais, designadamente: ESTAMOS, no Niassa; Facilidade, em Nampula; Wonelela, em Inhambane e AFU, em Gaza, e vão apresentar ao público os resultados do rastreio da despesa pública do ano económico de 2011, realizado em 12 distritos nas províncias de Gaza (Chókwè, Mabalane, Bilene), Inhambane (Panda, Massinga, Homoine), Nampula (Monapo, Ribaué, Morrupula) e Niassa (Cuamba, Madimba e Nguma).
O trabalho teve o suporte financeiro da Cooperação Suíça para o Desenvolvimento (SDC), Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID), Educação para Desenvolvimento (IBIS), as Embaixadas da Dinamarca, Noruega, Reino dos Países Baixos, Fundação Ford, o International Budget Partneship (IBP) e a Oxfam Novib.
O rastreio da despesa pública incidiu sobre as alocações orçamentais de principais investimentos a realizar pelos governos distrital, provincial e central nos distritos abrangidos pelo programa. Estes investimentos incluem vários fundos descentralizados para a prestação de serviços sociais e combate à pobreza, com destaque para Fundo de Investimento Distrital; Fundo de Desenvolvimento Distrital
(sete milhões); Fundo de Estradas; Fundo de Apoio Directo às Escolas; Fundo de Abastecimento de Água e Fundo de Construção de Salas de Aulas.
O relatório traz evidências de falta de transparência na gestão pública, falta de qualidade dos serviços prestados e sistematiza um conjunto de recomendações.
No cômputo geral, o relatório não só traz os resultados e as recomendações para o debate público sobre a qualidade da governação mas também identifica áreas críticas para advocacia.
A apresentação foi feita por Lourino Dava, do CIP, num painel em que faziam parte o director-geral do CIP e o jornalista Jeremias Langa, do grupo SOICO, como moderador.
Canal de Moçambique – 17.10.2012