A
vila de Manje,
sede distrital de Chiúta,
na província de Tete, está a viver momentos de agitação,
na sequência do “reaparecimento” de um homem que em 2005 foi dado como
morto, e, supostamente, enterrado num dos cemitérios tradicionais locais.
Trata-se de
Fernando Ingland, que semana passada foi entrevistado pelo “Diário de Moçambique”
na residência dos seus progenitores, onde retomou ao convívio familiar.
Será que é uma fábula? Esta é a questão que coloca qualquer um que ouve falar deste
episódio inédito, que está a merecer comentários, de esquina
em esquina, por parte dos residentes e visitantes de Manje.
Aliás, Fernando Ingland está, desde que regressou à casa dos pais, no passado
dia 18, a receber várias visitas, quer de familiares, quer de pessoas
sem nenhum laço parentesco.
OS PORMENORES
Este é mesmo o vosso filho e irmão que era dado como morto e sepultado? – interrogámos
aos pais de
Fernando Ingland, nomeadamente Ingland Alberto Cachidza e Maria
Canhimbe, bem como aos irmãos Alberto Luís, Basílio Ingland e David
Ingland. Responderam em coro que sim. “Não há sombra de dúvidas” –
acrescentou o irmão mais velho, Alberto Luís.
Qual é a prova? – insistimos. “Ele morreu quando tinha uma pequena parte de cabelo branco na cabeça e também uma cicatriz na testa, pois sofreu um acidente de viação. Aliás, também partiu a perna nesse mesmo acidente, na altura em que caiu de um camião de longo curso” – explicou. De facto, a nossa Reportagem viu tais sinais.
Questionámos a Fernando Ingland se aqueles eram os seus pais e irmãos, ao que respondeu afirmativamente: “Sim, são os meus pais e irmãos”.
Quando e como é que o vosso filho desapareceu? Podem explicar melhor? – eis as outras questões colocadas aos nossos interlocutores. Eles explicaram que Fernando Ingland trabalhava na região de Luia, ainda no distrito de Chiúta, na empresa Dimon Leaf Tobacco. Também vivia nesta zona, ainda em 2005, com a sua segunda esposa, com quem casou em virtude de a primeira ter perdido a vida.
Após ter recebido o seu salário mensal, achou que deveria ir à casa, tendo tomado como transporte um camião de longo curso. Na tentativa de descer, embateu na porta e caiu. Consequentemente, fracturou a perna esquerda, tendo sido evacuado para o Centro de Saúde de Manje, mas, devido à gravidade do ferimento, foi transferido para o Hospital Provincial, na cidade de Tete, onde permaneceu um mês e duas semanas.
Na sequência de melhoras registadas, Fernando Ingland recebeu alta médica e voltou para a casa dos pais, localizada no segundo bairro residencial da vila de Manje, onde até agora vivem.
Entretanto, segundo os nossos entrevistados, quando regressou do Hospital Provincial, não ficou muitos dias saudável, visto que começou a tossir e a expelir sangue, facto que não sossegou os seus progenitores, os quais conduziram-no ao Centro de Saúde local, tendo sido internado durante um dia e no segundo perdeu a vida, quando eram cerca das 16 horas.
“Ele morreu no dia 11 de Setembro de 2005, às 16 horas” – revelou Alberto Luís, acrescentando que o pessoal sanitário colocou o corpo na morgue e no dia seguinte o pai alugou um carro para transportá-lo para o cemitério, mas antes passou pela casa, para o velório.
O cortejo fúnebre partiu da residência às 14 horas, directamente para o cemitério de Chuambo. No local onde foi supostamente sepultado, os pais construíram uma campa. “Temos ido lá fazer limpeza, porque é lá onde enterramos o nosso irmão” – disse.
Segundo apuramos, em 2005 a vila não tinha atingido o actual nível de desenvolvimento, pelo que quando se registasse alguma morte, até as barracas fechavam, para atender a esta infelicidade, razão pela qual muita gente se apercebeu da suposta morte de Fernando Ingland, e, também participou no funeral.
O nosso entrevistado assegurou que foi uma cerimónia fúnebre muito concorrida e é por isso que “dissemos que ele tinha morrido e fomos enterrá-lo, sem sombra de dúvidas. Pusemo-lo no caixão, que mandamos fazer e transportamos do hospital até aqui em casa e daqui para o cemitério”.
CERIMÓNIA TRADICIONAL
Segundo reza a tradição local, quando na família morre alguém, passado algum tempo, um período de um ou mais anos, realiza-se na casa uma cerimónia de Nyau-Gule-Wankulu.
“Sim, fizemos até a cerimónia de Nyau no segundo ano da morte deste nosso irmão” – confirmou , que diz ter ficado admirado perante o reaparecimento de Fernando Ingland. “Eu também estou admirado por este episódio, pois nós enterramos este irmão” – disse, por seu turno, Basílio Ingland.
Como é que Fernando Ingland reapareceu aqui em casa? – perguntamos aos nossos interlocutores. Em resposta, Alberto Luís explicou que no dia 17 deste mês, aperceberam-se que Fernando Ingland tinha sido visto na periferia da vila à procura de serviço doméstico, para ver se conseguia algo para se alimentar, visto que estava a sentir muita fome.
“Fomos à procura dele e conseguimos localizá-lo no dia 18 e trouxemo-lo para aqui, em casa. Quando chegou perguntou-nos onde estava o seu colega de futebol, chamado Wanamadzi, e também disse que queria saudar o senhor Almiro, que estava aqui em casa e assim vimos que, de facto, ele voltou ao convívio dos vivos, pois consegue reconhecer pelo menos algumas pessoas, apesar de ter morrido há sete anos” – explicou a fonte que temos vindo a citar.
DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE – 29.10.2012