A presente análise gravita, apenas, na perspectiva medicinal. A opção por este domínio pode ser interpretada como mera aventura pelo facto de não sermos experts nesta área, mas pretendemos partilhar a nossa compreensão com os leitores. A leitura desta obra do ponto de vista medicinal permite chegar às seguintes conclusões: (i) os Va-Changana recorrem às folhas e ou raízes de plantas para a cura de certas doenças e (ii) a revelação parcial das funções medicinais das plantas é uma estratégia de protecção da propriedade intelectual na cultura Changana.
No Chibuto, o médico deu-nos alguns medicamentos para ajudar. Mas a receita principal foi sumo de caju bem fresco exprimido de cajus acabados de cair (sublinhado é meu)…. Depois de beber o sumo de caju fresco durante alguns dias as feridas começaram a secar e o Dambuzinho (Diminuitivo de Dambuza…Dambuza é nome que me foi dado pela vovó Mwankondjani..”J.C, 57”) ficou curado. (idem, 60).
Era com o “chá” da casca do tronco de mbhesu que o meu sobrinho Miguel, filho de Armando, estava a tratar a sua asma. Era com um produto oleoso, preparado com a seiva da mesma casca, que a minha esposa tratava a sua sinusite e eu tratava os meus “sinus nasais”(idem, 237).
Os excertos acima conduzem-nos a conclusão de que paralelamente à medicina dita legal, os Vachangana procuram sempre plantas que ajudam a resolver os seus problemas de saúde.
Por exemplo, na tradição Changana a Malária ou doença de corpo (J.C, 84) cura-se através da fervura de folhas de várias plantas (mangueira, mafurreira, eucalipto, abacateira…) e o consumo do próprio remédio que é extraído antes do bafo. Mesmo na capital do país, os pacientes changanas, na sua maioria, depois de terem sido diagnosticados plasmodium nos seus organismos pelas unidades sanitárias além de cumprirem a dose dada também recorrem às folhas. Sobre a eficácia fica-se sem se saber o que resulta são os comprimidos, a aplicação das folhas, o consumo do remédio ou a (re)acção de ambos. Um aspecto comum entre o remédio das folhas e os medicamentos dados no hospital é a amargura. murhi ni makinino sva(lê-se swa) baava/ remédio e comprimidos amargam.
Acredita-se que mesmo o tratamento (?) do Virus do HIV deva-se recorrer ao critério de folhas ou raízes que tenham um grau de amargura excessivo. Ka- Gaza xipungwani xaSida xothlawuliwa! (em Gaza descrava-se/extrai-se o vírus do HIV Sida). Idem para os pacientes que sofrem de doenças mentais (Sobre este assunto, prometo desenvolver um texto nas próximas ocasiões).
A obra do ponto de vista medicinal quebra os valores médico-tradicionais da cultura Changana ao revelar como se curam certas doenças, mas subtilmente preserva ou protege a propriedade intelectual dos médicos changanas espalhados por todo o império de Gaza. Geralmente dizem eles que sinya lowu wa tirha/ esta planta funciona. Se a pergunta for wu tirhela yini/ para que serve? A resposta sempre é vaga: wudaha xifuva/cura asma. O mecanismo para curar a asma não é tão simples como tirar folhas ou raízes de mbhesu e ferver. Aqui há um processo químico de misturas heterogéneas com outras folhas e raízes de outras plantas por vezes com peles de animais que não é revelado. Mesmo os que sabem, vezes há, que preferem dizer: conhecem o nome da árvore, mas desconhecem da função: quando perguntei aos dois trabalhadores como se chamava a árvore que eu contemplava… um disse goana e o outro mwensu. Perguntei-lhes mais coisas e eles responderam que sabiam que a árvore era utilizada para remédios, mas não tinham a certeza(J. C, 237).
- Raul Balate Júnior
NOTA:
E a propósito, para quando os volumes 2 e 3?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE